- Folha de S. Paulo
Medidas podem levar a ruas indóceis e a Congresso mudo, estimulando autoritarismos
Nas eleições de 1990, Fernando Collor de Mello já não gozava da popularidade que o havia levado ao Planalto, mas ainda assim a sigla hospedeira de sua aventura presidencial, o PRN, viu eleitos 40 deputados federais.
Não era assim uma potência, ante os gigantes PMDB (108 deputados) e PFL (83 eleitos), mas uma agremiação robusta do segundo escalão. O partido reclamava mais espaço no governo Collor.
Quatro anos depois, escorraçado do poder com o presidente, o PRN estava reduzido a quatro deputados. Logo depois, despareceu, virando mais um zumbi nanico a assombrar a vida política —hoje atende pelo nome de Partido Trabalhista Cristão e tem dois representantes na Câmara.
O PSL, outro nanico que abrigou uma improvável campanha presidencial em 2018 e virou uma das maiores sigla da Casa, parece que seguirá o rumo do PRN. A diferença é que seu comensal, Jair Bolsonaro, será o responsável pelo movimento sem ter caído em desgraça como Collor.
Para tentar isolar-se dos rolos do laranjal do PSL, Bolsonaro deu a senha ao dizer nesta terça (8) para um apoiador que ele “esquecesse” a sigla. O tamanho da sangria nos 53 deputados, que de resto se comportam como se estivessem num grupo de WhatsApp e não um partido, é algo a ver.
Coesão não há. Todos reclamam, como na época do PRN, por espaço no governo. Membros se acusam mutuamente, e alguns, como o líder no Senado, Major Olímpio (SP), compraram briga com os radioativos filhos do presidente. O que acontecerá após a implosão é incógnito e perigoso para Bolsonaro: poderão brotar homens-bomba com segredos inconvenientes a contar.
O caso é exemplar da política brasileira tão criticada pelo presidente. A geleia institucional em que o país está imerso é tão amorfa que a discussão hoje é sobre a conveniência de Bolsonaro fundar uma nova agremiação ou partir para a tradicional fusão de nanicos.
Ou se ele vira o jogo e toma o PSL para si. Ou, quem sabe como insinuou no começo da noite da quarta, deixe tudo como está.
Uma coisa é certa: o país continuará sem um partido conservador verdadeiro, com o nome sequestrado por gente que flerta com extremismos, como o tal congresso que irá discutir o tema em São Paulo neste fim de semana provará.
O fato é que, para Bolsonaro, tanto faz. Seu desprezo pelo jogo político é notório, e o preço de tal atitude começa a se fazer sentir. A reforma da Previdência só será aprovada, com toda a desidratação a que foi submetida, quando as faturas passadas pelo Senado forem enfim pagas.
Com o enterro na prática da mexida tributária mais ampla, o próximo item na agenda é uma emergência, a crise fiscal que ameaça quebrar estados em série pelo país e, ao fim, a federação como um todo.
A solução que o faz-tudo Rodrigo Maia (DEM-RJ) encontrou foi dar prioridade a um misto de burla com reforma, no caso a mudança de critérios da chamada regra de ouro e propostas para reduzir o gasto federal com o funcionalismo.
A insolvência que ronda obriga medidas drásticas, não há dúvida. Mas elas, a depender da dose, podem levar a reações corporativas pesadas, e não é descabido antever greves e outros protestos. Aí fica a dúvida: se houver uma grande turbulência, as bancadas crescentemente alienadas pelo presidente irão assumir sozinhas o ônus de lidar com o problema?
Porque é duvidoso que um Bolsonaro tão intensamente radicalizado por motivos de estratégia eleitoral tenha, ao fim, algum tipo de capacidade de articulação e liderança congressual. Novamente, o fardo cairá sobre Maia, que não tem vocação para coveiro de velório alheio.
Neste caso extremo, com impasse no Congresso e ruas convulsionadas, parece razoável supor a exacerbação dos pendores autoritários de Bolsonaro e o consequente teste da tal solidez das instituições. Como dito, é uma hipótese hiperbólica que nem leva em conta o Lula Livre desejado pelo presidente para alimentar sua base, mas se há uma coisa que a realidade política nos ensina é nunca duvidar do pior.
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