Supremo indica o que se espera das instituições – Editorial | O Globo
Na despedida de Raquel Dodge do STF, ministro Celso de Mello demarca o poder do presidente
A sessão de quinta-feira do Supremo Tribunal Federal (STF) foi além do protocolar, como deveria ser. A despedida da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, cujo mandato expira terça-feira, serviu para que discursos de praxe iluminassem o tenso momento político nacional. Nele, o presidente Bolsonaro e família demonstram não entender as limitações constitucionais estabelecidas para o Executivo diante dos demais poderes da República, Legislativo e Judiciário.
A todo momento têm ocorrido casos e declarações nas quais fica exposto o entendimento do presidente de que é ele “quem manda”. E não é. Ou não é só ele.
O vigoroso pronunciamento do ministro Celso de Mello, feito na sessão, em defesa da independência do Ministério Público — chefiado por Dodge, e uma das vigas de sustentação da democracia — deve ser entendido pelo presidente e seu grupo como um sumário do que estabelece a Carta.
“(O Ministério Público) é o guardião independente da integridade da Constituição e das leis, não serve a governos, ou a pessoas, ou a grupos ideológicos ( .... ), não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem (...).”
Por uma feliz e ilustrativa coincidência, também anteontem o indicado por Bolsonaro a substituir Dodge, o subprocurador-geral Augusto Aras, cumpriu agenda de contatos com senadores para pedir a aprovação do seu nome. Em uma das conversas, Aras foi gravado por cinegrafista da TV Globo quando relatava ao parlamentar que alertara o presidente: “o senhor não vai poder mandar, desmandar (...)”
Precavido, Augusto Aras. Porque entre as diversas declarações feitas por Bolsonaro, em pé, na porta de carro e na entrada de palácios, algumas indicaram que o presidente tem a expectativa de que Aras virá a ser uma extensão do seu governo no Ministério Público.
Mas não é o que está escrito na Constituição. Não apenas o MP tem independência em relação aos poderes, como cada procurador conta com prerrogativas próprias.
Aras pode ser uma pessoa não “xiita” em várias questões, entre elas as ambientais, como Bolsonaro exige, e o MP continuar a tratar do tema. Bem alertou o provável novo procurador-geral que o presidente não poderá determinar engavetamentos. Se ocorrer, será caso a ser levado ao Supremo.
Celso de Mello também não deixou de se referir à ojeriza do presidente aos povos indígenas, ao registrar que um MP independente garante a defesa dos direitos de minorias, como “os povos da Floresta e os Filhos da Natureza”.
Felizmente, parece que, passada uma fase inicial de certa estupefação com o padrão de comportamento dos novos governantes, ouvem-se os devidos alertas para que o Executivo conheça e obedeça ao seu espaço institucional.
A vez da reforma do Estado – Editorial | O Estado de S. Paulo
A dinâmica política que levou a reforma da Previdência para o topo da agenda nacional, tornando-a aceitável e até mesmo desejável para muitos eleitores e parlamentares que nem sequer podiam ouvir falar desse assunto há não muito tempo, é a mesma que parece empurrar outra reforma crucial, a do Estado, para o centro das atenções. Já não era sem tempo.
Mais uma vez, contudo, a exemplo do que vem acontecendo na discussão da reforma tributária, o governo de Jair Bolsonaro vem sendo o grande ausente dos debates. A despeito do discurso de Bolsonaro na campanha, que prometia uma revolução administrativa, não se sabe bem o que o governo propõe para a reformulação do serviço público e do próprio papel do Estado. Salvo alterações pontuais na disposição da Esplanada dos Ministérios, que representaram quase nada em termos de economia e de racionalização de recursos, o presidente Bolsonaro não revelou ao País qual é a sua ideia de Estado e de administração pública.
A questão atingiu dimensão tal que não é mais possível falar apenas em uma reforma administrativa, como as que foram tentadas nos anos 80 e 90. Não se trata somente de pôr cobro a exagerados benefícios do funcionalismo público nem tampouco de remodelar a estrutura burocrática, mas sim de repensar os diversos aspectos da relação entre administração e sociedade. Esse debate deve se dar à luz das cada vez mais evidentes restrições fiscais, que ameaçam inviabilizar o funcionamento do Estado e que reduzem ano a ano os investimentos públicos destinados a melhorar a infraestrutura do País e a estimular a economia.
Tendo em vista esse cenário de aperto, cujos efeitos negativos se fazem sentir por quase todos os cidadãos, mas especialmente pelos mais pobres, ganhou urgência avançar numa discussão franca sobre o papel do Estado e o nível desejável de intervenção governamental na vida econômica da sociedade.
As vacas magras finalmente começam a obrigar alguns administradores públicos a delimitar as verdadeiras prioridades do País, pois a alternativa é o colapso. Não se pode mais aceitar que haja privilégios a servidores públicos bem remunerados enquanto faltam recursos para oferecer o básico - principalmente saúde, educação, transporte e saneamento básico - à população de baixa renda. Tampouco se pode continuar a admitir ou desejar que o Estado, em nome do desenvolvimento de setores ditos “estratégicos”, drene recursos públicos para se envolver em atividades econômicas que podem perfeitamente ser desempenhadas pela iniciativa privada.
Um Estado eficiente está longe de ser sinônimo de Estado grande. Já está provado que, quanto maior é a estrutura do Estado, maiores são as oportunidades para a corrupção e o desperdício. A burocracia é parte da necessária estrutura para o exercício da regulação estatal, mas deve ser enxuta e inteligente, para cumprir seu papel sem prejudicar aqueles que pretendem empreender e gerar empregos.
Uma reforma nessa seara deve, portanto, reduzir as exigências burocráticas e requalificar o serviço público, premiando a produtividade e tornando mais seletiva a ascensão ao topo das carreiras do funcionalismo. Nesse contexto, faz todo o sentido o debate atual em torno da necessidade de facilitar a demissão de servidores públicos e de reduzir salários iniciais. A reação dos representantes de servidores, é claro, não tardou: uma frente parlamentar “em defesa do serviço público” já está se mobilizando para tentar impedir a reforma - ou o “desmonte do setor público”, como dizem os sindicalistas mais exaltados.
Certamente será nesse clima beligerante que as discussões sobre essa reforma vão se dar, e é por esse motivo que o governo fará bem se deixar de tratar o tema sob o aspecto ideológico, pois isso tende a crispar ainda mais os ânimos. Assim como ocorreu no bem-sucedido debate sobre a reforma da Previdência, o redimensionamento do Estado deve ser apresentado por seu aspecto eminentemente técnico e econômico. Se o governo Bolsonaro, até agora pouco atuante, quiser realmente colaborar para o sucesso dessa empreitada, deve primeiro abandonar a ladainha palanqueira, que só serve para alimentar bate-bocas estéreis.
Causa própria – Editorial | Folha de S. Paulo
Congressistas erram ao tentar afrouxar fiscalização dos partidos políticos
Com o avanço da reforma da Previdência e de outras medidas econômicas nos últimos meses, os líderes do Congresso demonstraram sua capacidade para organizar a agenda do país com bom senso e clareza na definição de prioridades.
Ao bloquear iniciativas que refletiam os piores instintos do bolsonarismo em áreas como educação e direitos humanos, eles reafirmaram sua disposição para exercer o poder com a necessária independência em relação ao Executivo.
Mas um projeto de lei patrocinado com apoio de lideranças das duas casas do Congresso tem tudo para minar o que poderiam ser esforços para resgatar a confiança da população na classe política.
A proposta, aprovada pela Câmara e a um passo de ser referendada pelo Senado, promove injustificável retrocesso ao modificar a legislação eleitoral e as regras para o financiamento dos partidos.
Como esta Folha noticiou, a iniciativa abre uma brecha para alimentar o caixa dois das campanhas eleitorais com recursos públicos e diminui a possibilidade de punição dos que burlarem as normas.
Conforme um dos artigos do projeto, partidos que fizerem mau uso do dinheiro só poderão ser responsabilizados se ficar demonstrado que agiram com dolo —ou seja, que tinham intenção de infringir a lei.
Se a iniciativa for aprovada, as novas regras serão aplicadas até mesmo a processos que já estão sendo analisados pela Justiça, o que pode vir a representar uma espécie de anistia ampla para malfeitos.
Naquele que talvez seja seu aspecto mais nocivo, a propositura enfraquece o sistema de prestação de contas eleitorais, que obriga candidatos e partidos políticos a declarar receitas e gastos na internet.
Desde que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso proibiram as doações de empresas, em 2015, fundos públicos bilionários se tornaram a principal fonte de financiamento do sistema político do país.
Isso tornou ainda mais importante o zelo com as prestações de contas, que atualmente devem ser feitas de acordo com um modelo padronizado pela Justiça Eleitoral.
Se o projeto em discussão no Congresso for aprovado, os partidos poderão usar qualquer sistema contábil disponível no mercado para apresentar as informações à Justiça, sem a obrigatoriedade de seguir o padrão vigente até aqui.
Além de reduzir a transparência com que esses dados precisam ser tratados, a mudança tornaria a fiscalização do dinheiro recebido pelos políticos muito mais difícil.
Depois de quase chancelar o projeto às pressas na quarta (11), o Senado adiou sua discussão para a próxima semana. Cabe aos congressistas aproveitar a janela aberta para examinar o texto com rigor e eliminar seus evidentes excessos.
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