terça-feira, 21 de abril de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Golpista que mia – Editorial | Folha de S. Paulo

Presidente apoia ato antidemocrático; Carta e instituições saberão silenciá-lo

Jair Bolsonaro agrediu a Constituição quando discursou no domingo (19) em favor à manifestação que defendia a volta da ditadura. Não foi a primeira vez em que o presidente se reuniu com o “gabinete do ódio” para escancarar na sequência suas aptidões ditatoriais.

À diferença do que faz parecer Bolsonaro em sua retórica de apoio ao ato golpista, não é a velha política ou qualquer outra quimera do gênero que o impede de governar.

Sua administração é obstruída, desde o início, pela pequenez dos objetivos de um mandatário cujo horizonte mental não vai além de multas de trânsito, porte de armas e bate-bocas em redes sociais.

O que ele diz querer neste momento —e serviu de pretexto para a algazarra dos celerados de domingo— constitui tão somente seu desejo patético de subverter a democracia no Brasil.

Concordam as autoridades sanitárias, praticamente sem dissenso, que não chegou a hora de relaxar as medidas de isolamento social imprescindíveis para evitar uma sobrecarga do sistema hospitalar.

O golpista da carreata não tem seus arroubos contidos apenas por governadores e prefeitos, Congresso e Supremo Tribunal Federal. É desobedecido também por seus subordinados, como o ministro da Saúde, o novo ou o anterior, e os generais palacianos, que com espírito público fazem o possível para enfrentar a calamidade.

Bolsonaro investe contra alvos fáceis, dados os conhecidos e arraigados vícios do sistema político, do Legislativo e do Judiciário brasileiros. A alternativa que sugere, agora com saliência inédita, é personalista, populista e autoritária.

Seu discurso encontra eco apenas em uma minoria fanática que pode clamar por AI-5 como mera palavra de ordem, sem noção de seu tétrico significado.

Com todas as suas imperfeições, a política e os contrapesos da democracia vão dando as melhores respostas à crise. Por interesse eleitoral ou não, governadores e prefeitos trataram de proteger seus cidadãos; a mesma motivação deve guiá-los no abandono paulatino dos regimes de quarentena.

Não sem falhas, excessos e oportunismos, deputados e senadores formularam as providências mais importantes até aqui para mitigar o impacto da inevitável recessão sobre o emprego, a renda e o caixa dos entes federativos. Enquanto isso, Bolsonaro vociferava contra inimigos imaginários.

Que as instituições —e a Constituição— façam do rugido golpista um miado sem consequências.

• A vez das máscaras – Editorial | Folha de S. Paulo

Artefato, já obrigatório em alguns locais, deve acompanhar abertura do comércio

Demorou um pouco, talvez demais, mas a obrigatoriedade do uso de máscaras respiratórias em público se dissemina pelo Brasil. Várias capitais e estados inteiros já adotam essa forma de prevenção contra a epidemia do novo coronavírus.

Os governadores de Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal estenderam a providência a todo o território. A medida protetiva acompanha progressiva liberação do comércio nessas unidades da Federação, em graus diferenciados, e por ora não se preveem multas.

Decretos municipais determinam o uso compulsório em pelo menos seis capitais: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Vitória e Teresina. A abrangência da obrigatoriedade varia, em alguns casos restrita a trabalhadores encarregados de atendimento ao público, noutros alcançando a população geral.

Os prefeitos prometem distribuir milhões de máscaras em semanas. Não estipularam sanções para a desobediência da norma, e por ora agem bem ao não fazê-lo, porque até há pouco a recomendação era de que o dispositivo fosse envergado apenas por quem tivesse sintomas da Covid-19, além, claro, dos profissionais de saúde.

Outros alcaides adotaram multas, como os de Betim (MG), de R$ 80, e Volta Redonda (RJ), de R$ 500. Parece certo que encontrarão dificuldade para fazer com que sejam aplicadas, cobradas e pagas, o que pode contribuir para desmoralizar a norma.

No intuito de evitar corrida aos estoques e garantir o fornecimento a profissionais de saúde, que de fato são os que mais necessitam do equipamento de proteção individual, algumas autoridades cometeram o equívoco de divulgar que as máscaras não traziam benefício individual. Não é bem assim, como cumpre esclarecer.

A maior utilidade das máscaras é, sim, diminuir a probabilidade de que alcancem outras pessoas os vírus expelidos ao tossir, espirrar e mesmo respirar. Elas são menos eficientes para impedir que alguém aspire partículas do Sars-CoV-2 presentes no ar, mas não inteiramente ineficazes.

A política mais sensata reside em garantir farta distribuição gratuita, orientação sobre o uso correto e comunicação inteligente para combater o preconceito social. Em lugar de multas, faz mais sentido impedir o acesso dos refratários a estabelecimentos de comércio e transportes públicos.

Nessa direção caminha o estado de Nova York, que só cogita vir a multar estabelecimentos reincidentes no desrespeito à determinação. Em Buenos Aires, por outro lado, estão previstas sanções de mais de R$ 6.000. É um exagero.

• Bolsonaro tem sido um fator de desestabilização – Editorial | O Globo

Em suas idas e vindas, presidente ataca as instituições e recua, mas com isso aumenta as tensões no país

Pode ser conveniente ao político Jair Bolsonaro avançar e recuar no seu radicalismo, mas não atende às exigências do cargo de presidente da República. A fórmula do ex-capitão de aumentar a carga ideológica do seu discurso de extrema direita para conclamar as claques que o apoiam quando se sente fragilizado, para depois voltar atrás, aumenta tensões já criadas pela maior crise da história ainda em sua fase inicial, também degrada a atmosfera política e atrapalha o próprio governo em ações para reduzir o número de mortes na epidemia da Covid-19 e conter ao máximo os estragos que a recessão já provoca no emprego e na área social. Bolsonaro presta um desserviço à nação e a ele.

Por cálculo político, preocupado apenas com os efeitos na economia causados pelo isolamento social — a única forma eficaz de se conter a expansão do vírus Sars-CoV-2 e dar tempo para o sistema de saúde conseguir salvar vidas —, o presidente deseja acelerar a volta das atividades econômicas a qualquer preço, e nisso tem o apoio das falanges bolsonaristas mais radicais que veem no Congresso e no Supremo dois obstáculos a seu intento. Têm razão. Para evitar decisões alucinadas do Executivo é que também existem o Legislativo e o Poder Judiciário.

Assim, as carreatas convocadas pelas redes bolsonaristas, alegadamente em favor da “volta ao trabalho”, para grandes cidades no domingo, transformaram-se em atos contrários à Constituição — favoráveis a um golpe militar, à reedição do funesto AI-5, ao fechamento do Congresso e do Supremo. O resto, a História ensina, vem por força da lei da gravidade: prisões, violência sem freios etc. E Bolsonaro, em Brasília, aderiu a este ato de agressão à Carta, em frente ao Quartel-General do Exército, o Forte Apache.

Cumprindo roteiro conhecido, baixou ontem o tom na sua rotineira confraternização com seguidores, à saída do Alvorada: “No que depender do presidente Jair Bolsonaro, democracia e liberdade acima de tudo”. Responsabilizou “infiltrados” pelas faixas pedindo a volta do AI-5, e ainda incorporou a Carta: “Eu sou realmente a Constituição”. Não é. Está sob ela.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo abertura de inquérito para apurar responsabilidades na organização das manifestações de domingo, “atos contra o regime da democracia participativa brasileira”. Aras não mencionou o presidente, mas identificou “deputados federais” — também haveria empresários — por trás dos atos, daí haver acionado o Supremo. É preciso que, por este inquérito, fique demonstrado que a Constituição garante um regime de liberdades, mas também oferece recursos para a democracia se defender.

Já em nota divulgada ontem no final da tarde, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, registrou que as Forças Armadas são “sempre obedientes à Constituição”, e que elas se encontram em adaptação para combater o inimigo comum a todos, “o coronavírus e suas consequências sociais”. Precisa ser interpretada corretamente por bolsonaristas.

• É preciso desburocratizar a convocação de novos médicos – Editorial | O Globo

Profissionais graduados no exterior e estudantes em vias de se formar podem ajudar na luta contra a Covid-19

Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, profissionais de saúde formam a linha de frente na batalha que a humanidade trava contra o novo coronavírus. A dedicação aos doentes num momento em que a atividade se torna extremamente arriscada é merecedora de todas as homenagens. Mas, exatamente por integrarem o front, eles estão sujeitos a baixas — muitas vezes, por falta de equipamentos de proteção fundamentais ao exercício da função numa pandemia.

A cada dia, aumenta o número de profissionais afastados ou mortos em consequência da Covid-19. No Amazonas, que vive situação dramática, com a maior proporção de casos da doença em todo o país, são cerca de mil. Em São Paulo, mais de 1.500. No Ceará, ao menos 150 estão fora de combate.

Como o Brasil ainda está num estágio de aceleração da epidemia, não se deve esperar que o problema seja resolvido logo. Por isso, governos precisam adotar medidas urgentes para sanar essa escassez. É fato que algumas estão em andamento. O Ministério da Saúde convocou profissionais para o Mais Médicos. E o da Educação autorizou a antecipação da formatura de estudantes de Medicina prestes a colar grau.

Mas, em meio à crise, entra em cena um dos males do Brasil, a burocracia. Segundo o “Jornal Nacional”, existem cerca de 15 mil médicos brasileiros formados no exterior que poderiam ajudar no combate à Covid-19. Porém, estão parados porque precisam passar pelo Revalida, que não é feito há três anos. O MEC alega que o exame será realizado este ano. No entanto, a epidemia exige pressa.

A antecipação de formaturas, experiência adotada nos EUA, também tem dependido mais de ações individuais do que de governos, universidades e entidades de classe — o Conselho Federal de Medicina, por exemplo, é contra, por entender que a formação fica prejudicada.

Como mostrou o “Fantástico”, a estudante Maitê Gadelha, do Pará, empreendeu mobilização nacional para arregimentar formandos em mais de 150 faculdades. Eles estão colando grau por meio de videoconferência ou recebendo diplomas em sistema de drive thru. Se lhes falta experiência, sobra entusiasmo para assumir o maior desafio de suas vidas. “Quem escolheu fazer Medicina sabia que era para ser útil à sociedade, para servir”, diz Maitê.

Não se pode perder de vista a perspectiva de que o Brasil e o mundo enfrentam a maior crise sanitária da História. De um lado, existem doentes que necessitam de atendimento médico. De outro, profissionais graduados no exterior ou estudantes de Medicina em vias de se formar dispostos a tratá-los. É inaceitável que esses dois grupos permaneçam apartados.

• O preço da pusilanimidade – Editorial | O Estado de S. Paulo

Diante das bravatas bolsonaristas, pode-se riscar uma linha no chão e dizer que, deste ponto em diante, é o terreno do intolerável

O presidente Jair Bolsonaro assumiu de vez que é candidato a caudilho. Em comício para seus simpatizantes, de caráter escandalosamente golpista, anunciou: “Nós não queremos negociar nada. Queremos é ação pelo Brasil. Chega da velha política. Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder. Lutem com o seu presidente”.

Não é possível dizer que Bolsonaro desta vez passou dos limites, pois, a rigor, ele já os havia ultrapassado quando, ainda militar, se insubordinou ou então, quando deputado, violentou o decoro parlamentar seguidas vezes. No primeiro caso, recebeu uma punição branda; no segundo, nem isso. Ou seja, a pusilanimidade das instituições ao lidar com Bolsonaro deu-lhe a segurança de que, para ele, não há limites, salvo os ditados por seu projeto autoritário de poder.

É reconfortante, no entanto, observar que, desta vez, integrantes de todas as instituições da República se manifestaram com firmeza contra mais essa afronta de Bolsonaro e de seus seguidores à democracia. Até mesmo o procurador-geral da República, Augusto Aras, que vinha se omitindo ante a escalada bolsonarista, anunciou a abertura de um inquérito para investigar “fatos em tese delituosos envolvendo a organização de atos contra o regime da democracia representativa brasileira”. O presidente não está entre os investigados, porque não há indícios de que tenha ajudado a organizar o comício, mas o simples fato de o procurador Aras ter qualificado como atentatório à democracia um ato que teve como sua estrela o presidente da República deveria ser suficiente para embaraçar Bolsonaro.

Mas será difícil constranger o presidente, cuja desconsideração pela opinião alheia, salvo quando é a dos filhos ou dos bajuladores que o cercam, é notória. Diante da repercussão negativa de seu discurso autoritário, o presidente, como sempre, tratou de minimizar o fato, insultando a inteligência de todos. No dia seguinte à afronta, Bolsonaro negou que tivesse atacado os demais Poderes e disse que, “no que depender do presidente Jair Bolsonaro, democracia e liberdade acima de tudo”.

Felizmente, nem a democracia nem a liberdade dependem de Jair Bolsonaro. Dependem, exclusivamente, do cumprimento da Constituição. Num arroubo à Luís XIV, Bolsonaro chegou a dizer: “Eu sou realmente a Constituição”. Não é. A Constituição é a materialização do pacto democrático, aquele ao qual todos se submetem, do mais humilde cidadão ao presidente da República.

Mas Bolsonaro, como sempre fez em sua trajetória política, está testando a disposição da sociedade de defender a ordem democrática por ele sistematicamente ameaçada. Pode-se quedar inerte diante das bravatas bolsonaristas, permitindo que se instaure um clima golpista, mas também se pode riscar uma linha no chão e dizer que, deste ponto em diante, é o terreno do intolerável.

Por isso, espera-se que o até agora silente ministro da Justiça, Sérgio Moro, faça jus à sua fama de inflexível cruzado da moralidade e da lei no exercício do serviço público e manifeste pelo menos desconforto diante do comportamento acintosamente impróprio de Bolsonaro na chefia da Nação. O mesmo se espera dos tantos ministros do presidente, militares reformados e da ativa, tidos como bedéis do governo, responsáveis por conter os muitos excessos de Bolsonaro. Até agora, contudo, predomina o silêncio - tão mais embaraçoso quando se recorda que o ato golpista protagonizado pelo presidente Bolsonaro, que é o comandante em chefe das Forças Armadas, ocorreu no Dia do Exército e diante do QG do Exército.

Consta que a afronta bolsonarista gerou mal-estar nas Forças Armadas, que não querem se ver vinculadas a movimentos que pedem a volta da ditadura militar e de medidas de exceção, como o famigerado AI-5, em franco desafio à Constituição. Para os generais, a guerra a ser vencida hoje não é contra os inimigos que Bolsonaro inventa todos os dias, mas contra o coronavírus.

Mas a guerra de Bolsonaro, já está claro, é contra as instituições da República e contra a maioria absoluta dos brasileiros, afrontados por um presidente que só se importa com o poder. Quem estiver na trincheira com Bolsonaro, seja no governo, seja em movimentos golpistas, vai se desmoralizar junto com ele.

• Reflexões sobre a crise – Editorial | O Estado de S. Paulo

O filósofo Yuval Harari propõe reflexões úteis na tarefa de pensar com realismo sobre a pandemia

Além de exigir medidas emergenciais na saúde e na economia, a pandemia da covid-19 suscita muitos questionamentos sobre o porvir. Em entrevista dada a Luciano Huck e publicada no Estado, o professor israelense Yuval Harari, um dos filósofos mais influentes da atualidade e autor, entre outros, dos livros Sapiens e Homo Deus, propõe algumas reflexões que podem ser úteis na tarefa, tão urgente e tão difícil, de pensar com realismo sobre a pandemia e os desafios e oportunidades que ela traz.

Ao longo da entrevista, Harari menciona várias vezes o papel da liberdade humana e a indeterminação do futuro. “Temos muitas opções nesta crise (...) o futuro não está predeterminado. Não há um roteiro único de como lidar com a epidemia e a crise econômica. Nós, cidadãos e governos, teremos de tomar algumas decisões muito importantes nos próximos meses, que vão mudar o mundo completamente. Governos estão fazendo experimentos sociais incríveis, envolvendo trabalho online ou fornecendo renda básica universal. E isso vai mudar o mundo.”

Entre as grandes escolhas que a pandemia suscita, o professor israelense destaca as relações entre as nações. “A grande questão é se enfrentamos esta crise como uma sociedade global, por meio da solidariedade e cooperação entre países, ou se lidamos com ela por meio do isolacionismo nacionalista e da concorrência.” Por isso, Harari lembra que “esta é uma crise política e não apenas de saúde. As grandes decisões são, na verdade, políticas”.

Ao discorrer sobre o que a pandemia exige em termos de ação dos governos, o autor de Sapiens mostra a insuficiência da analogia da situação atual com a guerra. “É um tipo muito diferente de crise. (...) O principal não é matar inimigos. O principal é cuidar das pessoas (...) e isso exige uma maneira diferente de pensar sobre o que está acontecendo.”

A respeito da suposta eficiência dos regimes autoritários para lidar com as crises que exigem respostas rápidas, Yuval Harari lembra que essas situações também demandam ações complexas e capacidade de correção de rumos. “Não é verdade que as ditaduras lidam com essas crises melhor que as democracias. Geralmente é o oposto. O problema das ditaduras é que, quando uma pessoa toma todas as decisões, o processo é mais rápido. Mas se a pessoa tomar a decisão errada, quase nunca admitirá um erro. Ele apenas continuará com o mesmo erro, culpará os outros, traidores e inimigos, e exigirá ainda mais poder. A democracia é mais eficiente porque há uma pluralidade de vozes e ideias. Se algo não funciona, tentamos outra coisa.”

Muito do que os regimes autoritários querem fazer com o uso de violência pode ser feito num ambiente de liberdade, com a educação. “Para fazer as pessoas seguirem as orientações, um povo motivado e educado é muito mais forte do que um povo ignorante e policiado. (...) Se, por exemplo, você quer fazer as pessoas lavarem as mãos, uma maneira de fazer isso é colocar um policial ou uma câmera em cada banheiro e forçar as pessoas a lavarem as mãos. Outro método é apenas educar as pessoas sobre vírus e bactérias, como eles causam doenças, e como você pode se proteger apenas lavando as mãos”, lembra Harari.

Ao ser questionado sobre o impacto da pandemia na desigualdade, Harari reafirma que “são as nossas escolhas que vão definir isso”. Mesmo ante uma crise tão grave, que parece não permitir nada mais do que reações, o professor israelense chama a atenção para os muitos caminhos possíveis. O enfrentamento da pandemia não é um circuito fechado de ação e reação, onde seria impossível pensar e propor novas soluções. “Também existem oportunidades nesta crise (...) não é algo predeterminado. É uma escolha de onde investimos nossos recursos. E por isso é tão importante não só acompanhar as notícias sobre a epidemia, mas também observar o que está acontecendo no nível político”, alerta Harari. A pandemia aumenta ainda mais a relevância das decisões do Estado e da sociedade. Por isso, é decisivo refletir, com profundidade e seriedade, sobre o atual cenário, sem medo e também sem arrogância. O futuro continua aberto às nossas escolhas.

• Trégua no mercado de petróleo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Acordo celebrado pela Opep+ ajuda a diminuir a alta volatilidade do setor nos últimos meses

Após semanas de impasse, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+) finalmente chegou a um acordo sobre a necessidade de cortes na produção diária com vistas a conter a queda dos preços do óleo no mercado mundial. Dois dias antes, os ministros de Energia dos países que compõem o G-20 realizaram uma reunião extraordinária com o mesmo objetivo. A urgência de ambos os encontros (virtuais, diga-se) mais do que se justificava. Na última semana de março, os contratos futuros do Brent para maio eram negociados a US$ 26,34 o barril na ICE, em Londres. O West Texas Intermediate (WTI), referência nos Estados Unidos, ficou em US$ 20 o barril.

Sob a perspectiva da oferta, seria ingênuo esperar que o acordo da Páscoa represente o fim das tensões geopolíticas que crispam as relações entre alguns países-membros da Opep+ e que já vinham pressionando os preços para baixo. O entendimento é uma trégua pontual que ajuda a diminuir a alta volatilidade do setor ocasionada pela repentina alteração na demanda por óleo nos últimos dois meses.

Os efeitos da pandemia de covid-19 na atividade econômica – indústrias fechadas ou funcionando parcialmente, aviões em solo e menos automóveis nas ruas – reduziram drasticamente a demanda por petróleo no mundo inteiro, sobretudo na China. De acordo com a Bloomberg, a demanda chinesa por petróleo caiu 20%, de 15 milhões para 12 milhões de barris por dia (bpd). Analistas do setor estimam que o consumo mundial do óleo (aproximadamente, 100 milhões de barris diários) tenha caído cerca de 25% no curso de uma crise que está apenas no começo. Até agora, a pandemia de covid-19 levou à maior queda de demanda por petróleo desde a crise financeira global de 2008.

Sob uma tempestade perfeita – conhecidas tensões geopolíticas e uma superveniente emergência sanitária –, não eram poucas as empresas do setor de óleo e gás que estavam ameaçadas de falência caso os países-membros da Opep+ não chegassem a um entendimento rapidamente. A reboque, todas as instituições financeiras que investiram bilhões de dólares nestas companhias nos últimos anos também estavam expostas a enorme risco, o que poderia elevar a gravidade da crise global ocasionada pelo novo coronavírus a um patamar inimaginável. “A atual crise do mercado de petróleo é um choque sistêmico que ameaça a estabilidade econômica e financeira global. Requer, portanto, uma resposta global. Por esta razão, o G-20 é o fórum indispensável para o exercício de uma liderança decisiva diante da urgência”, afirmou Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

O apelo feito por Fatih Birol tinha destinatário certo: os Estados Unidos. Na última cúpula do G-20, o desentendimento entre Rússia e Arábia Saudita foi solenemente ignorado, o que fez desabar ainda mais os preços do petróleo. Riad vinha insistindo em inundar o mundo de petróleo a despeito da redução expressiva na demanda, o que confrontava diretamente os interesses de Moscou. Era esperado que os Estados Unidos usassem a cúpula do G-20 para pressionar os sauditas a pôr fim à disputa de preços com a Rússia, o que não ocorreu.

Pelo acordo celebrado, classificado como “histórico” pelo secretário-geral da Opep, Mohammed Barkindo, os países-membros da Opep+ se comprometeram em reduzir a produção até um total de 9,7 milhões de barris por dia nos meses de maio e junho. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que participou da reunião do G-20, celebrou a assinatura do acordo. “O Brasil cumprimenta a Arábia Saudita e a Opep+ por um acordo que contribuirá para a estabilização do mercado de petróleo”, disse o ministro. Pelo Twitter, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, saudou a Opep+ e, em especial, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o rei saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, pelo “ótimo acordo para todos”. Nada mau para governos que até bem pouco vituperavam contra toda e qualquer ação de colaboração multilateral.

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