terça-feira, 2 de abril de 2019

Bernardo Mello Franco: O faroeste do doutor Witzel

- O Globo

A Constituição proíbe a pena de morte, mas Witzel resolveu institucionalizar as execuções sumárias. Em sua cartilha, o policial acumula as funções de promotor, juiz e carrasco

Wilson Witzel nem disfarça. O governador do Rio se empertigou todo para posar com o próprio retrato oficial. Na foto emoldurada, ele ostenta a faixa azul e branca que mandou confeccionar para a posse. O clique de Marcos Ramos expõe a imagem de um político deslumbrado, que mal assumiu o cargo e já sonha com a Presidência. Mas a vaidade parece ser o menor dos pecados no Palácio Guanabara.

Em entrevista ao GLOBO, Witzel indicou que se vê acima da lei. É o que transparece no anúncio de que a polícia passou a usar atiradores de elite “de forma sigilosa”. Segundo o governador, a ordem para “mirar na cabecinha” já virou política de estado. “Só não há divulgação”, declarou.

A Constituição proíbe a pena de morte, mas Witzel resolveu institucionalizar as execuções sumárias no Rio. Em sua cartilha, o policial acumula as funções de promotor, juiz e carrasco. Identifica o suspeito, decide se ele deve morrer e puxa o gatilho.

O defensor público-geral do estado, Rodrigo Baptista Pacheco, diz que não há cobertura legal para o uso de snipers. “A lei brasileira não permite o abate genérico. O policial só pode atirar em legítima defesa, diante de uma agressão atual ou iminente”, afirma. O histórico da PM fluminense, que já abriu fogo ao confundir guarda-chuva com fuzil, também deveria inspirar cautela às autoridades.

Ontem o Ministério Público cobrou esclarecimentos do governador. Os promotores já investigavam a suspeita de que dois moradores de Manguinhos foram mortos com tiros à distância. Segundo testemunhas, os disparos partiram de uma torre na Cidade da Polícia. Passados mais de dois meses, a perícia ainda não chegou às mãos da Defensoria.

O discurso do bangue-bangue ajudou Witzel a se eleger, mas o desafio de conter a criminalidade é mais complexo. A volta dos tiroteios no Dona Marta, que virou símbolo do abandono das UPPs, mostra que o problema não será resolvido com bravatas. O governador também deve explicações sobre a expansão das milícias, que se alastram com rapidez enquanto ele posa de xerife.

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