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A avalanche que ninguém esperava
Foi discurso de candidato – a presidente da República, a vice, ou na pior das hipóteses, a governador do Rio de Janeiro, o seu Estado. Ao celebrar a aprovação do texto-base da reforma da Previdência, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, fez questão de dirigir-se ao país, não somente a seus colegas. E chorou – antes e depois de falar.
Maia é um chorão. De uma família de chorões. Para superar a tensão, chora e às vezes sai chutando seus adversários. Diz-se acostumado a viver sob intensa pressão desde quando dividia o útero da mãe com sua irmã gêmea. Sabe guardar ressentimentos. Mas é pragmático o bastante para esquecê-los se for o caso.
Por ora, não foi o caso de desprezar os ataques que sofreu do presidente Jair Bolsonaro, e dos devotos dele em recentes manifestações de rua encomendadas. Maia virou boneco inflável gigante alvo de insultos. Sua vingança foi não mencionar o nome de Bolsonaro no discurso aplaudido de pé por seus pares.
Um discurso redondo, de improviso, mas pensado de véspera, embora sob a emoção de um resultado surpreendente até para ele. Na semana passada, quando admitiu haver votos suficientes para aprovar a reforma, Maia não tinha certeza disso. Pelo contrário: temia que faltassem votos, algo como uns 30 dos 308 necessários.
Desembarcou, ontem, na Câmara seguro de que contaria com 330 votos em um total possível de 513. Mesmo assim seria uma vitória expressiva. No governo de Fernando Henrique Cardoso, a reforma da Previdência foi derrotada porque faltou um único voto. Os governos seguintes preferiram bancar arremedos de reforma.
Então ocorreu a avalanche que deixou todo mundo perplexo, a começar por Maia e a terminar por Bolsonaro que nunca suou a camisa para aprovar a reforma. Suou para livrar os policiais militares da reforma. Votaram 510 deputados – 379 a favor, 131 contra. Maia viu o resultado no placar eletrônico e não acreditou.
O que aconteceu? Ao invés de dar ao governo a reforma que ele pedira, os deputados decidiram fazer a sua. Convenceram-se de que não dava mais para ignorar que o país caminharia para o buraco se não reformasse a Previdência. A estarem certas as pesquisas, a maioria dos brasileiros pensa a mesma coisa.
Fez-se a reforma – ou melhor: foi dado o passo mais difícil na direção de fazê-la. Hoje, a Câmara votará pontos da reforma destacados e ela poderá ficar menor. Em seguida, a bola será chutada para o Senado. Ali, se tentará incluir Estados e municípios no momento excluídos da reforma.
Uma reforma concebida para acabar com os privilégios manteve vários deles e aumentou outros. Mas como o mundo gira, a Lusitana roda e as pessoas vivem mais, é assunto para ser resolvido na discussão da próxima reforma.
Esquerda em estado de choque
Feridas abertas
Nem nos seus piores pesadelos, os partidos de esquerda sonharam com uma derrota tão acachapante como a que colheram na Câmara dos Deputados com a votação da reforma da Previdência.
Seus líderes sabiam que o texto seria aprovado, mas por uma margem apertada de votos. Admitiam poucas deserções em suas fileiras, mas jamais o que acabou por acontecer.
Somente o PT, PSOL e PC do B votaram em bloco contra a reforma. O PSB, que fechara questão contra a reforma, rachou e feio. Dos seus 32 deputados, 11 votaram a favor.
Dos 27 deputados do PDT, 8 desobedeceram à orientação do partido e votaram a favor da reforma – inclusive a estrela da bancada, Tabata Amaral, cogitada para disputar a prefeitura de São Paulo.
Ciro Gomes, ex-candidato do PDT a presidente da República, anunciou que pedirá a expulsão dos infiéis. A direção do PSB pensa em promover o expurgo dos seus desobedientes.
É difícil que tais ameaçam se concretizem dado ao pequeno tamanho da esquerda na Câmara. Em jogo, a sobrevivência das legendas. O barulho interno cessará com o passar do tempo.
A fatia mais à esquerda da esquerda é que pode sair eleitoralmente fortalecida. Entregou pelo menos o que prometera – todos os seus votos para derrotar a reforma.
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