terça-feira, 21 de abril de 2020

Bolsonaro tem sido um fator de desestabilização – Editorial | O Globo

Em suas idas e vindas, presidente ataca as instituições e recua, mas com isso aumenta as tensões no país

Pode ser conveniente ao político Jair Bolsonaro avançar e recuar no seu radicalismo, mas não atende às exigências do cargo de presidente da República. A fórmula do ex-capitão de aumentar a carga ideológica do seu discurso de extrema direita para conclamar as claques que o apoiam quando se sente fragilizado, para depois voltar atrás, aumenta tensões já criadas pela maior crise da história ainda em sua fase inicial, também degrada a atmosfera política e atrapalha o próprio governo em ações para reduzir o número de mortes na epidemia da Covid-19 e conter ao máximo os estragos que a recessão já provoca no emprego e na área social. Bolsonaro presta um desserviço à nação e a ele.

Por cálculo político, preocupado apenas com os efeitos na economia causados pelo isolamento social — a única forma eficaz de se conter a expansão do vírus Sars-CoV-2 e dar tempo para o sistema de saúde conseguir salvar vidas —, o presidente deseja acelerar a volta das atividades econômicas a qualquer preço, e nisso tem o apoio das falanges bolsonaristas mais radicais que veem no Congresso e no Supremo dois obstáculos a seu intento. Têm razão. Para evitar decisões alucinadas do Executivo é que também existem o Legislativo e o Poder Judiciário.

Assim, as carreatas convocadas pelas redes bolsonaristas, alegadamente em favor da “volta ao trabalho”, para grandes cidades no domingo, transformaram-se em atos contrários à Constituição — favoráveis a um golpe militar, à reedição do funesto AI-5, ao fechamento do Congresso e do Supremo. O resto, a História ensina, vem por força da lei da gravidade: prisões, violência sem freios etc. E Bolsonaro, em Brasília, aderiu a este ato de agressão à Carta, em frente ao Quartel-General do Exército, o Forte Apache.

Cumprindo roteiro conhecido, baixou ontem o tom na sua rotineira confraternização com seguidores, à saída do Alvorada: “No que depender do presidente Jair Bolsonaro, democracia e liberdade acima de tudo”. Responsabilizou “infiltrados” pelas faixas pedindo a volta do AI-5, e ainda incorporou a Carta: “Eu sou realmente a Constituição”. Não é. Está sob ela.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo abertura de inquérito para apurar responsabilidades na organização das manifestações de domingo, “atos contra o regime da democracia participativa brasileira”. Aras não mencionou o presidente, mas identificou “deputados federais” — também haveria empresários — por trás dos atos, daí haver acionado o Supremo. É preciso que, por este inquérito, fique demonstrado que a Constituição garante um regime de liberdades, mas também oferece recursos para a democracia se defender.

Já em nota divulgada ontem no final da tarde, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, registrou que as Forças Armadas são “sempre obedientes à Constituição”, e que elas se encontram em adaptação para combater o inimigo comum a todos, “o coronavírus e suas consequências sociais”. Precisa ser interpretada corretamente por bolsonaristas.

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