No dia 13 de dezembro, completaram-se 50 anos do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), que representou o mais forte endurecimento da ditadura militar (1964-1985). Considerado “golpe dentro do golpe”, o AI-5 conduziu o País a um sinistro período de arbítrio, censura, repressão e cerceamento das liberdades civis e dos direitos individuais. Ao longo de seus 11 anos de vigência, o ato de profundo autoritarismo produziu muitos males que ainda são sentidos. A perenidade de seus efeitos constitui poderoso alerta sobre a necessidade de zelar sempre, sem descanso e sem cansaço, pelos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Com apenas 12 artigos, o AI-5 desmantelou completamente a ordem jurídica constitucional, revogando direitos e garantias fundamentais. Foi dado, por exemplo, poder ao presidente da República para “decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores”. Durante o “recesso”, o Poder Executivo correspondente ficava “autorizado a legislar sobre todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios”.
O presidente da República também passou a poder decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição. Além disso, também “sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais”. Era uma acintosa e prepotente saraivada de agressões a direitos e garantias fundamentais.
Como se não bastasse, o AI-5 suspendeu “a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. Também excluiu da apreciação judicial “todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos”.
Com o AI-5, o regime militar assumiu sua face mais autoritária, impondo a vontade do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário, bem como sobre toda a ordem jurídica. Se um ato decretado pelo presidente da República era capaz de revogar os princípios mais básicos da Constituição, já não se podia falar em ordem jurídica. O que havia era um regime de exceção.
Tal arbítrio ficou nítido, por exemplo, em relação à liberdade de imprensa. Desde o golpe militar de 31 de março de 1964, houve pressão, ameaças e atentados contra o Estado, mas a pior fase de censura começou na madrugada do dia 13 de dezembro de 1968, quando o jornal, que trazia o editorial Instituições em Frangalhos com sérias críticas ao presidente Costa e Silva, foi apreendido ao chegar às bancas.
Como o Estado avisou que não faria autocensura – coisa corrente em outros periódicos –, já na mesma noite de 13 de dezembro, quando foi anunciado o AI-5, houve censores na Redação. O AI-5 marcou, assim, o início da censura sistemática à imprensa, que só acabaria anos depois.
O AI-5 foi também ocasião de recrudescimento da violência, tanto pela brutalidade dos agentes do regime de exceção como pela violência empregada por aqueles que escolheram equivocadamente a luta armada como método de resistência à ditadura. O autoritarismo e o arbítrio do AI-5 suscitaram reações violentas por parte de movimentos de oposição, muitos deles igualmente antidemocráticos. Foram tempos especialmente sombrios, de rejeição de toda ideia de liberdade e democracia.
Ao decretar o AI-5, o presidente Costa e Silva alegou que “atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais”, estavam se servindo de instrumentos jurídicos para combater e destruir a “Revolução vitoriosa”, isto é, o golpe de 1964. As garantias constitucionais eram tratadas como obstáculo para o País e para o governo. Tal sofisma, infelizmente, não é coisa do passado. Vez por outra, há quem postule limitar o alcance das garantias individuais, por exemplo, para combater com mais eficiência a corrupção ou para assegurar uma nova ordem política. A história do AI-5 mostra a falsidade de tais argumentos. Quando está em jogo a normalidade democrática, não se transige. Como diziam os antigos, o preço da liberdade é a eterna vigilância.
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