quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Populismo solar – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro mostra pendor intervencionista e interdita debate no setor de energia

A intervenção do presidente Jair Bolsonaro praticamente sepultou a revisão da política de subsídios para a geração de energia solar que vinha sendo conduzida pela agência regulatória do setor, a Aneel.

Em seu gesto populista, que terá impacto negativo em todos os setores que dependem de boa governança pública, Bolsonaro contou com o apoio das duas principais lideranças do Congresso, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Foi comprometido todo um trabalho que visava o necessário aperfeiçoamento das regras, no sentido de reduzir subsídios que beneficiam um número reduzido de produtores de energia solar, mas que oneram o universo de consumidores.

O benefício, que pode custar R$ 34 bilhões até 2035, se origina na regra atual, definida em 2012, que visava incentivar a geração de energia renovável ao isentar os produtores de arcarem com o custo da rede de distribuição.

Na prática, a regra atual permite que a energia solar produzida e devolvida ao sistema seja descontada da conta de luz. O retorno do investimento, dependendo da concessionária, pode se dar entre 4 e 6 anos. Ou seja, uma rentabilidade próxima a 20% ao ano, muito atraente no cenário de juros baixos.


Não surpreende, assim, que o número de unidades produtoras de geração distribuída tenha crescido rapidamente nos últimos anos. Segundo a Aneel, já são 163 mil delas, com potência instalada de 2.054 megawatts, que poderá ser multiplicada, junto com os subsídios, nos próximos anos.

Daí a tentativa de ajustar os parâmetros. O pleito das distribuidoras é limitar o desconto, que passaria a incidir apenas sobre a tarifa de energia e não sobre as demais taxas que compõem a conta de luz, incluindo a que remunera a rede de distribuição. Nessa proposta, o subsídio seria reduzido em até 62%.

Ainda que o tamanho do ajuste possa ser debatido e modulado, é defensável a tese de que a geração de energia distribuída deve pagar pelo uso da rede. Algum subsídio em favor de energia limpa pode ser preservado, desde que em tamanho razoável e de forma transparente no orçamento público.

A redução radical nos últimos anos do custo dos equipamentos, que torna o setor de energia solar mais sustentável, é outro argumento em favor da revisão.

O episódio todo é lamentável, dada a postura irresponsável do presidente da República, com a guarida um tanto surpreendente do alto clero do Poder Legislativo.

Ao usar argumentos enganosos, como não taxar o sol, impede um debate racional. Pior, sinaliza um pendor intervencionista temerário, que enfraquece as agências reguladoras e a segurança jurídica.

Alinhamento e agronegócio – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mais uma grande safra de dólares será colhida em 2020 pelo agronegócio, setor de maior sucesso no comércio exterior, se nenhum desastre natural ou político atrapalhar as exportações. O risco político, o mais temível neste momento, está situado em Brasília, mais precisamente, na Presidência da República e nos Ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Nomes conhecidos e respeitados nas áreas da política agrícola, da pesquisa agropecuária e do agronegócio, incluído o ex-ministro Alysson Paulinelli, pedem ao governo muito cuidado em relação à crise até agora protagonizada pelos governos dos Estados Unidos e do Irã. O Oriente Médio é um grande parceiro do Brasil no comércio de alimentos, lembrou Paulinelli. “Temos muitos interesses lá.” Advertências como essa foram publicadas ontem pelo Estado. No mesmo dia o governo anunciou a expectativa de um novo recorde na produção de grãos e oleaginosas – itens como soja, milho, algodão, arroz, feijão e trigo.

A safra poderá chegar a 248 milhões de toneladas, se os fatos confirmarem as projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Nesse caso, o total colhido será 2,5% maior que o da temporada anterior. A área plantada terá crescido 1,5%. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o aumento da produção será bem maior que o da terra usada no cultivo. Essa é uma das características mais notáveis da agropecuária brasileira: amplia-se o volume produzido poupando terra e contribuindo, portanto, para a preservação do ambiente.

No Brasil, o agronegócio – o verdadeiro, com presença em todo o mundo – combina produtividade, competitividade e respeito à natureza. Essa característica foi reconhecida internacionalmente por muito tempo. A imagem brasileira começou a mudar quando o presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros passaram a renegar os padrões internacionais do conservacionismo, a negar dados produzidos cientificamente e a rejeitar as ações tradicionais de preservação ambiental. Com esse comportamento, presidente e ministros comprometeram a imagem dos produtores brasileiros e deram argumentos a defensores do protecionismo comercial na Europa e em outras áreas.

Igualmente contrária ao agronegócio brasileiro e aos interesses nacionais tem sido a ação ideológica da diplomacia. O presidente Bolsonaro assumiu o governo criando problemas com a China e vários países muçulmanos, grandes compradores de produtos agropecuários brasileiros.

Uma das tolices mais notórias foi a promessa de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Esse erro foi corrigido, mas o governo insistiu em continuar exibindo um ingênuo e custoso alinhamento às políticas do presidente Donald Trump. O governo voltou a tropeçar com a publicação, pelo Itamaraty, de uma nota de apoio à ação americana depois do assassinato do general iraniano Qassim Suleimani. Potências europeias, com peso geopolítico, econômico e militar muito maior, manifestaram-se de forma cautelosa e conciliadora, evitando alinhar-se a qualquer lado. Alertado por pessoas mais sensatas, especialmente militares, o presidente Bolsonaro decidiu ser cauteloso e evitar comentários.

Até aqui, ele tem agido como se desconhecesse alguns fatos de enorme importância para o Brasil. De janeiro a novembro o agronegócio exportou produtos no valor de US$ 89,33 bilhões, soma equivalente a 43,4% de toda a receita comercial do País. Graças ao superávit do setor, de US$ 76,8 bilhões, o Brasil conseguiu no período um saldo comercial positivo de US$ 41,1 bilhões. O superávit comercial, embora em declínio, tem sido e continua a ser um importantíssimo fator de segurança para a economia brasileira. Além desses dados, alguém deveria mostrar ao presidente o peso comercial do Irã, comprador de bens no valor de US$ 2,1 bilhões até novembro e quinto maior importador de alimentos do Brasil. Como a Presidência, a atual diplomacia parece desconhecer esses fatos. Ou bilhões de dólares e milhares de empregos perderam importância?

Vitória de Trump não resolve a real questão da paz – Editorial | O Globo

Presidente vence conflito com o Irã, mas a pacificação pela força não costuma ter vida longa

O pronunciamento triunfante ontem à tarde do presidente americano, na Casa Branca, encerrou uma sucessão de fatos da qual Donald Trump sai vencedor. Do assassinato do general iraniano Qassem Soleimani, na sexta-feira, em Bagdá, por mísseis disparados por ordem do presidente, à cuidadosa resposta militar dada por Teerã na noite de terça, Trump emerge com a imagem reforçada de decidido e duro defensor dos Estados Unidos.

Ganha pontos para a tentativa de reeleição no final deste ano — reforça o apoio que recebe do seu eleitor, além de certamente ter agradado a indecisos — e melhora a já boa posição no processo de impeachment aprovado pelos democratas da Câmara dos Representantes, mas a ser engavetado pelos republicanos no Senado.

O ataque bem-sucedido à comitiva de Soleimani, na saída do aeroporto de Bagdá, e o troco temeroso da teocracia parecem limpar os horizontes de Trump.

No pronunciamento que fez da Casa Branca, Trump aproveitou para voltar a criticar o acordo nuclear que os Estados Unidos de Barack Obama, Grã-Bretanha, França, Alemanha, China e Rússia assinaram com os persas, tendo sido denunciado por ele.

Entende o presidente que o tratado, por haver levantado sanções contra o país persa, financiou o terrorismo e a violência no Oriente Médio.

Magnânimo como um grande vitorioso, Trump convidou estes países e o Irã a negociarem outro acordo. Na parte dos acenos a Teerã, lembrou que persas e americanos derrotaram o Estado Islâmico. Disse querer paz.

Nas circunstâncias, estes dias de alta tensão foram encerrados de maneira positiva. Pelo menos por enquanto, afasta-se o risco de um grande conflito no Oriente Médio, e o mundo solta a respiração, incluindo o Brasil, diante do esvaziamento de uma crise que ameaçava parar a economia global, sem falar nas incontáveis vítimas que haveria em um conflito generalizado na região. Mas os focos de violência e terror continuam.

Está visível o grave encolhimento do espaço institucional no mundo para o diálogo. O avanço do nacional-populismo nos Estados Unidos e na Europa, em um polo, e, no outro, regimes de figurino autoritário, também nacionalistas, na China e na Rússia, descredenciam instituições multilaterais. A começar pelas Nações Unidas, sequer mencionada na crise.

Nas circunstâncias, aconteceu o melhor: o Irã recuou diante da determinação de Trump. O risco foi grande, mas funcionou.

Mas não é tranquilizador que a pacificação só tenha sido alcançada pela força. Dessa forma a paz quase sempre não é real e duradoura.

O choque entre EUA e Irã deveria levar a uma mobilização mundial contra o fechamento dos espaços para o entendimento pelo diálogo.

Produção científica ganha com parceria academia e empresa – Editorial | Valor Econômico

Os desafios tecnológicos só aumentam e os empresários sabem que correm graves riscos se os seus negócios ficarem para trás

Uma informação surpreendentemente positiva sobre o papel das empresas na produção científica no Brasil pode servir de alento em um momento da vida nacional em que se cortam recursos destinados à inovação e tecnologia. Nos últimos anos, por causa da recessão econômica desencadeada pelas medidas adotadas pelo governo Dilma Rousseff, tanto o governo federal quanto muitas companhias reduziram os investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Na contramão dessa tendência, na edição do dia 6, o Valor publicou importante material sobre um levantamento feito pelo diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique Brito Cruz sobre o relacionamento entre universidades públicas e o setor empresarial. O trabalho mostra que o número de artigos científicos realizados em coautoria por pesquisadores da academia e da indústria cresceu a uma taxa média de 14% ao ano no período entre 1980 e 2018, passando de pouco mais de uma dezena para mais de 1,5 mil ao final do período.

Os números, inéditos no país e que integram levantamento do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), contrariam a tese de ineficiência das universidades brasileiras. Brito Cruz informou ao repórter Gabriel Vasconcelos que não existem indicadores confiáveis sobre a interação entre universidades e companhias no país, o que abre espaço, no seu entender, para juízos equivocados. “Ainda é comum ouvirmos as pessoas falarem que é muito complicado fazer os contratos de colaboração ou que a universidade não quer interagir. Isso não é mais assim. Há desconhecimento por parte do governo, mas também dentro da própria academia, influenciado por impressões pessoais que vêm dos anos 1970”, comentou Brito Cruz.

Para levar adiante seu levantamento, ele criou um algoritmo para refinar buscas na plataforma Web of Science, que reúne informações extraídas de bancos de dados sobre artigos acadêmicos do mundo inteiro, que permite mensurar a interação entre a academia e um grupo limitado de companhias. Com esses recursos, foi possível identificar empresas brasileiras nesse universo.

A despeito do crescimento na produção conjunta de conhecimento por empresas e universidades, chama a atenção a concentração: nos últimos dez anos pesquisados (2009-2018), 72% do total de artigos escritos nesses termos pertencem a dez universidades. Isolada à frente está a Universidade de São Paulo (USP), com 2,7 mil artigos em coautoria no período, mais que o dobro da segunda instituição que mais interagiu com empresas, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com 1,1 mil artigos. A lista ainda traz as universidades estaduais de Campinas (Unicamp) e Paulista (Unesp), além das federais de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, Viçosa (MG) e Santa Catarina.

Parcerias com universidades podem ser uma opção interessante para o desenvolvimento tecnológico para pequenas e médias empresas e aquelas com maior dificuldade de acesso a financiadores de projetos nessa área.

Tornou-se um mote no mundo empresarial ressaltar a importância de investimentos em inovação, mas nem sempre as companhias dispõem de ferramentas para desenvolver pesquisas nesse sentido. Poder contar com pesquisadores de primeira linha, alocados em faculdades, é um passo importante nesse sentido.

Como se sabe, os desafios tecnológicos só aumentam e os empresários sabem que correm graves riscos se os seus negócios ficarem para trás. Uma grande preocupação da sociedade como um todo - e não apenas dos dirigentes de empresas e de instituições financeiras - é o impacto que o avanço tecnológico está tendo e terá no mercado de trabalho a curto e médio prazos.

Estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que até 56% das ocupações de emprego formal no Brasil deverão ser afetadas pelo processo de automação em decorrência das novas tecnologias, além de poderem sofrer eventuais ameaças de extinção. A análise teve como metodologia uma abordagem inovadora para classificar as ocupações com maior risco de automação ao considerar a importância (dada pela frequência) e a relevância das tarefas desempenhadas em cada ocupação. Os pesquisadores consideraram tecnologias já consolidadas e passíveis de implantação do ponto de vista regulatório num prazo de até cinco anos no cenário brasileiro.

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