sábado, 25 de abril de 2020

‘Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo’

Moro deixa governo e acusa Bolsonaro de querer obter relatórios da PF PGR pede inquérito ao STF Para juristas, presidente pode ter cometido 7 crimes Ex-ministro mostra diálogos como provas

Rafael Moraes Moura, Julia Lindner e Paulo Roberto Netto | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Horas após a demissão, por Jair Bolsonaro, do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o ministro Sérgio Moro anunciou que deixava a pasta da Justiça e fez acusações contra o presidente. Moro afirmou que Bolso na rolhe disseque“queri ater( na chefiada PF) um apessoado contato pessoal dele” para “colher informações, relatórios de inteligência”. “Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, relatou o ministro demissionário. Moro disse ter provas das acusações que fazia e, à noite, apresentou cópias de diálogos em que Bolsonaro demonstrou preocupação com inquérito no Supremo Tribunal Federal. Juristas disseram que Moro pode ter relatado até 7 crimes. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu investigação ao STF. Representantes de partidos cobraram o impeachment ou a renúncia de Bolsonaro. “Que renuncie antes de ser renunciado. Poupenos”, disse o ex-presidente Fernando Henrique.

O presidente Jair Bolsonaro queria indicar um nome para chefiar a Polícia Federal (PF) para quem pudesse “ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”, afirmou ontem Sérgio Moro. Ao falar pela última vez como ministro da Justiça e Segurança Pública, durante pronunciamento no fim da manhã, Moro relembrou a conversa em que Bolsonaro lhe disse que escolheria um novo diretor da PF. “Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, relatou o ministro demissionário.

“O problema é: por que trocar (o diretor da PF)?”, questionou o ex-juiz da Lava Jato. Bolsonaro revelou, segundo Moro, uma “grande preocupação” com o andamento de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo menos duas investigações da Corte podem atingir aliados do presidente. O primeiro deles, aberto no ano passado, investiga ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes do Supremo. Na segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes deu início a um segundo inquérito para descobrir quem organizou e financiou protestos antidemocráticos de domingo, dos quais Bolsonaro participou.

Segundo reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, o chefe do Executivo encaminhou para seu ministro uma notícia que relatava investigação que avançava sobre deputados bolsonaristas, seguida da frase: “Mais um motivo para a troca” (mais informações na pág. A6).

Cinco horas depois, foi a vez de Bolsonaro convocar um pronunciamento, cercado por seus ministros, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). O presidente negou que estivesse tentando interferir em inquéritos em andamento, mas confirmou que pretendia escolher o novo diretor da Ação familiar

Segundo interlocutores do Planalto, a troca tem digitais do vereador Carlos Bolsonaro (RepublicanosRJ). Para auxiliares do presidente, a segurança pode ganhar um rótulo de “empresa familiar”.

PF. “Se posso trocar ministro, por que não posso trocar diretor?”. Bolsonaro afirmou que fez “quase uma súplica” para que a PF investigasse o atentado à faca que ele sofreu em 2018 e a citação a seu nome no caso Marielle Franco, feita por um porteiro (mais informações na pág. A10).

Assinatura. Em seu pronunciamento, Moro negou que tenha assinado a exoneração de Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da PF, publicada no Diário Oficial de ontem. Na visão dele, a demissão de Valeixo de forma “precipitada” foi uma sinalização de que Bolsonaro queria a sua saída do governo. Ao citar a intenção do presidente de ter alguém na corporação que lhe enviasse informações, Moro lembrou que governos anteriores não fizeram isso.

“Imagina se na Lava Jato, um ministro ou então a presidente Dilma ou o ex-presidente Luiz (Lula) ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações”, disse Moro.

A interferência política pode levar a “relações impróprias” entre o diretor da PF e o presidente da República, segundo ele. “Não posso concordar. Não tenho como continuar (no ministério) sem condições de trabalho e sem preservar autonomia da PF. O presidente me quer fora do cargo”, acrescentou o ministro.

Moro acrescentou que, quando foi convidado para assumir o ministério, em novembro de 2018, Bolsonaro lhe prometeu “carta branca”. Desde que entrou no governo, Moro tem acumulado uma série de derrotas. O pacote anticrime foi desidratado pelo Congresso. Bolsonaro também tentou dividir o Ministério da Justiça, retirando de Moro a parte reservada ao combate à criminalidade (mais informações na pág. A15).

Em seu pronunciamento, Moro negou que tenha negociado assumir uma cadeira no STF futuramente, mas admitiu que pediu ao presidente que sua família recebesse algum tipo de proteção caso “acontecesse algo” com ele. “Busquei ao máximo evitar que isso (a minha saída) acontecesse, mas foi inevitável.” Desempregado, o ex-juiz disse que ainda vai pensar no que fazer. “Independente de onde esteja, sempre vou estar à disposição do País.”

Acompanhado por integrantes do Ministério da Justiça, ele deixou a sala onde fez seu pronunciamento aplaudido.

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