Bolsonaro muda decreto, mas essência, que é a facilitação da posse e do porte, permanece
O presidente Jair Bolsonaro publicou ontem um novo decreto sobre a posse e o porte de armas de fogo no país. A versão atual contém recuos em relação ao texto anterior, de 7 de maio, como a proibição de armas “portáteis” (fuzis, carabinas, espingardas) para o cidadão comum — continuam permitidos revólveres, pistolas e garruchas. De fato, aberrações desse tipo não poderiam mesmo prosperar. Mas o que precisa ficar claro é que a facilitação do acesso a uma arma de guerra — agora revogada, embora a permissão do fuzil permaneça para proprietários rurais — era uma insensatez entre tantas outras preservadas no polêmico decreto.
O novo texto muda para não mudar. A essência, que é a flexibilização da posse e do porte de armas de fogo num país que registra mais de 50 mil homicídios dolosos (intencionais) por ano — números de guerra —, permanece. Na verdade, o presidente Bolsonaro usa o decreto para driblar o Estatuto do Desarmamento, legislação de controle de armas aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em 2003. E que sempre foi alvo preferencial da artilharia da bancada da bala. Durante a campanha, o então candidato Bolsonaro também não poupou críticas ao Estatuto. Mas, até que a lei seja mudada, é ela que está valendo.
Aliás, essa flagrante inconstitucionalidade vem sendo questionada nas assessorias técnicas da Câmara e do Senado, em ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo próprio Ministério Público Federal. Além disso, a decisão de ampliar o acesso às armas de fogo tem recebido uma enxurrada de críticas de diversos setores da sociedade civil.
Em artigo publicado ontem no GLOBO, 14 governadores de diferentes estados e partidos pedem a imediata revogação do decreto. “Diante de nossas realidades e das evidências disponíveis, avaliamos que as medidas propostas pelo decreto 9.785 não contribuirão para tornar nossos estados mais seguros”. Em lugar de facilitar o acesso às armas de fogo, os governadores — que na véspera haviam divulgado uma carta aberta ao país — pedem a implementação de um plano nacional de segurança, para combater a violência de forma integrada e permanente. Como inclusive tem defendido o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
O que precisa ser feito é restabelecer o espírito do Estatuto do Desarmamento. Estudos mostram que a legislação conseguiu frear o ritmo — até então acelerado — de crescimento dos homicídios no Brasil. Com isso, mais de 130 mil vidas foram poupadas ao longo de década e meia. Mais armas nas ruas e em residências não reduzirão a violência. Ao contrário. Num país onde mais de 70% dos assassinatos são praticados com armas de fogo, essa flexibilização é suicídio. Estão aí chacinas, tiroteios e chuvas de balas perdidas para comprovar.
Bolsonaro experimenta o funcionamento de um regime democrático, com seus freios e contrapesos. Precisa se acostumar.
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