- O Globo
No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas
Não basta ter ódio e nojo da ditadura, como expressou Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição, em 1988. É preciso ter presente na memória coletiva os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas, nas famílias, nas coletividades, nos bairros, nas cidades e nas nações. É preciso que os mais jovens, os que não viveram sob a ditadura, tenham por ela o mesmo ódio e o mesmo nojo. É preciso que a memória seja viva e tangível. Que se possa tocar nas feridas para saber como elas doem.
No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar o passado porque é pequena a exposição de quem foram e o que fizeram os facínoras que, em nome dos ditadores, perseguiam, prendiam ilegalmente, sequestravam, torturavam, matavam e faziam desaparecer pessoas. Sem isso na cabeça, manifestantes pró-Bolsonaro vão para as ruas e pedem a volta da ditadura. Como farão no próximo dia 15. Desprezam os Poderes Legislativo e Judiciário e acreditam que a mão armada de fuzil e porrete é capaz de colocar ordem na casa.
A História prova o contrário. Além das barbaridades que cometem, e no Brasil não foi diferente, regimes autoritários erram muito mais justamente por não admitirem o contraditório, não se abrirem para o pluralismo de ideias e inovações que verdadeiramente mudam as coisas para melhor. Fora alguns bons livros e documentos históricos importantes como o “Brasil: Nunca Mais”, organizado por Dom Paulo Evaristo Arns, pouco resta para escancarar para as pessoas o que foi a ditadura brasileira.
O Memorial da Resistência de São Paulo, inaugurado em janeiro de 2009, é o único museu brasileiro que mostra como se operava a violência do Estado contra seus cidadãos. Ele está instalado numa parte do prédio em que funcionou o antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), principal centro de tortura do estado, e que hoje também abriga a Pinacoteca. Situado no Parque da Luz, em pleno coração de São Paulo, o temido e famigerado Dops operou barbaridades desde a instalação da ditadura brasileira, em abril de 1964, até a sua extinção, em março de 1983.
Em 2015, a Argentina abriu um museu para expor de maneira organizada e de modo permanente como foi brutal e sanguinária a sua ditadura militar. O Museu Sítio de Memória foi montado no Casino de Oficiales de la Escuela de Mecánica de la Armada (Esma), mesmo local onde funcionou por anos o maior centro clandestino de detenção, tortura e extermínio de inimigos políticos do regime. Naquele conjunto militar plantado dentro de Buenos Aires, a 20 minutos de Palermo, mais de 5 mil argentinos foram brutalizados. A maioria morreu ou desapareceu.
Esses museus são mobilizadores e deveriam ser abertos em todas as cidades, em todos os quartéis e delegacias onde cidadãos foram detidos ilegalmente pelo aparelho do Estado, torturados e assassinados. Apalpar a História, tê-la sempre próxima, este é o melhor caminho para não se esquecer das atrocidades que nossos irmãos mais velhos sofreram enquanto a Justiça e o Legislativo permaneciam amordaçados ou fechados. Se você conhecer alguém que está pensando em vestir a camisa da seleção e ir a Copacabana no dia 15, tente fazê-lo antes imaginar como estarão seus filhos e seus netos no futuro se de fato sua mobilização conseguir fechar os parlamentos e os tribunais brasileiros.
Entre sem bater
No Palácio de Bolsonaro, apenas o general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, não bate na porta do presidente antes de entrar. Outro oficial tem trânsito livre e acesso permanente ao terceiro andar. É o general Ramos, chefe da Casa Civil, mas esse precisa ser anunciado. O primeiro mandou um “foda-se” ao Congresso por mexer no Orçamento da União. O segundo negocia com parlamentares as emendas que atendem demandas das suas bases eleitorais. Faz todo sentido.
Faltou dizer
Os que vão se manifestar no dia 15 contra o Legislativo dizem que Câmara e Senado gastam muito e que os parlamentares têm assessores demais. Esta razão é vazia. Primeiro, porque mesmo que custe caro, o Legislativo é fundamental para a vida democrática. Depois, os assessores parlamentares teoricamente têm que trabalhar, produzir ideias e projetos para os seus chefes. E é o que a maioria de fato faz. Vai ver como operam os técnicos do gabinete do senador José Serra (PSDB-SP). Os que não fazem isso são os “aspones” de deputados e senadores do baixo clero. Aqueles que se prestam a esquemas de rachadinha porque não trabalham mesmo. A família do presidente conhece muito bem esse esquema.
De quem é a culpa?
Dez em cada dez brasileiros que defendem o fechamento do Congresso dizem que é hora “de acabar com a roubalheira dos políticos profissionais”. Resultado da desilusão causada pelos governos petistas. A esperança que um dia a nação depositou em Lula e sua turma deu sinais de fogo com o mensalão e virou fumaça com a Lava-Jato. E, até hoje, nenhum sinal de arrependimento, nenhuma autocrítica.
Ministro sem comando
Ao dizer que o dólar pularia para R$ 7 se deixasse o governo, o ministro Paulo Guedes revelou o que todos já sabiam, ele não confia em Bolsonaro. Numa democracia com o governo no controle da situação, o lastro é o presidente, não o seu ministro da Fazenda. Mas Guedes sabe que o Tumultuador da República só faz isso mesmo, atrapalhar e tumultuar o ambiente político e econômico. Mas a frase do ministro acabou revelando também que nem ele tem o comando da economia. Se tivesse, sua ausência seria bem assimilada pelo mercado, já que os fundamentos estariam sob controle.
Cheiro de Couro
Márcia, filha do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, lembrava sempre do cheiro gostoso que sentia quando entrava na biblioteca do Palácio do Planalto.
Tinha um aroma que emanava das capas de couro que revestiam os livros e que seduzia o olfato da menina.
Márcia, que foi deputada e vice-governadora do Distrito Federal, morreu no ano 2000. Não viu, portanto, o desmonte da biblioteca que vai abrigar um gabinete para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A maldição do Cocar
Diante da polêmica do uso de fantasias de índio no carnaval, o ex-ministro do Planejamento do governo Itamar Franco, Alexis Stepanenko, escreveu para esta coluna.
Contou que foi do ex-presidente José Sarney que ouviu pela primeira vez a história da maldição do cocar.
Supersticioso como poucos, Sarney explicou a Stepanenko por que o cocar poderia trazer azar a quem o usasse.
“Ministro, o senhor já imaginou a dor dos pássaros ao arrancarem suas penas? Esta dor se transforma numa danação a quem colocar o cocar na cabeça, ainda mais se for branco”.
Jacaré no Paranoá
Por se tratar de José Sarney, um bom contador de casos, Stepanenko aproveitou e emendou com mais uma do velho maranhense.
Sarney um dia descobriu que o senador Jarbas Passarinho, morador do mesmo prédio funcional em Brasília, mantinha um jacaré empalhado em seu apartamento.
“Bicho empalhado dá azar”, explicou Sarney. “Por isso tanto baixo astral no prédio”, acrescentou sem entrar em detalhes.
Daí ele bolou um plano. Com a ajuda de outros dois senadores roubou o jacaré de Jarbas Passarinho numa hora em que o colega estava fora do apartamento, e jogou o animal empalhado no Lago Paranoá.
Sarney jura que a paz voltou ao prédio. Dois dias depois, os jornais de Brasília informaram que moradores em pânico viram jacarés nadando no Lago.
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