- Valor Econômico
Reforma entra, agora, em sua fase mais difícil
Aprovada a proposta de reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, as dificuldades do governo serão ainda maiores daqui para frente. Agora é que começa a discussão para valer, pois cada mudança será avaliada com lupa e ficarão claras as perdas de cada um dos futuros aposentados. Não há dúvida que a maioria da população é favorável à reforma da Previdência, sabe que ela é fundamental para o equilíbrio das contas públicas, mas a necessidade inquestionável das mudanças tende a obscurecer quando cada um fica sabendo em quanto será atingido.
O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, prometeu apresentar todas as informações sobre as alterações que estão sendo propostas, os dados em que as medidas foram baseadas, as planilhas utilizadas, o impacto fiscal de cada mudança e as projeções para o gasto futuro da Previdência.
Com as planilhas e os dados apresentados, as consultorias da Câmara e do Senado, os consultores e especialistas do mercado farão suas próprias projeções para verificar a consistência das propostas do governo. Isso é normal e até mesmo desejável, em uma sociedade democrática, principalmente no caso de alterações previdenciárias, que atingem dezenas de milhões de pessoas.
Cada mudança proposta poderá ser quantificada, ou seja, será possível saber qual a contribuição que ela dará para a redução total da despesa e quem serão os eventuais "perdedores". Isto dificultará muito o andamento da reforma, pois as informações detalhadas alimentarão lobbies de toda natureza. Mas não há como ser diferente, em um regime democrático.
Quem acompanhou pela televisão a votação da reforma na CCJC da Câmara, na noite de terça-feira, constatou que muitos deputados votaram favoravelmente à admissibilidade da proposta fazendo ressalvas a vários pontos do texto. Além da mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que boa parte não admite aprovar, as alterações na aposentadoria rural também têm alta probabilidade de não constarem do texto substitutivo a ser votado.
Os dados e as projeções que o secretário vai apresentar mostrarão que o impacto fiscal das duas mudanças será muito pequeno, o que ajudará muitos a sustentar com maior veemência o voto contrário a elas. A Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado, estimou que o aumento de 55 para 60 anos na idade mínima para aposentadoria da trabalhadora rural tem um impacto fiscal de R$ 49,6 bilhões em dez anos.
A IFI estimou também que as mudanças no BPC poderiam gerar uma economia de R$ 28,7 bilhões no mesmo período. A entidade do Senado não emitiu juízo de valor sobre as mudanças na Previdência. Procurou apenas estimar o impacto fiscal de cada medida.
Com os dados, os deputados saberão que as duas medidas economizarão R$ 78,3 bilhões em dez anos e poderão argumentar que a exclusão delas não inviabiliza a meta de economia de R$ 1 trilhão com a reforma. O ministro da Economia, Paulo Guedes, no entanto, tem dito que se alguma medida for retirada da proposta, outra terá que ser apresentada para compensar a perda.
A IFI estimou que a economia a ser obtida com as mudanças propostas no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) será de R$ 670,9 bilhões, em dez anos. A projeção do governo é de R$ 715 bilhões. Do valor projetado pela IFI, R$ 352,2 bilhões, ou seja, mais de 50% do total, decorrerão do fim da aposentadoria por tempo de contribuição. A mudança na aposentadoria por idade permitiria uma economia de R$ 143,4 bilhões, as alterações nas regras da pensão por morte, outros R$ 100,1 bilhões, e as mudanças na aposentadoria por invalidez, R$ 75,1 bilhões.
Há uma medida na proposta do governo que também enfrenta grande resistência: a criação de um novo regime de Previdência Social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida e de caráter obrigatório para quem aderir, em substituição ao atual regime de repartição simples.
Existem poucas informações sobre o novo regime na proposta de emenda constitucional (PEC) 06/2019. Está dito apenas que será garantido pelo governo um salário mínimo como piso para todos os aposentados e a possibilidade de capitalização nocional. Isto significa que uma parte das contribuições poderia ser absorvida pelo próprio governo, que ficaria em débito, devidamente registrado, com cada participante.
Todas as demais questões relacionadas ao novo regime são desconhecidas. Quando ele entrará em vigor? A partir de qual renda os trabalhadores estarão em condições de participar do novo regime? Qual será a alíquota de contribuição? Ela será a mesma para todos? Haverá também contribuição patronal? Quais as instituições que poderão gerir essa poupança? Haverá algum tipo de garantia para os depósitos?
Os parlamentares vão pedir também que o governo estime o custo de transição entre o atual regime previdenciário para o de capitalização, uma vez que os trabalhadores que optarem pelo novo sistema deixarão de contribuir para o antigo, aumentando, assim, o déficit previdenciário. A economia de R$ 1,164 trilhão que o governo espera obter com a reforma considera o custo de transição?
O governo tem dito que todas as regras do sistema de capitalização serão definidas em lei complementar, a ser enviada ao Congresso logo após a promulgação da emenda constitucional. É muito improvável, no entanto, que os deputados aprovem a criação do novo regime sem que ele esteja detalhado, pelo menos em seus aspectos essenciais. Por exemplo, haverá ou não a contribuição patronal?
A discussão em torno da proposta não será apenas técnica, pois envolve questões ideológicas. Os partidos de esquerda entendem que o sistema previdenciário precisa ter um caráter de solidariedade e que este foi o desejo dos constituintes de 1988.
A saída talvez seja a proposta elaborada pelos economistas Paulo Tafner e Arminio Fraga, que estabelece que o novo regime valeria apenas para os nascidos a partir de 2014. Um prazo mais dilatado diluiria o custo da transição.
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