quinta-feira, 11 de julho de 2019

Crise também prejudica investimento em inovação: Editorial / Valor Econômico

Poucos temas atraem tanta atenção de empresários e investidores atualmente quanto o da inovação. A mobilização em torno do assunto é enorme e existe grande interesse no mundo corporativo sobre métodos que possam facilitar ou mesmo viabilizar o financiamento de medidas que possam tornar uma companhia ou um banco ou mesmo um órgão governamental mais inovador.

Sabe-se também que o Brasil apresenta avanços em inovação em algumas áreas específicas. O exemplo mais evidente é o setor financeiro - muitas soluções para pagamentos e outras operações bancárias são consideradas mais avançadas do que em outras nações. Outro caso emblemático é o do setor de cosméticos, no qual algumas empresas conseguiram ter destaque internacional por meio de investimentos em produtos inovadores.

Não existem dúvidas, além disso, que uma mola fundamental para um período de crescimento econômico duradouro é o investimento público e privado em pesquisa e desenvolvimento. E o Brasil, atolado num crescimento medíocre nos últimos anos, só ganharia com o impulso que fosse dado por mudanças de procedimentos inovadores.

É, portanto, desanimador nesse cenário a constatação que a crise econômica está também abafando iniciativas do setor privado no terreno da inovação, como se vê pelos dados coletados pelo anuário Valor Inovação Brasil 2019, que passou a circular na terça-feira da semana passada. Levantamento da revista aponta uma redução de cinco pontos percentuais no número de empresas cujos orçamentos de inovação ficaram acima da média mundial - que é de 4,5% sobre a receita. A redução ocorreu em relação ao ano passado.

A pesquisa feita pela Strategy&, consultoria estratégica da PwC, mostra que no ranking das 150 companhias mais inovadoras tem havido avanços e recuos nos últimos três anos. Na edição do anuário de 2017, o percentual de empresas que destinavam 5% de seus orçamentos ou mais às atividades de pesquisa e desenvolvimento e inovação era de 21%. No anuário de 2018, foi registrado um salto para 30%, percentual que agora caiu para 25%.

Houve, porém, nesse período, um avanço entre as empresas que aplicam entre 4% e 5% da receita em pesquisa. O percentual subiu de 7%, em 2017, para 9%, em 2018, e alcançou 11% neste ano. Consultado pelo anuário, Ricardo Pierozzi, sócio da Strategy&, explicou que os números revelam que a crise econômica que se arrasta no país tem exigido disciplina dos executivos para manter firmes as estratégias de pesquisa e desenvolvimento.

Além disso, o perfil do mercado brasileiro é de pouca ousadia. Segundo a pesquisa, as empresas aplicam mais recursos (56%) nas chamadas inovações incrementais - conjunto de ações para aprimorar bens, serviços e processos existentes. O desenvolvimento de novas tecnologias (inovação radical) consome 20%. Para novos modelos de negócios são destinados 16%, e, para projetos revolucionários, 9%.

Humberto Pereira, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), afirma que a falta de ousadia é reflexo de um ambiente de negócios conturbado, pouco estimulante para os projetos de inovação. "A crise atrapalha, mas nossa dificuldade é estrutural, não circunstancial", alerta.

Não é apenas a crise econômica prolongada que prejudica o investimento em inovação. Existem também dúvidas sobre o direcionamento e a escassez de recursos governamentais para pesquisa e desenvolvimento, como ficou explícito em manifestação da semana passada de ex-ministros de Ciência e Tecnologia por meio da divulgação de uma carta. Ao todo, dez ex-ministros assinaram o documento - ex-titulares da pasta nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Em junho, outro grupo de ex-ministros - da Educação, também de variados governos - já havia manifestado publicamente suas preocupações com as políticas do atual governo nessa área, que tem impacto a médio e longo prazos nos projetos de pesquisa. É notório que um país só pode desenvolver novas tecnologias e investir pesadamente em inovação se sua população tiver uma educação de qualidade.

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