quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Entrevista: Monica de Bolle: Paulo Guedes está preso nos anos 70

A economista afirma que as políticas do ministro da Economia, de defesa de um estado mínimo, não são condizentes com as necessidades do Brasil

Por Lucas Amorim | Exame

A economista Monica de Bolle, diretora de estudos-latino americanos e mercados emergentes da universidade americana Johns Hopkins, não pode ser acusada de defender as políticas econômicas de Dilma Roussef. A economista lançou, em 2016, o livro Como Matar a Borboleta Azul, uma crítica acabada do modelo de estado máximo e descontrole econômico da ex-presidente. Por isso, suas observações ao programa econômico do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, ganham especial relevância. Nos últimos meses, De Bolle tem sido elogiada e cobrada nas redes sociais por críticas cada vez mais incisivas ao ministro. Nesta terça-feira, mesmo dia em que Guedes anunciou um superpacote econômico para enxugar o estado e estimular a economia, a economista publicou, no Twitter, que “está na hora de o ministro sair dos anos 60 e 70”. De Bolle concedeu a seguinte entrevista a EXAME, por telefone.

• Por que a senhora afirma que o ministro Paulo Guedes tem uma desconexão da realidade atual?

Seu foco, desde a campanha, é de transformar o Brasil numa espécie de estado mínimo tupiniquim. Mas não dá muito para imaginar como isso cabe em nossa Constituição de 88, que prega um estado de bem estar social. Até por isso ele vem articulando reformas por meio de PECs [proposta de emenda constitucional]. Mas a estratégia chega a ferir normas democráticas. Ele fala em novo pacto federativo, mas não ouve a população. No limite, esse tipo de discussão deveria ser feita em uma assembleia constituinte.

• O que o Brasil tem a aprender com o Chile, país com a melhor economia da região e constantemente apontado como modelo por Guedes?

As manifestações recentes no Chile sublinham o tamanho do problema. No Brasil, com pobreza extrema, é ainda pior. Não se atenua a pobreza e a desigualdade sem um estado atuante. É preciso ter redes de proteção social fortes. O mercado não resolve sozinho, como já foi mostrado de todo jeito. O Paulo Guedes está preso nos anos 70 do Chile e dos “Chicago boys”. Além disso, ele nunca foi um formulador de políticas públicas, nem precisou de um entendimento mais profundo de políticas públicas sobre a dinâmica da pobreza na vida das pessoas. O Chile passa por uma convulsão pela ausência de bem estar social a despeito de todas as reformas. Estive recentemente com um embaixador chileno que reconheceu a falha do país em não ter gasto para ter uma rede de bem estar social. O governo Piñera, pelo menos, percebeu que também é responsável, e pela primeira vez um governo de direita está preocupado com questões sociais na região. Espero que dê certo, porque daria um recado muito importante.

• Mas o estado brasileiro está nas cordas. Não fazer as reformas não é pior?

Concordo que o estado é pesado e ineficiente, e que há muita coisa a ser feita. E alguma das medidas, como as restrições para funcionários públicos, são importantes. Mas não dá para o estado brasileiro ser reduzido a ponto de só oferecer o básico do básico. O pensamento macroeconômico moderno, que tem sido construído mundo afora, é o estado precisa mirar as tensões sociais. Não é uma coisa ou outra, nem uma primeiro e outra depois. Até porque a insegurança política e social no Brasil não vai permitir esse tipo de mudança.

• O governo Bolsonaro é liberal?

Ser liberal não pressupõe só estado mínimo, mas sim um estado de tamanho ótimo. Na visão liberal, o estado pode, sim, atacar problemas sociais e dar ao mercado as condições de fazer outras coisas. Não há nada de heterodoxo nisso. No Chile, por exemplo, o sistema tributário é baseado em IVA [imposto sobre valor agregado], que incide sobre o consumo e, portanto, é muito regressivo. É um dos focos de insatisfação. Mas, em vez de reduzir o IVA, o Chile poderia criar mecanismos de transferência, como os adotados na Europa, na Austrália, no Japão.

O ministro Paulo Guedes disse à Folha de S. Paulo que, após 30 anos de políticas econômicas de “centro-esquerda” é preciso esperar quatro anos de um liberal-democrata. A senhora concorda?

É uma falácia que precisamos sair de um extremo para o outro. Assim, vamos oscilar como um pêndulo a cada ciclo de governo e aí é que a economia não deslancha mesmo. O único jeito de ir para o centro é ir para o centro. Em 2019 há no Brasil uma impressão de que a economia é a única coisa que funciona, e que a equipe precisa de tempo para trabalhar. Mas o governo defende uma política de país com estado mínimo que não vai funcionar.

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