- O Estado de S. Paulo
Para retomar o crescimento não basta a aprovação da reforma da Previdência
A economia internacional não para de causar surpresas. Desacelerações no crescimento estão ocorrendo em países avançados e emergentes, mas os preços dos ativos estão em alta. Nos EUA, depois de queda em 2018, os preços das ações voltaram a crescer, e as taxas das treasuries despencaram ao lado da expectativa de iminente corte na taxa de juros. Contudo, se nos EUA há espaço para um afrouxamento monetário, o mesmo não ocorre na Europa, onde o BCE está preso ao zero-bound. A economia mundial atravessa um período de taxas de juros e de crescimento econômico baixos, que pode não ser a secular stagnation descrita por Larry Summers, mas estará conosco por um bom tempo. Afinal, as taxas reais neutras de juros no mundo caíram, e por trás desse movimento também estão as causas da desaceleração do crescimento mundial.
No Brasil assistimos algo semelhante, com os preços dos ativos em acentuada valorização ao lado de uma economia muito deprimida. Se não fosse o impulso aos preços dos ativos vindo do mercado financeiro internacional, seria difícil explicar por que, diante da estagnação econômica, o Ibovespa superou os 100 mil pontos, e continua crescendo. Seria também difícil explicar a totalidade da queda na inclinação da curva de juros, jogando as taxas das NTN-B de 2030 e 2040 para 3,5% ao ano. Em contrapartida, temos de nos conformar que a queda no crescimento mundial acentua a tendência depressiva da economia brasileira, piorando ainda mais as condições para a retomada do crescimento.
Para retomar o crescimento não basta que o Congresso aprove a reforma da Previdência. Ela exige que, além de melhorar a eficiência do lado da oferta, é preciso elevar a demanda agregada, e embora o Banco Central tenha todas as condições para reduzir a taxa de juros, não há esperança de que tal movimento seja suficiente para nos tirar da depressão.
A boa notícia é que o governo tem um instrumento mais eficaz do que os gastos públicos, que são os investimentos em infraestrutura com base em concessões ao setor privado, e que vem elaborando um excelente programa. Pela sua magnitude, tais investimentos ampliam significativamente a demanda agregada, mas são, também, investimentos que elevam a produtividade, contribuindo para o crescimento da oferta. A má notícia, no entanto, é que diante da complexidade na formulação do programa não poderemos contar, neste e no próximo ano, com qualquer impulso vindo de sua execução.
Para que tais investimentos se tornem realidade é preciso uma combinação de segurança jurídica, de leilões competitivos e de fontes de financiamento em moeda doméstica. Recentemente demos um passo importante na melhora na segurança jurídica ao aprovar uma boa lei de agências. Precisamos de técnicos competentes liderando a regulação, de forma a minimizar os riscos dos concessionários e atrair empresas – nacionais e estrangeiras – que executem os investimentos com custos baixos e qualidade elevada.
Nossa experiência demonstrou que os leilões têm de ser transparentes, competitivos e abertos a nacionais e estrangeiros, evitando os cartéis e a corrupção. Finalmente, além de nos livrar do peso fiscal dos subsídios, o freio no BNDES derrubou a barreira ao crescimento do mercado privado de capitais, cujas debêntures vêm tendo expressiva expansão, sendo colocadas a taxas de juros baixas, devendo permanecer assim por um extenso período, tornando abundantes os financiamentos em moeda doméstica.
Porém, para que o Brasil retome um crescimento sustentado, que será um processo muito lento, é preciso bem mais do que a aprovação da reforma da Previdência, a queda da taxa de juros e um bom programa de investimentos em infraestrutura. É necessário, no mínimo, uma reforma tributária na versão proposta por Bernard Appy, e não na forma defendida pelo governo, somada à continuidade e ao aprofundamento da abertura da economia ao comércio global, que apenas se iniciou com o acordo entre Mercosul e União Europeia. Enquanto estas e outras ações da agenda de reformas não forem executadas, continuaremos assistindo a baixos crescimentos, baixas taxas de juros e de inflação.
Para quem se cansou da hiperinflação, este até pode ser julgado um “bom cenário”, mas ainda não abre nenhuma perspectiva de melhora na vida dessa e de gerações futuras.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore &Associados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário