Nas entrelinhas /Correio Braziliense
Um balanço generoso e sem maniqueísmo destes cinco meses de governo Bolsonaro contraria o senso comum em dois aspectos: sua administração depende do bom desempenho dos civis, em particular dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro; e os políticos com mandato na Câmara, os ministros da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RJ); da Saúde, Luiz Henrique Mandela (DEM-MS); e da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), estão dando show de competência nas respectivas pastas, apesar dos grandes problemas que enfrentam. Os generais são mais importantes porque controlam o Palácio do Planalto e influenciam positivamente o presidente Jair Bolsonaro, mas não são eles que enfrentam os problemas que afligem a grande massa da população.
Os políticos do governo foram indicados por seus pares na Câmara, devido à liderança que exercem nos segmentos que representam. Em contrapartida, os ministros e assessores indicados pelo guru Olavo de Carvalho e pelos filhos de Bolsonaro são os que mais protagonizam confusões. Não é somente pelo fato de não serem políticos nem experientes administrativamente, mas porque estão imbuídos de uma missão mais ideológica do que administrativa, em alguns casos, de caráter religioso que beira o fanatismo.
O lado A do governo, digamos assim, é formado por um time que busca o entendimento com o Congresso permanentemente, mas é atrapalhado pelo lado B, que gosta de confronto. Curiosamente, o general Santos Cruz, da Secretaria de Governo, faz parte do lado A do governo, enquanto o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, por pura idiossincrasia, põe pilha no lado B. Foi o que aconteceu, por exemplo, por ocasião da convocação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, para prestar esclarecimentos no plenário da Câmara sobre os cortes de verbas das universidades e demais estabelecimentos federais de ensino.
A marcha a Brasília convocada para domingo pelos partidários de Bolsonaro reflete esse esforço do lado B do governo para inviabilizar os esforços do lado A, que ganhou a queda de braço para tirar o presidente da República e seu governo da manifestação, cujo alvo são o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Há um grave erro de conceito na lógica do lado B: ver a política como problema, e não como solução. Se prestassem mais atenção nos colegas de ministério que têm mandato parlamentar, veriam que não é bem assim.
Agenda própria
Erros de conceito fazem as qualidades virarem grandes defeitos, ainda mais se forem acompanhados de métodos inadequados e ambiente desfavorável. É o que está acontecendo na relação do governo com o Congresso; em particular, com o PSL, partido do presidente da República, que vive às turras com as demais bancadas no Congresso e não apenas com o PT. Não são apenas os que surfaram no tsunami eleitoral de 2018 que aprenderam a importância das redes sociais na formação da imagem dos políticos, os políticos sobreviventes do desastre eleitoral dos partidos tradicionais também já descobriram isso e não vão brigar com as ruas. Entretanto, estão cada vez mais incomodados com os ataques sistemáticos que sofrem nas redes sociais, desferidos pelos filhos de Bolsonaro e parlamentares do PSL.
O fenômeno explica o comportamento do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já articulou um grande bloco — incorporando o PSDB, o MDB e o chamado Centrão — para aprovar a reforma da Previdência, a reforma tributária e outras medidas, entre as quais a reforma administrativa do governo. O Congresso está construindo uma agenda própria, na qual mira os interesses majoritários na sociedade e luta pela própria sobrevivência. Velhas raposas do Congresso, que conhecem a máquina do governo e o processo legislativo, já se articularam para dar as cartas nas votações da Câmara e do Senado, independentemente do Palácio do Planalto.
O mercado já comemora a novidade. A reforma da Previdência, objeto de um grande seminário realizado ontem pelo Correio Braziliense, será aprovada ainda este ano. Não será a reforma dos sonhos de Paulo Guedes, mas terá envergadura para destravar a economia. A reforma tributária, cuja admissibilidade foi aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, não é a do secretário da Receita, Marcos Cintra. Será a reforma dos governadores e prefeitos, que diminuirão sua dependência em relação ao governo federal. A reforma administrativa de Bolsonaro será aprovada sem recriação de ministérios, porque o grupão que se formou em torno de Maia não quer mais participar do governo, quer mais poder para o Congresso e, para isso, pretende limitar as medidas provisórias.
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