Os inquéritos não podem perder o foco na perigosa tentativa de captura da PF por uma família
O pronunciamento do demissionário Sergio Moro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é de grande impacto sobre o presidente. Tudo o que se suspeitava sobre a intenção de Bolsonaro de interferir na PF para se proteger e aos seus foi confirmado por Moro. A “carta branca” que o presidente dera a Moro foi definitivamente cassada com a demissão “a pedido” — falsa, como denunciou Moro — do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.
Pelo relato do ex-ministro, o próprio Bolsonaro confirmou a ele que a intervenção na PF é política mesmo. Contou o ex-ministro que o presidente reclamava não poder telefonar para superintendentes regionais a fim de pedir informações e relatórios sobre investigações em andamento. Ou seja, deseja converter a PF em polícia pessoal, como se fosse um ditador típico do Terceiro Mundo, no figurino certamente daquele que manifestantes bolsonaristas querem que ele seja.
A resposta do presidente, dada em pé, à frente do ministério, no qual apenas o ministro da Economia, Paulo Guedes, usava a devida máscara, foi uma mistura confusa de prestação de contas, comício e explicações vagas demais para a gravidade dos relatos de Moro. Segundo o ex-ministro, já existe uma investigação na qual o presidente deseja interferir: o inquérito aberto no Supremo, a pedido da Procuradoria-Geral da República, sobre os subterrâneos que alimentam as manifestações antidemocráticas, favoráveis ao presidente. Que deve se juntar a um anterior, também presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, acerca da usina de produção de fake news contra adversários políticos. O clã Bolsonaro tem motivos para temer os inquéritos, tanto que o presidente se arriscou a pressionar Moro, e colheu grande prejuízo.
Nas suas explicações, lidas e entremeadas de improvisos desconexos, Bolsonaro não negou desejar ter informações de inteligência para tomar decisões — natural, mas que deve ser feito de maneira formalizada. Outra coisa é querer substituir até superintendentes regionais da PF, caso do Rio de Janeiro, onde ele e família moram e corre pelo menos uma investigação sobre um filho, o senador Flávio Bolsonaro, envolvido em um esquema de desvio de dinheiro público na Alerj, quando era deputado estadual.
Há uma crise institucional grave que acontece enquanto hospitais e cemitérios ficam lotados de vítimas do coronavírus. Devido à irresponsabilidade política de Bolsonaro, o país precisa conviver com as duas. Acusações e defesa têm de ser avaliadas em devidos inquéritos, também com a participação do Congresso. O procurador-geral da Republica, Augusto Aras, encaminhou ao Supremo pedido de abertura de investigações. Só assim, versões desencontradas podem ser esclarecidas, sem que se perca o foco na questão central do risco do uso da PF e de outros organismos de segurança do Estado por uma família e um grupo político.
No jogo da busca por instituições republicanas fortes, o Brasil volta várias casas. Mas nada que não possa ser recuperado. A norma na política brasileira infelizmente tem sido o patrimonialismo, o clientelismo e a fisiologia, que, tudo indica, deverão ser praticados com intensidade. Instituições estratégicas como o Judiciário, em que se destaca o Supremo; o Legislativo; o Ministério Público e mesmo a Polícia Federal precisam reagir.
O ex-capitão e deputado Jair Bolsonaro soube construir a imagem de um combatente anticorrupção, antivelha política, mesmo tendo militado por 28 anos no fundo do plenário, no baixo clero, representando corporações, um tipo de político sem preocupação com os grandes temas nacionais. Ajudado pelo voto útil contra o PT, conseguiu eleger-se presidente, mas este personagem farsesco de imagem arranhada já há algum tempo destruiu capital político com a demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
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