Michel Temer, quando era vice-presidente de Dilma Rousseff, choramingava de seu papel meramente "decorativo" no governo - deixou de sê-lo quando a substituiu na Presidência. Hamilton Mourão não quer, nem tem temperamento para ser um vice decorativo, e os filhos do presidente Jair Bolsonaro, que integram o novo poder da República, têm certeza que Mourão almeja o destino de Temer. Abriu-se mais um capítulo da saga de Bolsonaro na Presidência, com a rotina de criação sucessiva de problemas para si. Ou, como bem definiu o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, sobre o impasse criado pelas divergências do "02" em relação a Mourão: é a comunhão do "inútil com o desagradável".
O Planalto sequer teve tempo de respirar aliviado pela passagem de seu principal projeto, o da reforma da previdência pela Comissão de Constituição e Justiça, e consumindo energias para apartar mais uma briga provocada pelos filhos de Bolsonaro. Governos tem regras e ritos para amortecer e resolver divergências, mas a atual administração de Bolsonaro balança ao sabor da fuzarca causada por sua família. Os ataques a Mourão descortinaram um conflito aberto entre duas facções no poder, que pode em algum momento paralisar o governo.
O vice-presidente tem, de fato, feito um contraponto às posições extremistas de Bolsonaro e família, no que exerce um papel benfazejo e útil a favor da moderação e, nisso, encarna o instinto de sobrevivência político de quem não enxerga o mundo pelas lentes das redes sociais. Ao fazer isso, cumpre também a função de mostrar que o governo tem, e precisa ter, a flexibilidade que o extremismo do presidente (e seus filhos) não permite ver. Em vários episódios em que Mourão entrou em assuntos polêmicos, foi sua posição que prevaleceu. Foi assim no caso da política do país em relação à ditadura de Nicolás Maduro, na Venezuela, e no episódio da transferência da embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém.
O fato de as posições de Mourão terem sido adotadas reflete o fato óbvio de que ele tem apoio de um núcleo importante, composto por militares em postos-chave no governo. É essa identidade que é alvo crescente de ataques da facção contrária, insuflada por Carlos e Eduardo Bolsonaro, com sua caricatural paranoia - os olavetes. Aonde os adeptos da seita do submundo intelectual criado a partir da Virgínia predominaram só houve destruição - e discursos raivosos. O exemplo do breve ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, mostra o que uma ideologia tresloucada foi capaz de fazer em uma das áreas mais vitais para o desenvolvimento do país.
Em mais um ato de pura provocação, e o que é mais grave, na rede do presidente no You Tube, Carlos veiculou um vídeo no qual Olavo de Carvalho dá vazão a uma catadupa de impropérios contra os militares e contra Mourão. Por identidade de ideias ou por influência dos filhos, ou ambos, Bolsonaro não criticou explicitamente em nenhum momento o guru da Virgínia, que não para de insultar o grupo de militares que está no governo a convite do presidente. Sob pressão, Bolsonaro fez declaração acaciana, ao dizer que os ataques não ajudam a "unicidade" do governo. E saiu em defesa do filho. Em nota oficial, lida pelo porta-voz da Presidência, Bolsonaro esclareceu "de uma vez por todas" que "sempre estará ao lado" de Carlos.
Ao mesmo tempo em que Bolsonaro teve de vir a público aparar a crise interna, Carlos prosseguiu nos dias seguintes atacando Mourão e apontando que ele quer o lugar do pai no Planalto. Augusto Heleno (GSI) e Carlos Santos Cruz (Secretaria de Governo) fizeram gestões para que Mourão tenha menos visibilidade em situações delicadas e mais discrição. Não se sabe que efeito isto terá sobre o comportamento de Mourão, mas não é difícil prever que não ficará calado diante da artilharia de Carlos Bolsonaro, que segue ativa.
Da parte do presidente, sua atitude constante até agora parece ser, parafraseando seu bordão de campanha, "a família acima de tudo". Nas redes sociais, em boa parte do tempo o filho fala em nome do presidente da República, usando um poder que nunca lhe deveria ser dado, para atacar quem quiser no governo. Seu objetivo agora parece ser o de tornar a situação de Mourão tão constrangedora que ele peça demissão - já que vice não pode ser demitido. O presidente já deixou claro que não o condenará, criando assim, o que é fantástico, uma corrente de oposição dentro do próprio governo. Não é um presságio. Os resultados desse modo de governar foram até agora desastrosos e não será diferente no futuro.
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