- Valor Econômico
Pacote coloca articulação política de novo à prova
O presidente Jair Bolsonaro alcançou o trecentésimo dia de seu mandato começando a colher os resultados de um programa econômico assertivo, embora ainda batalhe para superar as incertezas provocadas pela maneira como exerce o poder e pela forma de conduzir a interação entre o Executivo e Parlamento.
O Congresso pegou a reforma da Previdência pelas mãos e conseguiu carregá-la até a promulgação, enquanto um novo lote de medidas econômicas começa a tramitar no Legislativo. Até agora, contudo, no campo político o presidente tem mais se caracterizado por sua disposição de partir para o embate total com quem entra na sua lista de opositores.
Bolsonaro trata desafetos como adversários, e não diferencia adversários de inimigos.
Esse atributo pôde ser observado diversas vezes durante sua atuação parlamentar, nos inúmeros embates que protagonizou em plenário, no salão verde da Câmara e no Judiciário. Longe dos olhares de espectadores, militantes e internautas, até que Bolsonaro mudou em alguns aspectos.
Não são poucos os relatos de deputados e senadores filiados a partidos achincalhados em público que, depois de se reunirem com ministros palacianos, foram levados ao gabinete presidencial para conversar com o próprio Bolsonaro. Surpreenderam-se com a receptividade, mas não saíram convencidos de que há uma transformação em curso na forma de fazer política do outro lado da Praça dos Três Poderes.
Afeito a gestos simbólicos, gosta de atravessar a rua e entregar pessoalmente ao Legislativo propostas de impacto. Depois, terceiriza responsabilidades durante a tramitação e alimenta a imagem de presidente que vai conseguindo atingir as promessas feitas na campanha, apesar dos políticos e da política.
A oposição tenta esboçar reação. Nos últimos dias, duas iniciativas passaram a ser acompanhadas com mais atenção pelo presidente e seus auxiliares. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News tenta avançar para além das denúncias de supostas irregularidades ocorridas durante a campanha eleitoral.
A intenção da oposição, que conta com a complacência de parlamentares de centro e da direita, é revelar desavenças de Bolsonaro com ex-aliados - hoje obviamente considerados inimigos no Palácio do Planalto - na tentativa de explorar casos ocorridos depois do início do mandato presidencial.
A CPI já começou a ouvir esses ex-aliados. Na visão da oposição, por exemplo, eles podem ajudar a esclarecer se ataques nas redes sociais feitos por pessoas próximas a Bolsonaro são realmente realizados sem o conhecimento prévio - ou autorização - do próprio presidente ou seus auxiliares diretos. CPIs têm o poder de quebrar sigilos.
Outro ponto de preocupação, no Palácio do Planalto, é a ação que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, enfrentará no Conselho de Ética da Câmara.
O que justificou a ação foi o fato de Eduardo tratar o Ato Institucional Número Cinco (AI-5) como iniciativa que poderia sair tranquilamente dos livros de história e ser reeditado em um governo democrático, mas poderia ser outro erro qualquer. A situação de Eduardo resulta mais da política de confronto do atual governo do que da sua declaração desastrada.
O deputado não estaria sem retaguarda no Conselho de Ética, se a bancada de seu próprio partido tivesse unida em sua defesa. Mas o cenário é adverso por que deputados do PSL aliados ao presidente do partido, Luciano Bivar, e que integram o colegiado são tratados como adversários ou inimigos por Bolsonaro.
Bivar caiu em desgraça entre o presidente e seus aliados, após tentar frear um avanço sobre o organograma da legenda. Decidido a afastar o rival e bloquear os recursos do PSL, o presidente chegou a provocar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para resolver uma questão partidária.
As estruturas de Estado também foram acionadas na tentativa de identificação de eventuais responsáveis, no serviço público, pelo vazamento de informações na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista Anderson Gomes. O Palácio do Planalto recorreu à Lei de Segurança Nacional, que entre outros riscos à soberania e à ordem política e social do país, também visa coibir crimes contra a honra dos presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal.
Nesse episódio, não só servidores públicos entraram na mira de Bolsonaro. O presidente responsabilizou publicamente o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Assim como ocorrera com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e Luciano Huck, Witzel parece ter entrado de vez na lista de inimigos que consta dos arquivos de Bolsonaro referentes às próximas eleições presidenciais.
Com a recente aprovação da reforma da Previdência, abriu-se finalmente o espaço para a rediscussão do tamanho e do formato do Estado brasileiro. Até agora, o governo contou com a pressão das redes sociais para ir tocando sua agenda legislativa. Teve o apoio do empresariado, que intensificou as cobranças feitas aos parlamentares por melhorias no ambiente de negócios, sobretudo depois que o governo reduziu o acesso a subsídios e às linhas de crédito dos bancos públicos. A redução do fluxo de recursos para os ministérios também expôs aos próprios gestores a precariedade das contas públicas, forçando-os a cortar despesas e abrir mão de ativos.
E assim vai o presidente, separando os adversários irremediáveis de quem em algum momento ou outro correrá o risco de ser incluído nesta lista. Sua legião de seguidores permanece enfileirada, pronta para o próximo combate.
É mais do que compreensível que sua tropa permaneça de prontidão para defender os aliados tanto na CPI das Fake News quanto no Conselho de Ética. Com a apresentação deste novo pacote, contudo, é a vez dos responsáveis pelo diálogo com congressistas, governadores e prefeitos serem novamente colocados à prova. Um bom começo seria que fugissem da armadilha da atual estratégia política binária.
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