- Folha de S. Paulo
Ou se compra a participação de corpo e alma na tribo ou se é considerado traidor
A discussão política no Brasil e em parte no mundo é rasa e carece de nuance. Criticar não significa incapacidade de desenhar propostas alternativas. Mas independência intelectual é artigo raro. Pior, é realmente desdenhada.
Os extremos ganham espaço por gritarem mais alto, aumentando a polarização. Ou se compra a participação de corpo e alma na tribo, de esquerda ou direita, ou se é considerado traidor. E haja preguiça intelectual.
O maior sintoma dessa preguiça é a panfletagem que ressalta somente benefícios quando se apoia uma política ou somente custos quando se é contra. Parte disso é desonestidade intelectual, mas há também muito de viés da confirmação.
Usemos o exemplo dos professores de escolas públicas, em que evidências são claríssimas, mas as implicações para políticas públicas não.
Podemos medir a contribuição de bons professores pelos seus efeitos sobre o aprendizado e a renda futura dos alunos. Alunos de professores que estão no 90º percentil de qualidade assimilam o equivalente a um ano e meio de material, mas os que tiverem o azar de cair numa sala com um professor no 10º percentil aprendem somente o equivalente a seis meses.
Em estudos para os Estados Unidos, mas que encontram similar no Brasil, Eric Hanushek encontra que um professor um pouco melhor que a média (69º percentil em vez de 50º) é capaz de aumentar a renda vitalícia dos alunos em US$ 10 mil, a e de uma turma de 20 alunos, em US$ 200 mil. Um professor no 84º percentil aumenta a renda de uma turma em mais de US$ 400 mil. Mas sabemos que professores, ruins ou bons, são dos profissionais mais mal pagos, tanto lá quanto aqui.
Infelizmente, os resultados são simétricos. Maus professores destroem tanto valor quanto os bons criam.
Um professor no 16º percentil destrói US$ 400 mil de renda vitalícia de uma turma de 20 alunos.
Vários problemas poderiam ser resolvidos se apenas substituíssemos os professores ruins por medianos, pagando melhor a todos. Mas aí vem a questão. Como? Não é fácil fazer isso.
Nos Estados Unidos, foram criados vouchers (auxílios), sistema em que pais recebiam um valor do governo para colocar os filhos em colégios privados. Supunha-se que esses colégios, que não estão presos aos sindicatos de professores, seriam melhores. Mas não deu certo. O ensino somente melhorou nas regiões nas quais o sistema de vouchers foi muito bem desenhado.
Vouchers não são necessários para um melhor sistema, vide o sucesso de algumas iniciativas no Ceará, mas a solução vem de uma discussão de alto nível. Infelizmente, a polarização mata a nuance.
Professores ganham mal, e os ruins podem destruir valor. Imposto de Renda sobre empresas é ineficiente e concentrador de renda.
Parece bem provável que Lula tenha sido corrupto e seu julgamento tenha sido manipulado. Ser contra esse governo não é querer ver o PT no poder.
O sensacional Bolsa Família veio junto de várias sandices dos governos petistas. Entender a necessidade da reforma da Previdência não significa apoiar o projeto colocado por esse governo.
Defender a abertura das fronteiras para os venezuelanos não é ignorar os custos que isso traria ao país.
Criticar (fortemente) a política prisional brasileira não é passar a mão na cabeça de bandidos. Revirar os olhos para o enfadonho termo neoliberal não é desconsiderar a extrema desigualdade do país. Defender o ambiente não é descartar crescimento econômico.
O mundo não é binário.
*Rodrigo Zeidan, professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
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