- Valor Econômico
Ainda há tempo para ajustar o rumo, apesar de ser difícil que o governo recupere o otimismo do fim de 2018
O Ministério da Economia tem defendido uma plataforma liberal. A agenda inclui uma proposta de reforma da Previdência, que geraria uma economia de R$ 1,1 trilhão em 10 anos; um programa de privatizações e de venda de ativos, totalizando R$ 1 trilhão; uma reforma tributária, que diminuiria bastante a carga tributária sobre as empresas; uma maior abertura no comércio internacional, que contribuiria para o aumento da produtividade; uma redução da burocracia, para melhorar as condições de negócios no país; e a transferência da gestão de recursos para Estados e municípios, visando elevar a eficiência na utilização desses fundos.
Essa agenda e a crença de que o ministro da Economia será capaz de implantá-la são responsáveis pelo otimismo de uma grande parcela do mercado. Todavia, os equívocos dos últimos meses têm reduzido esse sentimento e atenuado a valorização dos ativos.
Mesmo descontando a confiança excessiva que acomete ocupantes do poder, representantes do governo têm superestimado os benefícios da implantação gradual dessa agenda. É difícil crer, por exemplo, que o país crescerá, nos primeiros trimestres após a aprovação de uma reforma previdenciária, ao ritmo de 6% ao ano. Ao mesmo tempo, é difícil assumir, como recentes documentos do governo deixaram claro, que o país terá superávit primário a partir deste ano. Do mesmo modo, não é possível atribuir a realização dos 23 leilões de concessões deste ano ao atual governo, pois o seu trâmite ocorreu praticamente todo no governo anterior. Há exagero nesse comportamento.
A tramitação da emenda do orçamento impositivo confirma a completa falta de articulação do governo no Congresso. Essa desarticulação pode até ser condizente com o discurso de campanha, mas não é apropriada para um governo que precisa construir uma maioria parlamentar. Esse é outro fator que justifica um maior questionamento sobre as perspectivas para os próximos anos.
Apesar de ainda confiantes, os participantes de mercado não mais esperam a aprovação da reforma da Previdência neste semestre e muito menos a sua aprovação quase integral. A evolução do debate sobre a reforma na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados é um claro indicador de que pode haver uma expressiva diluição da proposta original até sua votação no plenário.
A aprovação de uma reforma com uma economia em 10 anos de R$ 700 bilhões é vista como positiva pela maioria dos participantes de mercado, mesmo não sendo suficiente para impedir o crescimento do déficit previdenciário como proporção do PIB. Apesar de esse valor ser superior ao da versão discutida no Congresso em 2018, é difícil classificar esse cenário como muito favorável para o país, ainda mais quando o déficit primário é elevado e tende a persistir por muito anos.
Em outra frente, a postergação da alta do preço do diesel em resposta ao questionamento do presidente da República, instigado por um representante dos caminhoneiros, foi negativa. Embora apropriada, a reação posterior do presidente de que não pode influenciar decisões da empresa e de que é favorável à privatização no setor precisa ser lida, por ora, com ressalvas.
A estratégia do atual governo para evitar a manifestação dos caminhoneiros não difere da adotada por governos anteriores quando sujeitos à pressão de grupos de interesse. A reação corriqueira é a de oferecer subsídios e mais proteção para esses setores. Desta vez, o governo prometeu investimentos para melhorar a malha rodoviária, alterações em licitações para exigir investimentos específicos nas estradas e financiamentos com recursos do BNDES. A inexistência de estudos que indiquem que esses empréstimos constituem um bom uso do dinheiro público replica a atuação de governos anteriores e é prejudicial ao bom funcionamento do setor público. Também aqui, a atitude do governo foi mais negativa do que uma parte do mercado embutia em seu cenário central.
O otimismo também diminuiu por conta da atividade econômica. Desde o início do ano, os resultados têm sido mais fracos do que as projeções da maioria dos analistas. A mediana das previsões em dezembro passado para o crescimento do PIB de 2019 era de 2,55%, variando entre 1,59% e 4,20%. Na quinta-feira passada, essa projeção recuou para 1,71%, no intervalo entre 1% e 2,64%. Essa dinâmica não é nova. Desde 2010, as projeções formuladas em dezembro para o crescimento do PIB do ano seguinte e posterior têm sido superiores aos números divulgados.
Mesmo assim, a maioria dos especialistas espera que a aprovação da reforma previdenciária aumente bastante a expansão da atividade nos próximos anos, estimulada pela elevada capacidade ociosa, expectativa de altos investimentos em infraestrutura e juros reais mais baixos. Apesar de a justificativa fazer sentido, uma forte aceleração da atividade está longe de assegurada.
A atuação de Paulo Guedes contribuiu para a valorização dos ativos frente aos patamares do início de 2018. Alguns participantes de mercado ainda julgam que o empenho do ministro é uma garantia para a boa tramitação das propostas liberais. Apesar da sua importância, a aprovação de ajustes relevantes só ocorrerá com o aval e o empenho pessoal do presidente. Não há como aprovar medidas que retiram benefícios sociais e previdenciários, mesmo que injustos e insustentáveis, sem que o Executivo articule o apoio dos líderes dos maiores partidos de centro e de direita. Esse é o maior desafio do governo, que tem resistido em adotar ações associadas historicamente ao presidencialismo de coalizão.
A dificuldade do presidente de formar uma base de apoio sólida e as atitudes erráticas de alguns de seus ministros reforçam a avaliação de que eventuais transformações econômicas tomarão mais tempo para ser implantadas do que o esperado pelos mais entusiastas. Isso não significa que haja muitas razões, neste momento, para desânimo. Ainda há tempo para ajustar o rumo, apesar de ser difícil que o governo recupere o grande otimismo do fim de 2018.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia,
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