sábado, 14 de setembro de 2019

Adriana Fernandes - Bonde da reforma

- O Estado de S.Paulo

Sem CPMF, governo avalia agora como entregar a prometida desoneração

É fato que a rejeição à volta da CPMF é tamanha que deu o empurrão final para a demissão do então secretário da Receita Federal Marcos Cintra. Não foi o único motivo. Pressões externas ao trabalho da fiscalização devem levar à reestruturação do órgão, como antecipou o Estado.

Um processo, se não igual, semelhante ao que aconteceu no Coaf, o órgão de combate à lavagem de dinheiro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vai fazer essa mudança na Receita. O ritmo dela dependerá do perfil do substituto de Cintra no comando do Fisco.

A repulsa à recriação da CPMF é maior na sociedade civil do que no meio político, ao contrário do querem fazer crer os parlamentares influentes do Congresso. O relator da reforma tributária do Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), já antecipou que vai continuar a estudar a possibilidade de criação de um imposto semelhante à CMPF para substituir parte das contribuições sobre a folha de salários para gerar empregos.

É sempre bom recordar que a proposta inicial do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que é o autor do texto em tramitação no Senado, previa a criação de um tributo nos moldes da CPMF.

Depois da demissão de Cintra, Guedes, que defendeu a criação do novo imposto, reuniu a equipe e pediu mais e mais cálculos sobre a possibilidade de iniciar a desoneração da folha de pagamento das empresas sem a ajuda de um novo imposto nos moldes da CPMF, a chamada Contribuição sobre Pagamentos (CP). A desoneração é uma promessa do ministro para impulsionar a geração de empregos no País.

A avaliação de Guedes, até agora, é a de que seria extremamente difícil fazer a desoneração sem uma nova contribuição que cubra R$ 150 bilhões do que hoje é arrecadado com a folha de pagamento. Esse é o valor necessário para fazer uma desoneração parcial da atual alíquota, que é de 20% sobre os salários.

A ideia da CPMF parece estar enterrada. Ao menos por enquanto. Mas pode ressuscitar no Congresso porque, ao logo dos últimos anos, ganhou apoio das confederações dos setores produtivos.

O que o governo avalia agora é como entregar a prometida desoneração. Não está fácil e há uma divisão dentro do governo sobre qual caminho seguir. Iniciar o processo de desoneração da folha para as empresas que contratarem os jovens trabalhadores é uma opção branda, porém, mais palatável. Nesse caso, a desoneração seria bancada com os encargos pagos pelas empresas e transferidos às entidades do Sistema S. Um passo inicial bem menor do que o pensado anteriormente.

O governo deveria aproveitar a saída de Cintra para dar um freio de arrumação na articulação de sua proposta e destravar a negociação, que está emperrada. É preciso sair de cima do muro e dizer logo o que quer para não perder o bonde da reforma tributária.

Para não melindrar a Câmara e o Senado, o governo ainda não decidiu nem sequer como enviar o texto. Uma proposta oficial implicaria começar a tramitação pela Câmara, como exige a Constituição.

O Senado e as lideranças governistas, porém, pressionam Guedes para que proponha as mudanças via emendas aos textos que já estão nas duas casas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não aceita isso de jeito nenhum.

Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro não quer confusão com os senadores porque deseja emplacar a indicação do seu filho, Eduardo, para embaixador nos Estados Unidos. É no Senado também que está tramitando atualmente a reforma da Previdência.

Uma das ideias em análise é dividir a reforma em partes – Imposto sobre Valor Agregado (IVA), desoneração da folha e mudanças no Imposto de Renda – e dividi-las entre as duas Casas. Mas o cenário ainda está muito confuso.

O melhor seria o governo fazer como manda o script: enviar a própria proposta. Não pega bem numa matéria dessa importância o Executivo se abster de um texto.

Se Guedes demorar no envio, vai perder para o Congresso a iniciativa da proposta da desoneração. Em entrevista ao Estado, o relator da PEC de reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), já disse que a desoneração da folha será uma medida tratada pela Casa.

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