quarta-feira, 6 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A prudente distância dos militares – Editorial | O Estado de S. Paulo

Diante de um governo que não poupa esforços em criar polêmicas, acirrar ânimos e provocar adversários, é meritório o empenho das Forças Armadas, bem como dos militares da reserva que integram o governo, para não se imiscuírem nas picuinhas políticas, evitando, assim, criar novos atritos. Confirma-se uma vez mais que, à diferença de alguns civis, os militares têm sido exemplares no respeito à Constituição de 1988. Os arroubos autoritários a que vez ou outra o País assiste, como, por exemplo, manifestações pedindo fechamento do Congresso, ou a reedição do AI-5, ou achacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), não nascem nas casernas.

Nesse quadro de saudável distanciamento por parte dos militares das polêmicas do presidente Jair Bolsonaro e de seu entourage, cabe ressaltar uma exceção. Nos últimos meses, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, tem se aproximado da chamada ala ideológica do governo Bolsonaro. Na semana passada, por exemplo, o general Heleno foi uma das raras vozes que apoiaram a manifestação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) favorável a “um novo AI-5” para conter uma possível “radicalização” da esquerda no País.

No entanto, em vez de representar uma tendência das Forças Armadas, o comportamento do general Heleno apenas evidencia, por contraste, a atitude oposta tanto do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, como dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A disparidade entre o comportamento dos militares e o da ala ideológica do governo pôde ser vista no caso do vazamento do óleo, que chegou às praias do Nordeste. As Forças Armadas evitaram cuidadosamente alimentar teorias conspiratórias ou reforçar discursos políticos.

No fim de outubro, o presidente Jair Bolsonaro escreveu, em sua conta no Twitter, que era “no mínimo estranho o silêncio de ONGs e esquerda brasileira sobre o óleo nas praias do Nordeste. O apoio desses partidos ao ditador Maduro fortalece a tese de um derramamento criminoso”. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a insinuar que o Greenpeace estaria envolvido no derramamento do óleo. Segundo ele, um navio da ONG não se voluntariou para ajudar o governo.

Já as Forças Armadas optaram por dar ao vazamento de óleo um tom completamente diferente, fugindo das polêmicas políticas. Por exemplo, os militares fizeram questão de ressaltar que a origem venezuelana do óleo, comprovada nos testes químicos, era apenas um dado geológico, não podendo ser considerada como prova ou mesmo indício da participação da Venezuela no vazamento. Além disso, no trabalho de coordenação da limpeza das praias, a Marinha trabalhou lado a lado com diferentes governos estaduais, sem discriminar os Estados governados por partidos de oposição.

Outro episódio que ilustra o cuidado dos militares em se ater ao seu papel institucional se deu por ocasião do julgamento do STF sobre a prisão depois da condenação em segunda instância. Questionado se haveria incômodo das Forças Armadas em relação a uma possibilidade de o STF rever sua jurisprudência e soltar o ex-presidente Lula, o ministro da Defesa foi enfático. “O problema jurídico do STF é com o STF. Está em pleno julgamento e esse assunto está com eles”, disse ao Estado. Lembrou ainda que os comandantes de Força e o pessoal da ativa não haviam se pronunciado sobre o caso. “Quanto ao pessoal da reserva, eu não tenho ingerência em relação a isso”, disse o general Fernando Azevedo e Silva.

Em tempos nos quais escasseiam vozes de moderação e prudência, e de baixo apreço pelas instituições, em que tudo parece ganhar cores e tons raivosos e personalistas, é especialmente significativo que as Forças Armadas se atenham, de forma exemplar, às esferas de atuação definidas pela Constituição. Trata-se de um compromisso democrático que deve servir de exemplo para muitos civis que, esquivando-se de sua responsabilidade cívica, buscam nos quartéis a resolução dos problemas políticos e sociais do País. Com esse cuidadoso distanciamento das questões políticas, as Forças Armadas são uma fonte de paz e de estabilidade. Cumprem, assim, seu papel constitucional.

O pior por vir – Editorial | Folha de Paulo

Despreparo do governo limita chances de identificar responsáveis por óleo vazado

Na véspera de um megaleilão para exploração de petróleo no mar, marcado para esta quarta-feira (6), o governo brasileiro prosseguia dando demonstrações de despreparo para suas responsabilidades na área. Dois meses após iniciar-se o maior desastre ambiental do setor, imperava a perene confusão.

“O que chegou até agora e o que foi recolhido é uma pequena quantidade do que foi derramado. Então, o pior ainda está por vir”, disse no domingo (3) o presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Em um país normal, declaração de igual teor do presidente da República estaria devidamente calçada em informação confiável fornecida por auxiliares lotados na coordenação da resposta ao derramamento. Faz algum tempo, contudo, que os limites da normalidade estão sob estresse no Brasil.

“Nós não sabemos a quantidade derramada, o que está por vir ainda”, contradisse o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. O militar maximizou a incerteza durante uma entrevista coletiva dos vários órgãos federais envolvidos no esforço de remediação, com a Marinha à frente.

Desinformação cabal: eis a melhor descrição do que se observou até aqui. Depois de apontar o dedo para a Venezuela e uma ONG, insustentavelmente, o governo federal enfim se valeu de alguns dados técnicos para centrar a suspeita sobre o navio grego Boubolina, da empresa Delta Tankers Ltd.

Mesmo esse movimento comporta alguma precipitação. Baseia-se na presença da embarcação em área compatível com o setor oceânico indicado por modelos de dispersão como origem provável das mais de 4.000 toneladas de óleo retiradas de três centenas de localidades nordestinas. Mas ainda não há provas concretas para corroborar um indiciamento.

A Delta Tankers nega o acidente e diz que cabe ao Brasil comprovar que o derrame partiu do Boubolina. A quantidade recolhida até aqui corresponde a 27 mil barris de petróleo cru, que teria no mercado o valor de US$ 1,5 milhão (R$ 6 milhões) e representa 1/40 da capacidade de carga do navio grego.

Tal prejuízo empalidece diante do custo da operação de limpeza dos contaminantes, sobretudo agora que a Marinha, só dez semanas depois, mobilizou suas maiores embarcações —sem contar as perdas para a saúde pública, a pesca e o turismo, que o Ibama agora projeta na casa de bilhões.

Em retrospecto, a descoordenação exibida pelo governo Bolsonaro sugere que o país será incapaz de montar um caso jurídico robusto contra os causadores do derramamento e que o custo social e econômico da descontaminação recairá sobre os brasileiros. O pior, com efeito, ainda está por vir.

Uma rota para ajustar o peso do Estado brasileiro – Editorial | O Globo

Nos últimos três anos, setor público passou a consumir quase metade de toda a riqueza produzida no país

O pacote de medidas econômicas apresentado ontem ao Senado contém a ambição de uma reforma da Federação. Sua crítica política será feita durante o processo legislativo que, pela abrangência e pelo impacto das alterações constitucionais, tende a se prolongar no calendário de 2020, ano marcado pelas eleições municipais.

É necessário, desde já, considerar a relevância e o caráter emergencial de algumas das propostas agrupadas nesse “pacto federativo”. Uma delas é o fim do reajuste automático, pela inflação, nos gastos estatais classificados como obrigatórios.

Trata-se de uma desindexação dos orçamentos, prescritível em circunstâncias de extremas dificuldades fiscais e financeiras da União, estados e municípios.

No Brasil de hoje seria aplicável de imediato a pelo menos 12 estados: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Eles estão financeiramente combalidos, fragilizados porque suas despesas com servidores já ultrapassaram 60% da receita corrente líquida (apurada depois de descontadas as transferências obrigatórias aos municípios). Há estados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que já consomem cerca de 70% da receita líquida apenas com a folha de pessoal.

Pelo projeto, quando a soma das despesas atingir 95% da receita corrente líquida de qualquer um dos entes federativos, o ajuste das contas públicas se torna obrigatório. O prazo para reequilíbrio estaria limitado aos 12 meses seguintes.

Os “gatilhos” seriam acionados automaticamente para estados e municípios e, no caso da União, com autorização do Congresso. Isso retira dos governantes a opção da omissão por razões políticas. Ou lidera o processo de reequilíbrio fiscal ou se submete aos “gatilhos”.

Enquanto houver desequilíbrio, ficariam proibidos: promoção de servidores; concessão de reajustes; criação de cargos; reestruturações de carreiras; novos concursos e aditivos na folha de pagamentos, como indenizações. Proíbe-se, também, a criação de outras despesas constitucionais e mais benefícios tributários.

Na emergência, os servidores poderiam ter a jornada reduzida em até 25%, com corte proporcional nas remunerações. No caso da União, além disso, ficariam suspensos os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

É, em síntese, uma proposta para debate e decisão no Congresso que, certamente, vai adaptá-la à realidade política. Na essência tem o mérito de sinalizar a rota para ajustar o peso do Estado no bolso dos 209,3 milhões de brasileiros. Nos últimos três anos o setor público passou a consumir 49% do Produto Interno Bruto, quase metade de toda a riqueza produzida no país.

Pacote de reformas faz cerco à irresponsabilidade fiscal – Editorial | Valor Econômico

As medidas corrigem falhas na lei de responsabilidade fiscal, um marco na disciplina das contas públicas

Do pacote de reformas enviadas ao Congresso, a que mais interessa a curto prazo é a emergencial, que permitirá um alívio de R$ 24,7 bilhões já em 2020. Três propostas de emenda constitucional foram apresentadas - cada uma exigindo duas votações na Câmara, duas no Senado, com apoio de três quintos dos parlamentares - e provavelmente nada será aprovado este ano. De maneira geral as medidas vão no caminho correto e necessário de reforçar a responsabilidade fiscal de todos os níveis de governo, rearrumar o orçamento público, com desvinculações, e conceder maior autonomia a Estados e municípios na gestão de seus recursos, que serão reforçados com a transferência de R$ 400 bilhões em 15 anos provenientes dos royalties do petróleo, pelas previsões oficiais. A contrapartida em responsabilidades e obrigações dos entes federados está em grande parte no Plano Mansueto, parado no Congresso.

Há uma série de boas ideias contidas nas propostas feitas ontem pelo ministro Paulo Guedes, mas elas exigem uma força de arregimentação política que o governo está longe de possuir - e sequer se esforça para isso. São mudanças radicais - apenas a partir de 2026, daqui a duas eleições. Os benefícios fiscais, que consomem perto de 4% do PIB não poderão ultrapassar 2% do PIB, e serão reavaliados a cada 4 anos. Também daqui a 4 anos a União só dará aval a Estados e municípios para empréstimos com organismos internacionais e ficará proibida de socorrer entes federados em dificuldades financeiras. As chances de que essas propostas prosperem são perto de nulas.

O governo compra também uma boa briga política com os entes federados ao tentar corrigir a danosa proliferação de municípios totalmente dependentes das receitas de repasses. Pela proposta, municípios com menos de 5 mil habitantes que tenham arrecadação própria inferior a 10% da receita total serão incorporados aos vizinhos. Haverá novas restrições à criação de novas cidades. Um terço dos municípios com menos de 20 mil habitantes, segundo pesquisa recente da Firjan, ou 1.872 cidades, tem 90% de suas receitas advindas de transferências de União e Estados.

Para obter mais recursos, ou menos despesas, a curto prazo, o governo propõe a extinção dos fundos, entre os 281 existentes, que não são constitucionais. A PEC estabelece que eles sejam extintos 2 anos depois dela ter sido aprovada pelo Congresso. Esses fundos acumulam hoje R$ 220 bilhões em recursos, que seriam usados para abatimento de dívida pública e os novos recursos, até a extinção, em programas de erradicação da pobreza e reconstrução nacional (supõe-se que o governo se refira a investimentos em infraestrutura). Para a criação de novos fundos com vinculação de recursos será necessária a aprovação de lei complementar.

São importantes e merecem aprovação as medidas listadas para enfrentar emergências fiscais, como a que o Brasil vive desde 2014, produzindo déficits primários por seis anos consecutivos. A PEC vem para corrigir lacuna do teto de gastos, que não permitia gatilhos que evitassem o estouro. Na prática, o teto tem sido descumprido legalmente, por meio de autorização de crédito pelo Congresso, claramente um arranjo de péssima qualidade. Em 2019, dependiam dessa aprovação R$ 248,9 bilhões, montante que no ano que vem sobe a R$ 367 bilhões.

O estado de emergência fiscal, na prática, entraria em vigor logo após a aprovação da PEC. As medidas são uma lista de compressão de gastos, alguns deles constantes da lei de responsabilidade fiscal e, de certa forma, de um desejo do que sempre se quis que União, Estados e municípios fizessem para corrigir desequilíbrios e nunca fizeram - especialmente os últimos. A PEC permite a redução de 25% da jornada dos servidores, com redução de vencimentos. As despesas obrigatórias não terão correção pela inflação. E uma longa série de proibições entrariam em campo: de reajuste, reestruturação de carreiras, promoções, criação de cargos, concursos públicos, criação de mais despesas obrigatórias e benefícios tributários etc.

O racionamento radical de despesas entraria em vigor com a aprovação pelo Congresso, no caso da União - medidas válidas por 1 ano e renováveis pelo tempo necessário - e no caso dos Estados quando a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente líquida, por dois anos. As medidas corrigem falhas na lei de responsabilidade fiscal, um marco na disciplina das contas públicas. Mas as melhores leis não sobrevivem sem punição a seu descumprimento. Faltam detalhes a respeito.

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