- O Globo
Projeto do Senado ainda não pacificou o conflito em torno da ajuda aos estados, e o risco é aprofundar ainda mais a crise federativa
A proposta do senador Davi Alcolumbre não pacificou ainda a briga sobre a ajuda federal aos estados e pode ter criado a receita para aprofundar a crise federativa. Desde que foi divulgada, na quinta-feira, tem alimentado os cálculos dos estados, que montam tabelas para saber quanto ganharão ou deixarão de receber. A grande crítica feita é que a fórmula ficou confusa, o que é o caminho para que haja briga entre os estados e entre os municípios. O Senado como a casa da federação não pode fomentar esse conflito.
Governadores e secretários de Fazenda começaram a trocar mensagens com deputados logo na quinta-feira mostrando os defeitos da proposta. Nos R$ 10 bilhões de transferência direta para a Saúde, usando o critério de taxa de incidência, o maior volume foi para o Amapá, estado do senador. A ideia de dividir os R$ 50 bilhões em partes iguais para estados e municípios, passa por cima do fato de que o ICMS arrecada R$ 480 bilhões por ano, e o ISS arrecada R$73 bilhões. Não faria sentido, dizemos críticos da proposta, que a compensação seja do mesmo tamanho para perdas de dimensões diferentes. Olhando-se as fatias para cada estado pelo cálculo per capita — que o Ministério da Economia queria — há um desequilíbrio completo, alguns estados superam R$ 300 por habitante, outros R$ 80.
Contas são feitas e refeitas, mas o temor é que elas alimentem mais desentendimentos, com estados beneficiados pelos critérios defendendo a proposta, e os que se acham prejudicados ficando ressentidos com os outros. Cidades e estados brigando entre si. Câmara e Senado em disputa de queda de braço. Alcolumbre quis evitar exatamente esse cenário quando chamou a relatoria para si no meio da briga entre o ministro Paulo Guedes e o presidente da Câmara Rodrigo Maia. Ele achava que, ao ser ele mesmo o relator, ficaria mais confortável para o presidente da Câmara conduzir a votação do projeto.
A briga foi resultado da falta de diálogo do atual momento. A área econômica não gostou da proposta da Câmara dizendo que era um cheque em branco, porque ela propunha a recomposição de toda receita perdida. Estados e municípios teriam a garantia de que receberiam do governo federal o suficiente para cobrir toda a perda de arrecadação com esses dois impostos. A equipe econômica achou que assim se comprometeria com uma despesa sem valor definido, preocupação que faz todo o sentido, mas a solução poderia ter sido negociada.
O ministro Paulo Guedes escalou acusando o projeto de ser farra eleitoral e pauta bomba. O ambiente ficou ainda mais envenenado com as acusações do próprio presidente a Rodrigo Maia. O governo fora flagrantemente derrotado na Câmara na votação por 431 votos a 70, um resultado que além do mais mostrava sua fragilidade política. Parlamentares ouviram de integrantes do governo que o presidente dera ordem de que não houvesse transferência para São Paulo e Rio de Janeiro. Não sendo possível cumprir tal determinação, o que se tentou foi encontrar saídas que reduzissem a transferência.
O caminho escolhido foi o ministro Paulo Guedes falar diretamente com Alcolumbre e construir uma proposta alternativa. O projeto da Câmara foi deixado de lado. O senador tentou achar um caminho do meio. Nem a fórmula da Câmara — compensação da perda da arrecadação —nem a da Economia, que queria a divisão do dinheiro pelo critério per capita. O senador criou uma fórmula que mistura tamanho da arrecadação, com a quota-parte do Fundo de Participação, e mais o critério per capita. O resultado ficou confuso. Além disso, argumentam os críticos do projeto, esse não deveria ser o momento nem o instrumento de política distributiva. Essa é a hora de atender à emergência sanitária.
Alcolumbre marcou para hoje a primeira votação do projeto, querendo fazer o segundo turno na terça-feira. Depois o projeto volta para a Câmara. Nesse meio tempo ele tenta dialogar com os deputados, principalmente Rodrigo Maia, as adaptações ao projeto para que o texto seja aprovado.
Há uma guerra de números que, por vezes, chega a absurdos com valores que parecem sem lógica e fora da ordem de grandeza. O melhor caminho seria todos se acalmarem para melhorar o diálogo com o Congresso. Os estados e as cidades estão precisando do dinheiro o mais urgentemente possível. Essa é uma calamidade.
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