Mixórdia partidária – Editorial | O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro anunciou a sua saída do PSL, partido ao qual se filiou em março de 2018, depois de muitas negociações com outras legendas, para viabilizar a sua candidatura à Presidência da República. Noticia-se que o presidente e ao menos 27 dos 53 deputados da bancada do PSL na Câmara devem ingressar no partido Aliança pelo Brasil, que está em processo de criação.
Trocar de partido é uma constante na trajetória de Jair Bolsonaro há mais de 30 anos. De 1988 até agora, o presidente já se filiou a oito legendas: PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL. O que surpreende é o momento escolhido por Bolsonaro para realizar o movimento, a um ano das eleições municipais.
Do ponto de vista político, não faz sentido o presidente ingressar em uma nova legenda que não dispõe dos mesmos recursos de que dispõe o PSL a tão pouco tempo de uma eleição que os próprios interlocutores mais próximos de Jair Bolsonaro consideram vital para o seu projeto de reeleição em 2022. A mudança é compreensível no caso dos parlamentares, pois a lei eleitoral autoriza a troca de legenda sem perda de mandato fora da chamada janela partidária quando o destino é um novo partido. Já no caso do presidente, o movimento só se explica porque Bolsonaro quer um partido para chamar de seu. Mas a serventia que essa nova legenda, por ora “nanica”, terá na campanha eleitoral do ano que vem é um mistério para o qual só Bolsonaro tem a resposta.
A saída do presidente Jair Bolsonaro do PSL revela dois traços marcantes da democracia representativa à brasileira: primeiro, a visão utilitarista que muitos políticos têm dos partidos; segundo, a mixórdia que é o quadro partidário do País. Lamentavelmente, é compreensível por que os partidos não gozam de tanto prestígio na sociedade, o que é péssimo para nosso amadurecimento político e institucional.
A essa altura já está claro que a motivação para a saída do presidente Jair Bolsonaro do partido que lhe deu guarida na campanha eleitoral de 2018 é puramente financeira. Tem a ver com o controle dos meios de financiamento de seu projeto particular de poder. Não há qualquer divergência ideológica ou programática irreconciliável entre o presidente da República e o presidente do PSL, Luciano Bivar. A rigor, há mais coisas a aproximá-los do que a repeli-los, incluindo a visão que têm da finalidade de um partido político.
Tanto Jair Bolsonaro como Luciano Bivar ganharam, e muito, com a joint venture do ano passado. O PSL de Bivar não era nada antes da filiação do então candidato Bolsonaro e de seu clã. Por sua vez, o presidente da República penou até encontrar uma legenda que o fizesse ter a foto estampada na urna eletrônica.
Na onda de “renovação da política” que se viu no último pleito, o PSL saiu da condição de “nanico” para se tornar um dos maiores partidos com representação no Congresso: 3 senadores e 53 deputados. Nunca entrou tanto dinheiro do Fundo Partidário nos cofres do partido – cerca de R$ 100 milhões neste ano. Para a campanha do ano que vem, o PSL deverá ficar com o segundo maior quinhão do chamado Fundo Eleitoral – cerca de R$ 365 milhões. É esta dinheirama que está no centro da disputa pelo controle do PSL travada entre o dono da legenda, Luciano Bivar, e o presidente Jair Bolsonaro. Ao que parece, Bivar mostrou-se um contendor mais aguerrido do que os bolsonaristas imaginaram.
Tampouco é razoável a criação de mais um partido político no Brasil. Já são 32 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Em torno de 80 aguardam a aprovação de seus registros pela Corte. A chamada Aliança pelo Brasil será mais uma. E, para que se viabilize para a disputa eleitoral do ano que vem, tem de ser criada e registrada até março, o que será um recorde.
A profusão de legendas é reveladora do abastardamento da representação partidária no Brasil. Não há ideologias ou conteúdos programáticos que justifiquem a existência dessa miríade de siglas. Ao indicar a criação da Aliança pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro se revela o mais novo candidato a cacique no Brasil.
A conta do ajuste – Editorial | Folha de S. Paulo
Decisão de cobrar contribuição de desempregados suscita debate sobre encargos
O governo resolveu abrir mão de tributos que incidem sobre a folha de pagamentos, com o objetivo de estimular a contratação de jovens. A fim de compensar a perda de receita, decidiu também recolher contribuição previdenciária sobre o seguro-desemprego.
Discussões à parte sobre benefícios e eficácia das medidas, chamou a atenção o aumento de imposto sobre parcela da população que já padece de duras dificuldades. A solução de tirar de desvalidos para, talvez, auxiliar desafortunados suscita o debate sobre a distribuição dos sacrifícios do necessário ajuste das contas públicas.
É evidente que a reforma da Previdência retarda a aposentadoria e tende a diminuir benefícios de parte dos trabalhadores, em particular daqueles com emprego formal e regular ao longo da vida, que se aposentavam por tempo de contribuição, e de servidores.
O remédio amargo era inevitável, mas seria socialmente justo colocar na balança as perdas e as isenções de danos da sociedade em geral.
O salário mínimo e, pois, benefícios previdenciários de valor atrelado ao piso estão sem reajuste real e assim tendem a ficar por vários anos, ainda mais no caso de serem aprovadas emendas constitucionais do ajuste fiscal de emergência.
É possível que o valor do mínimo tenha atingido, por ora, um nível relativamente alto —metade do rendimento médio do trabalho no país. Mas a pergunta relevante aqui é: quem mais fez sacrifícios?
A folha de pessoal do governo federal cresceu mesmo nos anos de recessão e quase estagnação, em termos absolutos e relativos, como proporção do Produto Interno Bruto. Não é aceitável em termos econômicos, fiscais e sociais.
A redução drástica dos investimentos federais também causa danos sociais. Embora a míngua de obras públicas afete de modo difuso a economia, provoca impacto direto na construção civil —o grande setor mais prejudicado pela recessão, que costuma oferecer empregos para a massa de brasileiros de menor qualificação.
É notável o contraste com a falta de providências no sentido de reduzir privilégios tributários em geral. No pacote de emendas constitucionais está previsto, de modo um tanto vago, um plano de redução de renúncias, ora em mais de 4% do PIB, para 2% do PIB, até 2026.
O governo poderia ter avaliado as isenções menos aceitáveis em termos de equidade e eficácia e proposto cancelamento mais imediato.
Embora talvez a conta da renúncia fiscal não chegue aos mais de R$ 300 bilhões calculados pela Receita Federal, parece haver aí muita oportunidade para a correção de injustiças. Registre-se que, sem contar emendas parlamentares, o investimento federal previsto para 2020 é de apenas R$ 20 bilhões.
Pior que o eventual alarido dos até agora poupados pelo ajuste é o silêncio sobre a sorte dos mais desvalidos e a falta de propostas que redistribuam a carga do ajuste.
Continua em aberto a questão da 2ª instância – Editorial | O Globo
O STF vetou a antecipação da prisão, mas o Congresso pode fixar a norma via projeto de lei
O desfecho do julgamento do STF com a apertada vitória por 6 votos a 5 da volta ao princípio do “trânsito em julgado”, para a prisão de condenados, não fechou a questão. O teor de polêmica do assunto é alto, e o efeito que esta mudança tem, para um lado ou outro, na eficácia do Poder Judiciário no combate ao crime é tão grande que a sociedade se mobiliza. Ao ser percebido que a volta à jurisprudência seguida de 2009 a 2016 estende o tapete vermelho diante de celas que ineditamente abrigam corruptos ricos e poderosos, houve reação nas ruas.
São tantas as interpretações contraditórias sobre o tema — como prova o placar na Corte, que já ocorrera outras vezes em sentido oposto — que em boa hora o Congresso coloca a questão em sua agenda. Não apenas por pressão das ruas, mas porque é mesmo preciso.
A execução antecipada da sentença a partir da confirmação da pena em segunda instância foi a regra seguida no Brasil desde a promulgação do Código de Processo Penal, em 1941. Em 2009 reviu-se a jurisprudência, o que foi feito novamente em 2016 e agora, no retorno ao “transitado em julgado”. Um sinônimo de impunidade ao permitir que advogados competentes e bem remunerados ampliem o tempo de tramitação dos processos da clientela até a prescrição do crime.
Já existem projetos em tramitação no Congresso para estabelecer de vez esta regra, seguida na maioria dos países desenvolvidos. Aprovar algum deles fortalece a segurança jurídica e recupera a confiança na Justiça.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), colocará em pauta na semana que vem propostas com este objetivo. Há no Congresso também projetos de Emendas Constitucionais (PECs). Mas não contam com apoio de especialistas, porque teriam de alterar o capítulo 5º da Constituição, dos direitos e deveres fundamentais, protegido por ser uma cláusula pétrea. Só nova Constituinte pode modificá-lo.
Por isso, juristas indicam que o melhor é, por meio de projeto de lei comum, a ser aprovado por maioria simples, alterar o Código de Processo Penal, a fim de que princípios constitucionais não sejam descumpridos na execução antecipada da sentença. A “presunção de inocência” é mantida mesmo que o condenado seja preso antecipadamente.
O próprio presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, autor do voto que desempatou o julgamento, entende que o Congresso pode alterar a legislação penal, desde que não mude cláusulas pétreas da Carta.
Neste caso, se esta discussão for levada à Corte, Toffoli poderia dar seu voto a favor da segunda instância, invertendo o placar. Também a ministra Rosa Weber, no voto pelo “transitado em julgado”, deixou registrado que não se deve confundir “culpa” com “prisão”. Pode ser mais um apoio à prisão na segunda instância, a ser permitida por meio de projeto que reforme a legislação ordinária, deixando a Constituição intocável. O Congresso precisa agir com rapidez, devido à seriedade do tema.
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