- Folha de S. Paulo
Numa análise lógica, burlar o sistema de cotas raciais é um crime quase impossível
A Idade Média não foi o período mais efervescente nem o mais brilhante da história, mas o pessoal das universidades daquela época ao menos não se perdia no beabá da lógica. Acadêmicos medievais que seguiam o método escolástico jamais cometeriam alguns dos erros que seus congêneres contemporâneos parecem perseguir com afinco.
Falo da decisão da Unesp de expulsar 27 estudantes que, segundo a universidade, teriam burlado o sistema de cotas raciais para entrar na instituição. O problema é que, numa análise lógica, esse é um crime quase impossível de cometer.
Ora, o que os editais da Unesp, a exemplo de toda a legislação que regula cotas, exigem do candidato que concorre pelo sistema de reserva de vagas é uma autodeclaração de que ele é preto, pardo ou indígena —e não que ele efetivamente seja preto, pardo ou indígena.
A distinção pode parecer irrelevante, mas não é. Ela muda o “fato gerador” do que é verdadeiro ou falso. Se Odin, o principal deus do panteão nórdico, vier a Midgard e preencher um documento no qual diz que é preto, ele terá se autodeclarado preto —e será verdade que se autodeclarou preto independentemente de suas características fenotípicas. Só haveria fraude se alguém que não Odin tivesse assinado a papelada em seu lugar —e sem uma procuração válida.
Como, então, fazer para que ninguém abuse do sistema? Em tese, é simples. Precisaríamos substituir a autodeclaração por uma exigência essencialista, que cobrasse dos candidatos ao benefício que sejam de fato pretos, pardos ou indígenas —e não que apenas digam que são.
E por que a lei não faz isso? Porque, neste caso, seria preciso apresentar definições e, num país altamente miscigenado como o Brasil, é quase impossível estabelecer a priori critérios objetivos e justos para determinar quem é pardo e quem não é. Diante da dificuldade, nossos legisladores e juízes preferiram apostar na inconsistência.
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