O político carioca lembra que alertou sobre ligação de Wilson Witzel com figuras do esquema Cabral, critica Bolsonaro, Marcelo Crivella e confirma sua candidatura à prefeitura do Rio
Por Cássio Bruno, Sofia Cerqueira | Revista Veja
Durante cinco dos sete anos em que Sérgio Cabral governou o Rio de Janeiro, tornando-se um dos grandes símbolos de corrupção nacional, o prefeito da capital era Eduardo Paes, seu colega de partido. Mas, ao contrário de Cabral, condenado a mais de 200 anos, Paes nunca foi julgado nem denunciado criminalmente, embora seja alvo de um inquérito por caixa dois. Depois de uma administração considerada competente e da derrota nas eleições de 2018 para o governo do estado, o ex-prefeito diz que chegou a pensar em sair da política, porém repensou e voltou com animação total. Nesta entrevista, ele anuncia sua candidatura à prefeitura carioca e dispara críticas contra o sucessor Marcelo Crivella, Jair Bolsonaro e o governador Wilson Witzel, agora enredado em denúncias de desvios na área da saúde. Há um ano sem fumar e 12 quilos mais magro, Paes, 50 anos, recebeu VEJA sozinho em seu escritório no Centro do Rio, de máscara boa parte do tempo (tinha feito naquele dia o teste de Covid-19 e deu positivo) e dizendo-se farto da quarentena: “A vida sem samba, sem música, sem abraço e sem encontros é sempre muito chata”.
• Velhos nomes da rede de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral voltaram a aparecer em investigações que envolvem a área da saúde do atual governo, de Wilson Witzel. Episódios como esse eram pedra cantada?
Eu mesmo, na eleição de 2018, alertei muitas vezes sobre a proximidade de um dos maiores prestadores de serviço do governo do estado, no caso o empresário Mário Peixoto, com o candidato Witzel. Ele e Lucas Tristão (secretário de Desenvolvimento Econômico), quando eram sócios em um escritório de advocacia, cuidaram de assuntos de Peixoto e tiveram uma procuração para representar os interesses dele no Estado do Rio. Era uma coisa escancarada.
• No epicentro do escândalo de agora está a Organização Social Iabas. O senhor também teve contrato com ela quando foi prefeito?
Tínhamos contratos com várias. Tanto esses caras do Iabas quanto outros donos de organizações sociais foram presos, delataram e ninguém falou um “ai” da prefeitura enquanto estive lá.
• Seu partido, o DEM, ganhou uma secretaria no governo Witzel. Agiu errado?
O DEM entrou no governo contra a minha opinião. Quem perde eleição não deve assumir secretarias.
• Witzel diz que as denúncias contra ele são fruto de perseguição do presidente Jair Bolsonaro. Ele errou ao romper com o candidato que apoiou em 2018?
O Witzel se elegeu governador naquela época por causa do “Bolsowitzel”. O erro dele foi querer fazer campanha para 2022 antes da hora, o que gerou conflito. Só que o Estado do Rio precisa do presidente. Crivella também apoiou Witzel no segundo turno, e os dois estão rompidos. Por que não trabalham em conjunto? Os governos não conversam entre si. É uma brigalhada assustadora.
• O senhor é, afinal, candidato a prefeito do Rio de Janeiro?
Sou. Poucas vezes vimos uma administração tão sem rumo, tão sem capacidade de realizar, quanto esta de hoje. Decidi pôr meu nome porque é uma urgência. Não dá mais para improvisar, experimentar.
• Já costurou alguma aliança?
Com o Avante e a Democracia Cristã. Converso com PSDB, Cidadania, PV, mas não estou angustiado por fazer uma salada partidária. Acho viável agregar as candidaturas de centro, que jogam à esquerda e à direita. Houve uma mudança com a decisão do (deputado federal do PSOL) Marcelo Freixo de não mais se candidatar. Eu temia a repetição, no segundo turno deste ano, da disputa de 2016, entre Crivella e Freixo, porque via aí uma probabilidade grande de Crivella ser reeleito — o pior que poderia acontecer. Mas a saída do Freixo muda o quadro, e minha candidatura sai com um patamar elevado. Quero juntar os melhores quadros da vida pública e do setor privado para reerguer o Rio.
“Na eleição de 2018, alertei muitas vezes sobre a proximidade de um dos maiores prestadores de serviço do governo na era Cabral com o candidato Witzel. Era uma coisa escancarada”
• Chegou em algum momento a pensar em abandonar a política?
Quando eu perdi a eleição, em 2018, não pensava em voltar. Ao contrário do que acontece com a maioria dos homens públicos, deixei a política e fui bem. A partir de 2017, trabalhei no Banco Interamericano de Desenvolvimento como consultor e na iniciativa privada, cuidando de uma multinacional na América Latina. Ganho muito melhor e tenho fim de semana. Mas, se perguntam: “Eduardo, você está feliz?”, a resposta é não. Eu queria estar sentado no Palácio Guanabara.
• O prefeito Marcelo Crivella diz que o senhor deixou um rombo milionário nas contas municipais, e a denúncia foi parar na Justiça. Ele está mentindo?
O Crivella mente permanentemente. É tão mentira que a prefeitura está cobrando do governo federal 300 milhões de reais que eu emprestei em 2016. Ele tem um lado bom, que é a espiritualidade, a fé. Leva conforto às pessoas, sem hipocrisia nem sarcasmo, e foi isso que o elegeu. Sofre muitos ataques por ser religioso, mas eu acho isso uma qualidade dele. Agora, em matéria de gestão, é absolutamente incompetente, uma tragédia. Governa para a Igreja Universal e para os interesses econômicos do tio dele, o bispo Edir Macedo.
• Como avalia o trabalho de Crivella na pandemia?
Errático e ausente. O impacto desta crise no Rio não acontece por acaso. Em comparação a janeiro de 2017, são 6 000 profissionais a menos na rede pública. O Crivella não usa 1 800 leitos ociosos nos hospitais e se preocupa em abrir hospital de campanha. São vários contratos, em um total de 120 milhões de reais, para comprar tenda, ar-condicionado, respiradores, agora investigados pelo Tribunal de Contas.
• E a atuação do presidente Jair Bolsonaro?
Não vai bem. Não cumpre o papel de líder diante da crise.
• O vídeo daquela reunião ministerial revela muito sobre as autoridades brasileiras?
O que mais me impressionou naquela reunião, além dos palavrões, foi a falta de motivo para o encontro. Nunca vi um presidente da República juntar tantos ministros em volta de uma mesa e não ter uma pauta, uma meta. Ele não estava discutindo estratégia, absolutamente nada. Aquele pessoal estava fazendo o que ali? Talvez psicoterapia de grupo, um xingando o outro.
• Está na hora de pôr em votação os pedidos de impeachment na Câmara?
Sou contra. O Brasil vulgarizou muito esse instrumento. Ele é indicado para casos extremos, e não chegamos a esse ponto. O presidente tem uma narrativa completamente equivocada, que beira o autoritarismo, mas, na prática, não há espaço para alegar crime de responsabilidade. Como, aliás, eu também não achava que houvesse para a ex-presidente Dilma Rousseff.
• Os filhos do presidente se filiaram ao Republicanos, partido de Marcelo Crivella, que conta com o apoio do clã para sua reeleição. Como avalia o cenário eleitoral?
Acho ótimo. Teremos candidatos do Bolsonaro, do Ciro Gomes, da Marina Silva, do João Doria, do Lula. Eu não quero ser candidato de ninguém.
• O senhor foi aliado do ex-governador Sérgio Cabral, do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, do ex-deputado Eduardo Cunha. Todos acabaram presos no âmbito da Lava-Jato. Nunca viu ou desconfiou de nada?
O Cabral, um criminoso confesso, está relatando seus crimes, e nenhum envolve a prefeitura do Rio quando eu estava lá. A minha relação com esses personagens era institucional. Na política, você convive com pessoas que não são exatamente as mais honestas e decentes do mundo. Mas eu nunca me aliei a alguém que tivesse comprovadamente roubado.
• Mas o senhor e Cabral eram amigos, não?
Na política, existem pessoas mais ou menos simpáticas. O (ex-governador Luiz Fernando) Pezão é gente boníssima. O Sérgio Cabral sempre foi simpático. O Lula é simpático. A Dilma, nem tanto. O Michel Temer é fechadão. Com as pessoas mais simpáticas, claro, há uma relação mais fácil. Nunca fui à casa do Cabral em Mangaratiba. Com o Eduardo Cunha, meu contato era formal e distante.
• Um inquérito na Justiça Eleitoral do Rio investiga corrupção, evasão de divisas e caixa dois em suas campanhas. Isso existiu?
Não houve caixa dois nas minhas eleições. Não há um delator que me acuse de praticar corrupção. Pelo contrário, todos, quando indagados, são explícitos ao afirmar que não era assim. A delação de um sujeito diz que o apelido “Nervosinho”, que aparece na planilha da Odebrecht e atribuem a mim, foi escolhido porque eu não dava confiança a empreiteiro, evitava relações pessoais. Se for meu mesmo, encaro como elogio.
• E o caso da compra de votos para trazer a Olimpíada de 2016 para o Rio?
O Cabral confessou, mas ficou provado que eu não participei disso. Achei uma burrice, uma pena. Para essa reunião em que decidiram comprar não me convidaram, esqueceram de mim. Graças a Deus.
“O que mais me impressionou naquela reunião ministerial, além dos palavrões, foi a falta de motivo. O pessoal estava fazendo o que ali? Talvez psicoterapia de grupo, um xingando o outro”
• Como pode um bom gestor, como o senhor se qualifica, não perceber as falcatruas de seu secretário de Obras, Alexandre Pinto, preso na Lava-Jato?
Eu assumo que errei. Escolhi um servidor que estava na prefeitura havia mais de vinte anos, um quadro técnico, sem indicação política. Ele roubou, e eu não desconfiei, nem eu nem nenhum órgão de controle. Não passo a mão na cabeça de corrupto. Errei por tê-lo nomeado.
• Depois de a Lava-Jato ter prendido tanta gente, como é possível continuar havendo casos de corrupção?
A Lava-Jato cumpriu um papel importante ao mostrar que ninguém está imune à aplicação da lei. O lado negativo foi o abuso. Ela fez a alegria dos bandidos do setor privado. Eles foram soltos contando histórias sem nenhuma prova, e isso incentivou a indústria de corrupção privada. O erro da Lava-Jato foi jogar o nome de todo mundo na mesma lama. Mas tudo isso faz parte de um processo de amadurecimento.
• O senhor se sente injustiçado?
Escolhi ser político. Aprendi a viver com as circunstâncias. Não me sinto injustiçado, mas tenho o dever de esclarecer os fatos e buscar reparação dos danos que me causam. Fui prefeito do Rio de Janeiro por oito anos, e nenhum delator disse que me entregou dinheiro. Tenho tranquilidade e respondo pelos meus atos. Só não quero disputar a eleição e, durante a campanha, ter de ficar respondendo pelos atos de outras pessoas.
• O senhor era próximo de Lula. Chegou a visitá-lo na prisão?
Próximo é quando um frequenta a casa do outro e se ligam no fim de semana. Tenho gratidão ao Lula, à Dilma e ao Michel Temer. Os três ajudaram o Rio quando eu era prefeito.
• E Cabral?
Nunca mais falei com ele.
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689
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