- Folha de S. Paulo
O presidente populista dá mais um passo na ofensiva tortuosa contra as instituições
“Esse pessoal que divulga isso faz parte do povo. Esse pessoal a quem devemos ser fiéis a eles (sic) e ponto final.”
No portão do Palácio da Alvorada, de Havaianas, bermuda e duvidosa camiseta da seleção, cada vez mais confortável no uniforme de político populista, Jair Bolsonaro tentou justificar por que resolveu difundir nas redes sociais texto de um consultor de investimentos, segundo o qual o país é ingovernável por conta dos vícios do Congresso, dos políticos e das corporações.
Dias depois, o presidente decretou que “o problema do Brasil é a classe política”.
Segundo o pensador alemão Jan-Werner Müller, o populista sempre se apresenta como representante do “verdadeiro povo” contra as elites que controlam e pervertem as instituições democráticas.
Se estas foram ocupadas por personagens egoístas e corruptos, não há por que respeitá-las. Já em nome do povo, tudo é permitido: ignorar o Legislativo, desqualificar o Judiciário, desdenhar dos partidos. “Sou o que o povo quer”, já dizia o ainda candidato ao Planalto.
O populista também aceita mal, quando não os rejeita de saída, valores e modos de pensar diferentes dos seus; por isso, estigmatiza e apregoa serem ilegítimas outras ideias.
São idiotas úteis os estudantes que protestam nas ruas; mentirosa a imprensa que o critica; formadoras de militantes marxistas as universidades que exercem o seu papel com autonomia; agentes a mando de cobiçosos estrangeiros as ONGs que atuam na Amazônia; criadores de cizânia os defensores das minorias.
Entregue a suas pulsões mais autênticas, o populista fatalmente investirá contra a democracia, por ser avesso aos princípios e às regras que a sustentam.
Nem de longe é razoável acreditar que tenha qualquer compromisso com a democracia o capitão reformado notabilizado pela ameaça de explodir uma bomba caso as reivindicações salariais da tropa não fossem atendidas; o deputado que, ao anunciar seu apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, dedicou o voto ao torturador que a martirizara; o candidato em campanha que declarou que seus adversários mereciam ser fuzilados.
Agora, ao atiçar os seus raivosos seguidores nas redes e estimulá-los a sair às ruas em seu apoio, o presidente populista dá mais um passo na tortuosa ofensiva contra as instituições e os seus agentes.
Que ninguém se engane com a fala truncada, o olhar perdido, a modéstia encenada, a visão rudimentar dos graves problemas do país. Na função para a qual não tem qualificação alguma e não cessa de prová-lo, Bolsonaro se ocupa em dividir e destruir. O problema do Brasil é ele.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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