- Folha de S. Paulo
Ações de Bolsonaro devem assustar seus eleitores liberais e conservadores
Dizer que a democracia e o Estado de Direito não correm riscos é negligenciar os ataques e investidas que lhe têm sido dirigidos diariamente por um governo de orientação autocrática e vizinhança miliciana.
O fato de as instituições constitucionais, assim como as organizações da sociedade civil e os meios de comunicação, estarem colocando certos limites ao governo não significa que a democracia liberal brasileira não esteja sob ameaça.
Deveria ser motivo de especial preocupação dos eleitores liberais de Bolsonaro os recentes e contundentes ataques à liberdade de expressão e à independência dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Uma das premissas fundamentais do liberalismo político, tal como apresentada por Montesquieu, é que todo aquele que detém o poder tende a dele abusar.
Daí porque é indispensável, para coibir o exercício absoluto e arbitrário do poder, que ele seja fragmentado e disposto de tal forma que cada um dos Poderes sirva de contrapeso aos demais.
Ao fazer coro àqueles que estão convocando manifestações voltadas a castrar o Poder Legislativo e o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, o presidente da República não apenas está conspirando contra um pilar central do sistema político liberal, como também pode estar cometendo um crime de responsabilidade, tal como disposto pelo artigo 85, II, da Constituição Federal.
Da mesma forma, deveria causar profunda indignação a todos aqueles que têm ao menos uma gota de liberalismo nas veias os recentes ataques à liberdade de imprensa.
Ao dispensar tratamento discriminatório e abjeto a diversos jornalistas, especialmente mulheres, com o objetivo de intimidar o livre exercício do jornalismo, o presidente ataca um dos remédios fundamentais do liberalismo político “contra governos corruptos e tirânicos”, como lembra John Stuart Mill, outra figura central do liberalismo.
Aqui importa dizer que a liberdade de imprensa não constitui um privilégio de jornalistas, mas sim uma prerrogativa indispensável à efetivação do direito de todo cidadão à informação, sem o qual ele não pode decidir de forma livre.
Mas não são apenas os liberais que têm motivos para se preocupar com a conduta do governo. Também os verdadeiros conservadores, mais apegados a valores como ordem e hierarquia, devem estar apreensivos.
Em primeiro lugar pelo risco de politização das classes armadas. Como salientou o general Santos Cruz, o emprego de imagens de generais para interferir em assuntos “temporários” é irresponsável e “grotesco”.
O fato de generais na ativa ocuparem postos no governo coloca em risco a reputação e, o que é mais grave, a missão institucional das Forças Armadas.
Também extremamente preocupante é a ambiguidade com que motins e insubordinações de militares estaduais têm sido tratados.
Como todos os demais setores da sociedade, os militares também têm direito a reivindicar melhores condições salariais e de trabalho.
Sendo uma classe armada, no entanto, sua liberdade de manifestação deve ser necessariamente mais restrita.
Sem que o governo federal exerça sua autoridade legal de forma resoluta —e sem partidarismos políticos— a comunidade, os governos estaduais e mesmo os comandos das polícias locais continuarão reféns de grupos de amotinados, como ocorre no Ceará.
É um erro achar que as instituições constitucionais, por si, serão capazes de defender a democracia liberal dos ataques de que tem sido alvo. Neste momento, elas é que precisam de ajuda.
*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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