Por Cristian Klein | Valor Econômico
RIO - A manifestação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro convocada para domingo não indica, por enquanto, o acirramento do clima político que levou milhares de pessoas às ruas e derrubou os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff. A opinião é do sociólogo Brasilio Sallum Jr., professor visitante da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autor do livro "O impeachment de Fernando Collor - Sociologia de uma crise". Para o especialista, "estamos num caldeirão social de fato terrível" - com baixo crescimento econômico, alta taxa de desemprego e tensões crescentes - mas as condições para um novo processo de afastamento presidencial ainda não estão presentes, pelo menos até a aprovação da reforma da Previdência.
A manifestação de domingo ocorrerá apenas 11 dias depois da greve nacional da educação - maior protesto desde a posse de Bolsonaro - e a 19 dias da greve geral dos trabalhadores convocada pelas centrais sindicais. Em 1992, um chamado de Collor para que a população o apoiasse nas ruas insuflou ainda mais o impeachment. Sallum Jr., no entanto, ressalva que a greve da semana passada foi impulsionada por uma bandeira específica, contrária aos cortes no orçamento do Ministério da Educação - e não sob o lema "Fora Bolsonaro".
O professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP) destaca que a manifestação de domingo está eivada de controvérsias e passa por uma tentativa de esvaziamento. "Apoiadores da direita moderada tentam esvaziá-la justamente para evitar que desencadeie novas manifestações contra Bolsonaro", diz Sallum Jr.
A polarização pró e antigoverno, acrescenta, é incipiente diante da divisão no campo situacionista. Há no bolsonarismo a ala mais moderada - representada por militares e liberais, como o ministro Paulo Guedes (Economia) - e a mais radical, parte dela associada a seguidores do escritor Olavo de Carvalho, guru ideológico de Jair Bolsonaro e dos filhos do presidente, sobretudo o deputado federal Eduardo (PSL-SP) e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). São os radicais que puxam a manifestação de domingo, que tem um forte sentimento anti-Congresso e anti-Supremo Tribunal Federal (STF), embora a pauta, oficialmente, seja pela aprovação da reforma da Previdência e do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça).
Para Sallum Jr. houve, nos últimos dias, uma certa redução das tensões "entre os olavistas que atacavam os militares". "Mas a política é muito dinâmica. Não estamos em mar esplêndido. Está bem agitado aliás", diz.
O sociólogo afirma que o impeachment de Dilma Rousseff, há três anos, não resolveu a crise política, do mesmo modo que ocorreu com o afastamento de Collor. A ascensão de um vice e a realização de eleições não permitiram a superação da turbulência, agravada por Bolsonaro, um presidente "impulsivo" e cujo governo é "muito heterogêneo".
Em sua opinião, é preciso saber como e se os distintos grupos irão se mobilizar no domingo, de evangélicos e caminhoneiros até os defensores da Operação Lava-Jato. A decisão de Bolsonaro em não ir à manifestação, afirma o professor, pode alterar e moderar as consequências do protesto. "Não se chegou ainda a um ponto de não retorno", diz.
No entanto, Sallum Jr. vê semelhanças na trajetória de Bolsonaro e de Dilma, quanto à relação com o Congresso, que começou cortando as prerrogativas presidenciais de contingenciar emendas parlamentares individuais e, dessa vez as coletivas, tornando-as impositivas. "Tiraram o poder dela e agora a mesma coisa, com ele. Na medida em que o presidente não se articula, o Parlamento vai assumindo poderes. São sinais de que a coisa não anda boa", diz.
Para o sociólogo, Bolsonaro "tem certa sorte", no momento, porque há no Congresso um comprometimento com a aprovação de reformas econômicas consideradas essenciais, como a da Previdência. Mas depois os parlamentares poderão se sentir livres e o quadro beirar a ingovernabilidade se não houver articulação política. "Ele precisa de maioria. Se mantiver essa falta de articulação, aí a situação ficará complicada mesmo. Hoje há um sentimento de dever do Congresso em relação à reforma da Previdência, mas depois o Parlamento terá pago um pouco a dívida que imagina ter com a sociedade, de viabilizar o Estado. Os riscos, neste caso, aumentam. Passou isso aí, as coisas mudam", afirma.
Sallum Jr. diz achar improvável que o governo continue, em quatro anos de mandato, sem um mínimo de articulação política, porque "todo o sistema político brasileiro, o presidencialismo de coalização, depende disso". "É diferente dos Estados Unidos, onde há apenas dois partidos e os poderes são mais descentralizados nos Estados. Aqui, o Congresso é absolutamente importante para que as coisas funcionem", diz.
Apesar disso, Bolsonaro pratica um "governo do voluntarismo" que tem a ilusão de que o Executivo pode fazer tudo sozinho. "Os extremistas de Bolsonaro não entendem que o Congresso é tão eleito quando o presidente, e tem não só o direito como o dever de fazer o seu papel. Eles atacam instituições centrais. Não há democracia sem Congresso ou sem um Judiciário independente. Têm dificuldade de conviver com a democracia e querem impor a sua opinião", diz.
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