- Folha de S. Paulo
Emendas constitucionais limitam despesa de alto a baixo na República e nos Poderes
Jair Bolsonaro propôs uma revolução nas regras do gasto público. O governo, Paulo Guedes e seus economistas, apresentaram nesta terça-feira (5) uma espécie de mini-Constituinte fiscal. Apenas não se pode chamá-la de pacotaço porque tudo depende do Congresso.
As emendas constitucionais disciplinam de modo drástico não apenas a despesa e a dívida federais, atuais e futuras, mas também os gastos de prefeituras, estados e dos demais Poderes, Judiciário e Legislativo. Há uma vaga promessa de repassar mais recursos federais para governadores e prefeitos, mas, na verdade, o pacote de emendas centraliza e escreve em pedra, na Constituição, as normas da despesa pública da Federação inteira.
É promessa de atritos políticos sérios e variados, dezenas. O que vai sair do Congresso é um mistério.
Em um resumo precário, quase uma enumeração caótica de tantas medidas, conviria prestar atenção no seguinte, para começar.
Enquanto o governo federal tiver déficit em valor maior que o de seus investimentos "em obras" (que ora mínguam), serão vedados aumentos de gastos em geral, com servidores em particular, que poderão ainda ter seus vencimentos reduzidos em até 25%. Dada a situação das contas públicas, é difícil que o governo saia dessa situação de emergência e arrocho antes de 2024.
Legislativo e Judiciário serão obrigados a acompanhar o arrocho do governo, do Executivo.
Governos de estados e municípios terão de seguir os critérios federais de contabilidade e de explicação de gastos (hoje, é uma farra de criatividade contábil. Caso governos regionais burlem as regras nacionais e os Tribunais de Contas de estados e municípios façam vista grossa, serão enquadrados pelo Tribunal de Contas da União.
A dívida pública federal terá um limite fixado em lei complementar (mais uma regra para limitar o gasto público, pois). O Orçamento federal passa a programar despesas por vários anos (mais um limite para gastos futuros).
A partir de 2026, ficam proibidos empréstimos, renegociações de dívida e outras mumunhas de crédito entre governo federal e estados e municípios.
Até 2026, os incentivos fiscais terão de cair pela metade. O governo deixa de recolher R$ 307 bilhões por ano, 4% do PIB atual. Em valores de hoje, essas isenções parciais ou totais de impostos teriam de cair uns R$ 150 bilhões. Na prática trata-se de aumento de imposto que pega cesta básica, descontos de IR com saúde e educação, remédios, filantrópicas, ruralistas, montadoras etc.
Cidades com menos de 5.000 habitantes que não têm um mínimo de recursos próprios para se manter serão fundidas com as vizinhas (um quinto dos municípios, por aí).
As Câmaras de Vereadores terão de cortar despesas com salários (pois o limite desse gasto passa a incluir a conta com aposentados).
O BNDES vai perder cerca de dois terços do dinheiro que recebe do FAT (R$ 12 bilhões dos quase R$ 19 bilhões que deve receber neste ano).
Acabam os penduricalhos de salários de parlamentares, juízes, ministros, secretários estaduais e municipais. Acabam também aumentos e reajustes e penduricalhos retroativos.
Os governos federal, estaduais e municipais terão apenas uma obrigação de gasto mínimo em saúde e educação: as duas rubricas serão somadas (o aumento de gasto em educação pode ser compensado por redução em saúde, e vice-versa). Algo ridículo, no meio da tarde, caiu a emenda que reduziria o piso dessas despesas sociais.
*Vinicius Torres Freire, jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário