- Folha de S. Paulo
Atual Previdência atende com uma proteção social mínima em especial nas regiões mais pobres
É o fim da Previdência Social no Brasil. O projeto de reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro já significava o término de um sistema que protege milhões de pessoas —e mesmo com as alterações no Congresso isto não deixará de ocorrer.
Ainda que com suas insuficiências, a atual Previdência atende com uma proteção social mínima —em especial nas regiões mais pobres— idosos, doentes, desempregados.
Enfim, pessoas que contribuem e, diante de contingências como idade avançada e doença, por exemplo, são afastadas do mercado, necessitando da proteção previdenciária.
O projeto tinha três bases: capitalização; retirada das futuras reformas, em questões fundamentais, da Constituição; e severa diminuição de direitos.
As duas primeiras foram afastadas pelo Congresso, e a última permaneceu, ainda que com pequenas variações.
A nossa Previdência pública é montada na solidariedade social. Quem está recebendo benefícios hoje depende da contribuição dos que estão trabalhando —que receberão a partir dos recolhimentos futuros.
Uma maneira de destruição da Previdência Social era exatamente o regime de capitalização. Nesse, o dinheiro deixaria de ser gerido pelo poder público e passaria a ser tratado na perspectiva de investimento por instituições bancárias.
Como teríamos de continuar pagando os benefícios de quem já está aposentado, o Estado (leia-se, todos nós) teria um prejuízo, para essa passagem, estimada pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, em R$ 1 trilhão.
A forma de se fazer a passagem era economizar, diminuindo direitos, nos benefícios de quem estivesse recebendo e de quem receberia, até o último segurado que permanecesse na Previdência pública.
Retirada a capitalização (que passa a impressão de ter sido o bode posto na sala de negociações), nada justificaria a manutenção da radical diminuição de direitos em valor excessivamente superior ao suposto déficit atual.
Não foi o que aconteceu. Mesmo com suas modificações, o projeto continuou a atingir drasticamente a situação de trabalhadores e trabalhadoras diversos, provocando a maior redução de direitos já vista em nossa história.
Dificulta o acesso a benefícios previdenciários e diminui alguns de seus valores. Atinge até mesmo a assistência social —aquela destinada às camadas mais vulneráveis da população—, incluindo critério oneroso, já afastado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), para a concessão de benefício assistencial.
Os privilégios de alguns foram mantidos, os pobres punidos.
E como se dará o fim gradual da proteção previdenciária no Brasil?
Simples. A reforma prevê condições para a obtenção de benefícios (relacionadas à contribuição e à idade) que serão impossíveis de serem atendidas pelos trabalhadores e trabalhadoras em geral, o que é agravado pela reforma trabalhista, que generalizou o acesso a trabalhos instáveis, dificultando a continuidade da vida contributiva.
Ao lado disso, o governo conseguiu a edição de lei supostamente destinada ao combate de fraudes. No entanto, ali foram inseridas normas que criaram prazos que dificultam o trabalhador da iniciativa privada a obter benefícios ou a permanecer sob a proteção previdenciária.
Somada esta lei às novas disposições constitucionais, será, no futuro, praticamente impossível a obtenção ou manutenção de benefícios.
Teremos, enfim, um sistema em que as pessoas pagarão contribuições, mas dificilmente elas acessarão os benefícios.
E mais: teremos de fazer outra reforma diminutiva de direitos de quem ainda está recebendo —já que não haverá, para mantê-los, contribuições suficientes, em vista da drástica redução de postos de trabalho formais e da possibilidade, não afastada, de isenções para as empresas de contribuições.
Certamente não teremos problemas com as futuras gerações, uma vez que, destruídas as suas possibilidades de acesso a benefícios, não haverá que se preocupar com eventual situação deficitária.
Enfim, encontrou-se a fórmula para o suposto déficit da Previdência: basta dar um remédio que mate o paciente.
*Marcus Orione, professor de direito previdenciário da USP (Universidade de São Paulo)
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