Ben Hall | Financial Times / Valor Econômico
Os espanhóis vão às urnas neste domingo na eleição geral mais altamente carregada dos últimos 40 anos. Mas, por um dos critérios, já existe um vencedor. O Vox, o partido ultranacionalista que irrompeu no cenário nacional no fim de 2018, transformou a correlação de forças políticas da Espanha. Supunha-se que o passado franquista tinha vacinado o país contra a extrema-direita que se alastrou por boa parte da Europa. Mas o Vox provou que isso era uma ilusão.
Pouco mais que seis meses atrás Pablo Casado, o líder do Partido Popular (PP), de centro-direita, ridicularizou a ideia de que o Vox representaria uma ameaça eleitoral. O Vox não tinha um único vereador em nenhuma cidade da Espanha, disse ele em entrevista ao "Financial Times". Na eleição geral passada, de 2016, o partido conquistou mero 0,2% dos votos e nenhum assento no Parlamento. Mas o Vox, comandado por Santiago Abascal, um ex-vereador do PP, é atualmente um turbilhão que agita o cenário político conservador. Tem 11% das intenções de voto nas pesquisas e poderá conquistar 30 das 350 cadeiras no Parlamento. A tempestade se armou tão rapidamente que as pesquisas podem estar subestimando o apoio ao Vox.
O premiê Pedro Sánchez, do socialista PSOE, disse na semana passada que "a Espanha sempre teve uma extrema-direita, dentro do PP ou fora dele. Agora a extrema-direita tem um partido próprio".
Sob o rígido controle do ex-premiê conservador José María Aznar, o PP se manteve como uma grande igreja, abarcando liberais sociais e econômicos, democratas-cristãos e os nostálgicos dos valores católicos tradicionais e de um Estado unitário e mesmo do regime autocrático de Francisco Franco.
Mas, com o partido manchado pela corrupção e rachado por uma reação nacionalista espanhola contra o plebiscito ilegal de independência da Catalunha de 2017, sua base de apoio se estilhaçou sob a liderança antiquada e pouco inspiradora do ex-premiê Mariano Rajoy.
De início, muitos de seus eleitores se bandearam para o Ciudadanos, um partido liberal, defensor do livre mercado, ferrenhamente contrário ao nacionalismo catalão. Agora, há o Vox.
Pressionado de ambos os lados, o PP se encaminha para registrar o seu pior resultado de todos os tempos e poderá perder nada menos que metade de sua bancada no Parlamento. Casado tentou ampliar sua base de apoio ao elevar ainda mais o tom de seus ataques a Sánchez, ao descrevê-lo como um "mentiroso compulsivo" e como "o pior bandido que a Espanha já viu", supostamente devido à sua disposição de acomodar a reivindicação separatista da Catalunha.
Possivelmente o Vox teve um impacto maior sobre o Ciudadanos, que, pouco menos que um ano atrás, esperava poder ofuscar o PP como o maior partido à direita dos socialistas. Aturdido por essas eleições, anunciadas de última hora, o Ciudadanos enfrentou uma evasão de apoio em favor do Vox. Para estancar as perdas, o líder do Ciudadanos, Albert Rivera, descartou uma coalizão com Sánchez e alinhou o partido com os dois outros partidos à direita.
A tentativa separatista ilegal da Catalunha "mudou completamente a estrutura da nossa base eleitoral", diz Toni Roldán, deputado do Ciudadanos. "Muitas pessoas vieram a nós vindas da direita com desejo de vingança, mas, quando o Vox apareceu, saíram." A análise da distribuição das intenções de voto no Ciudadanos identificou um contingente de eleitores 10 vezes maior à sua direita do que para a sua esquerda, acrescenta Roldán.
A escalada da base de apoio ao Vox polarizou a política espanhola em blocos irreconciliavelmente rígidos de esquerda e de direita, aumentando a instabilidade no sistema, atualmente composto por cinco partidos. Com o veto do Ciudadanos a uma coalizão com os socialistas, Sánchez deverá tentar obter apoio parlamentar dos independentistas catalães, bem como da extrema-esquerda. Se os três partidos de direita conquistarem apoio suficiente para formar uma coalizão de governo, o que parece menos provável, o sistema espanhol de descentralização regional de poder pode estar em xeque.
Pelos padrões dos partidos extremistas de outros países da Europa, o Vox pode parecer moderado. Não dá a impressão de ser veementemente contrário à permanência do país na União Europeia (UE) nem estridentemente anti-imigração, como a Liga, na Itália, ou o Reunião Nacional, da França. Provavelmente é mais bem descrito como reacionário-populista. Sua marca é a veneração à nação espanhola e a seus costumes. Mas o que ele representa é menos importante do que o seu impacto sobre os partidos tradicionais. A julgar por esta campanha, esse impacto foi profundo.
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