domingo, 12 de janeiro de 2020

Vinicius Torres Freire – Bife e feijão caros, PIB magro

- Folha de S. Paulo

Gente do mercado faz bullying contra quem observa os poréns

Ainda não há inflação, no sentido de alta persistente ou generalizada de preços, apesar do salto do IPCA no fim de 2019. Mas os preços da vaca, do frango, do feijão ou do ovo assustam o brasileiro comum, o habitante deste país em que a renda média do trabalho é de uns R$ 2.000, sempre convém lembrar.

A inflação da comida (“alimentação no domicílio”) voltou para perto de uns 8% ao ano, nível em que passa a incomodar o brasileiro médio de modo notável, com algum efeito político, a julgar por pesquisas de opinião. Não há inflação, pois, mas a vida é dura.

A produção da indústria decresceu 1,3% nos 12 meses contados até novembro, dado mais recente, divulgado na semana que passou. É um decréscimo regular desde meados de 2019, apesar das palmas para uma suposta recuperação industrial, festinha que se via fazia uns meses entre gente da finança e seus porta-vozes.

Os indícios do crescimento no fim do ano passado são de convalescença, de lenta recuperação. Como já se escreveu aqui tantas vezes, as condições para alguma recuperação são agora as melhores desde 2014. No entanto, trata-se de coisa ainda pouca, e falta muito o que fazer para que a economia se torne mais resistente a recaídas. Gente do mercado financeiro está fazendo uma algazarra juvenil e “bullying” contra quem observa os poréns.

A indústria continua mal pelos mesmos motivos desde janeiro do ano passado. O grosso da recaída na recessão industrial se deve:

a) à desaceleração violenta da produção de veículos, que crescia a 15,5% ao ano em novembro de 2019 e agora se arrasta ao ritmo de 1,4% ao ano. A recessão da Argentina, cliente dos nossos carros e peças, derrubou o que ainda é o centro da produção industrial brasileira;

b) ao desastre assassino da Vale em Brumadinho, que derrubou a indústria extrativa, ora em recessão de mais de 8%. A indústria extrativa e a de veículos têm, cada uma, uns 11% do total da produção industrial, embora o efeito das montadoras no restante da economia seja bem maior.

Há também algum problema ruim, faz pelo menos um ano, na indústria têxtil, de vestuário e móveis; fabricantes de bens de “informática” e eletrônicos também vão mal.

É possível que seja retomada em breve a produção de minérios; que a indústria de carros pelo menos pare de desacelerar. Mas não haverá Carnaval nas fábricas ou alegria maior antes da Semana Santa.

A carestia da comida parece recuar um pouco neste início do ano. Pelo menos, para de subir loucamente o preço do feijão, embora a arroba do boi gordo ainda aumente a 25% ao ano (em dezembro, 36,5%).

E daí?

Esses dados comezinhos da economia da mesa e do chão de fábrica ajudam a temperar de realismo delírios e propagandas sobre o que se passa nessa maçaroca imensa chamada de PIB.

Há gente, em especial de oposição, que acredita fanaticamente em estagnação ou degradação geral e ainda maior de condições de vida. Trata-se de desinformação e de análise errada, que tende a ter consequências políticas graves.

Na propaganda governista, oficial ou colaboracionista, há euforia política e financeiramente interessada.

Há recuperação e condições até para alguma aceleração maior, a depender dos ânimos insondáveis de empresários, das confusões da política mundial e da biruta bolsonariana. Mas ainda estamos lutando morro acima para fazer com que a economia avance meros 2,5%, o que ainda nem nos tira do buraco em que caímos na recessão.

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