• A corte de Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo
O presidente age como se ainda estivéssemos sob a Constituição de 1824 e como se ele fosse o imperador. 'Quem manda sou eu', disse recentemente
Na extinta monarquia brasileira, conforme o artigo 99 da Constituição de 1824, “a pessoa do imperador é inviolável e sagrada” e “ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Ou seja, o imperador não respondia pelos seus atos, sendo estes, em si mesmos, a expressão da lei. Essa figura do Poder irresponsável, acima de todos os outros, foi extinta com a Proclamação da República, em 1889. A primeira Constituição republicana, de 1891, estabelece a “responsabilidade do presidente” (Capítulo V) e os diversos crimes de responsabilidade pelos quais o presidente poderia ser acusado (artigo 54), como desrespeito à Constituição e improbidade administrativa.
O presidente Jair Bolsonaro age como se ainda estivéssemos sob a Constituição de 1824 e como se ele fosse o imperador. “Quem manda sou eu”, disse recentemente Bolsonaro, invocando, pela enésima vez, um poder que ele considera ilimitado. Neste caso específico, Bolsonaro quer ter poder de nomear amigos para dirigir a Polícia Federal (PF) e fazê-la trabalhar para atender a seus interesses e aos de seus filhos, que aparecem em investigações da PF.
Bolsonaro não se conforma que outros Poderes limitem o seu, como aconteceu na quarta-feira passada, 29, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, para chefiar a PF, em razão de evidente desvio de finalidade. “No meu entender, uma decisão política. Política!”, esbravejou Bolsonaro, tentando desqualificar a decisão do ministro Alexandre de Moraes.
Com espírito imperial, Bolsonaro avisou que vai insistir na nomeação, desautorizando a Advocacia-Geral da União (AGU), que havia informado que não recorreria da decisão. O problema, como explicou a própria AGU, é que não há mais do que recorrer, já que a nomeação de Alexandre Ramagem foi tornada sem efeito pelo próprio Bolsonaro. Se quiser insistir nisso, o presidente terá que reeditar a nomeação, em franca afronta ao Supremo.
O presidente disse que “desautorizar um presidente da República com uma canetada”, em referência ao ato do ministro Alexandre de Moraes, pode levar a uma “crise institucional”, e rogou: “Eu apelo a todos que respeitem a Constituição”.
Ora, o respeito pela Constituição deve começar pelo presidente da República, cujas nomeações devem observar os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público. Bolsonaro, ao contrário, não quer que seus ministros e assessores trabalhem pelo País, e sim como despachantes de interesses privados, tanto os de sua família como os dos amigos.
O presidente vive a infernizar ministros e assessores que não se curvam a suas vontades – os ex-ministros da Saúde e da Justiça que o digam –, enquanto favorece os sabujos que, malgrado sua incrível incompetência, não lhe economizam encômios. Na corte bolsonarista, em breve quase não haverá ministros, apenas amigos do rei.
Aos cortesãos, não faltarão prebendas. Como mostrou recentemente uma reportagem Estado, o presidente Bolsonaro cobrou da Receita Federal uma solução para as dívidas tributárias de igrejas evangélicas, cujos líderes são seus entusiasmados apoiadores. A Receita descobriu que as igrejas estavam usando a remuneração de pastores, também chamada de “prebenda”, que é isenta de tributos, para distribuir participação nos lucros e pagar remuneração variável, ou seja, de acordo com o número de fiéis. Bolsonaro não viu nenhum problema em exigir pessoalmente do secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, que alivie as multas.
Esse caso ilustra bem o tipo de influência que Bolsonaro quer exercer nos órgãos da República, que, ao contrário do que pensa o presidente, devem atuar nos limites da lei e conforme o interesse público. É com esse espírito que Bolsonaro ainda pretende colocar um funcionário de sua estrita confiança na chefia da PF para transformá-la em polícia particular. Sabe-se lá onde isso vai parar, razão pela qual o Supremo vem tomando seguidas decisões que mostram ao presidente que o tempo do soberano irresponsável já passou faz mais de um século.
• O dever de falar – Editorial | O Estado de S. Paulo
A lealdade de quem ocupa cargo público é, antes de tudo, com o País e com a lei
A fala de Sérgio Moro, no Palácio da Justiça, ao pedir demissão no dia 24 de abril, surpreendeu muita gente. Em alguma medida, ela contrastou com o perfil discreto do até então ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Sérgio Moro não só pediu demissão, como expôs com clareza os motivos pelos quais ele tomou a decisão naquele momento.
Não poucos criticaram esse modo de proceder do ex-juiz da Lava Jato, alegando que seria mais correto que ele pedisse demissão calado, sem trazer a público as tensões com Jair Bolsonaro. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, por exemplo, expressou esse sentimento de desconforto com a atitude de Sérgio Moro. “Dentro da minha cultura, a forma como o ex-ministro Moro saiu não é a mais apropriada. Ele poderia simplesmente ter solicitado sua demissão”, disse o vice-presidente em videoconferência promovida pela Arko Advice. Houve até mesmo quem, avançando na crítica, tenha considerado a fala de Moro como falta de lealdade com o governo do qual, até então, ele fazia parte.
Diante dos fatos expostos pelo ex-juiz da Lava Jato, é preciso reconhecer que ele não podia se calar. O que Sérgio Moro expôs não foram divergências políticas. Tampouco ele, ao sair do Ministério da Justiça, defendeu ideias e propostas políticas pessoais. Sérgio Moro relatou reiteradas tentativas de interferência política na Polícia Federal (PF) pelo presidente da República. Como dispõe a Lei 8.112/90, é dever do funcionário público “representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder” (art. 116, XII).
Seria grave atentado contra o interesse público que Sérgio Moro, sabendo o que o presidente da República estava fazendo para interferir na Polícia Federal, saísse do cargo calado, como se não houvesse nada de irregular no governo. A lealdade que se espera e se deve exigir de quem ocupa cargo público é, antes de tudo, com o País e com a lei. A ética do Estado de Direito é muito diferente, por exemplo, da “ética” de organizações mafiosas, que exigem silêncio absoluto de seus membros para que possam se perpetuar na prática do crime.
“Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública”, diz o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, instituído pelo Decreto 1.171/94. Logo a seguir, o Código de Ética explica o motivo: “Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação”.
Não há dúvida de que, ao narrar os motivos pelos quais pediu demissão, Sérgio Moro causou forte abalo no governo. No entanto, antes de qualquer compromisso com a governabilidade ou a estabilidade de um governo, está o compromisso, repetimos, com a lei. Na verdade, a governabilidade e a estabilidade de um governo devem ter, como primeiro fundamento, o cumprimento da lei. Por isso, é dever do funcionário público não se calar quando testemunha ações ilegais.
Ao tratar do respeito à hierarquia, o Código de Ética do Executivo Federal estabelece que o funcionário público não deve ter “nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal”.
Além disso, entre os deveres fundamentais do servidor público previstos no Decreto 1.171/94, está o de “resistir a todas as pressões de superiores hierárquicos (...) que visem obter quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas em decorrência de ações imorais, ilegais ou aéticas, e denunciá-las”. Também se menciona que o funcionário público deve “facilitar a fiscalização de todos atos ou serviços por quem de direito”.
Diante da gravidade dos fatos narrados pelo ex-juiz da Lava Jato, calar-se seria grave omissão contra o Estado de Direito e o bom funcionamento das instituições. Se não expusesse tudo o que testemunhou de irregular na conduta do presidente da República, Sérgio Moro estaria permitindo que sua reputação fosse usada para encobrir ilegalidades. O bem do País exige que Moro não se cale.
• Weintraub e a sensatez do CNE – Editorial | O Estado de S. Paulo
Enquanto o ministro se vê às voltas com a Justiça, conselho age com responsabilidade
No mesmo dia em que o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, acolheu pedido da Procuradoria-Geral da República e determinou a abertura de inquérito contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por prática de racismo contra o povo chinês, o Conselho Nacional de Educação (CNE) tomou duas importantes decisões em favor dos estudantes do ensino infantil e básico, para evitar que sejam prejudicados por causa da pandemia da covid-19.
Esses dois fatos dão a medida de como a educação vem sendo gerida no País. Desde que foi nomeado para o Ministério da Educação (MEC), Weintraub se sobressaiu não pela competência técnica, mas pelas bobagens que diz nas redes sociais. No caso da agressão ao povo chinês, ele insinuou que a covid-19 faria parte de uma estratégia do governo de Xi Jinping para dominar o mundo e ridicularizou o sotaque do português falado pelos chineses que vivem no Brasil. Com isso, incorreu no artigo 20 da Lei 7.716/69, que tipifica como crime, com pena de reclusão de um a três anos, “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”.
Essa não foi a primeira vez que o ministro se meteu em confusões jurídicas, por falar tolices. Pelas críticas que fez às universidades federais, acusando-as de serem “centros de drogas e baderna”, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter ofendido a honra de alunos e professores e responde a um processo por danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões. Ele também já foi objeto de um pedido de impeachment, por “postura ofensiva e permeada de expressões de baixo calão em redes sociais”.
Enquanto Weintraub se vê às voltas com a Justiça, o CNE vem agindo com responsabilidade e sensatez. Com base num parecer relatado pela conselheira Maria Helena Guimarães Castro, ex-secretária executiva do MEC nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Temer, o órgão aprovou uma recomendação às escolas de ensino infantil, sugerindo que não reprovem os alunos neste ano por causa da covid-19. Também propôs a flexibilização do cumprimento de horas letivas obrigatórias na educação infantil. E ainda abriu caminho para que, se o segundo semestre for afetado pela pandemia, o ano escolar de 2020 possa continuar em 2021. O mais importante é que “os objetivos de aprendizagem sejam efetivamente cumpridos pelas redes de ensino, de modo a evitar o aumento da reprovação e do abandono escolar”, diz Maria Helena. O parecer segue agora para homologação do MEC.
Além disso, o CNE aprovou outra recomendação, sugerindo que o cronograma de provas dos mecanismos de avaliação de desempenho seja alterado, uma vez que a pandemia inviabilizou as atividades escolares no primeiro semestre. Um desses mecanismos é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que é a principal porta de entrada para o ensino superior público. Mesmo com o fechamento das escolas em todo o País, Weintraub insiste em manter o cronograma. Essa insistência é criticada pelos secretários estaduais de Educação, que têm sob sua responsabilidade 80% dos alunos do ensino médio. Segundo eles, como a suspensão das aulas presenciais prejudicou mais os estudantes pobres, cuja maioria estuda em escolas públicas sem acesso à internet, do que os estudantes ricos, que cursam escolas privadas, se a data do Enem for mantida não haverá condições de igualdade na disputa por uma vaga numa universidade federal. Embora o parecer do CNE não mencione o Enem, para evitar arestas políticas, ele é taxativo: “É importante garantir uma avaliação equilibrada dos estudantes em função das diferentes situações de cada sistema de ensino, assegurando as mesmas oportunidades a todos”.
Quando os primeiros pedidos de adiamento do Enem foram feitos, Weintraub, optando pelo confronto ideológico em detrimento de políticas públicas consequentes, alegou que eles eram oriundos de “partidos de esquerda”. Resta esperar que, entre um depoimento e outro na Justiça, ele reflita sobre as consequências das bobagens que fala e das decisões insensatas que adota.
E daí? – Editorial | Folha de S. Paulo
Epidemia acelera em meio a isolamento em xeque e mais descaso de Bolsonaro
Se estimar a curva aproximada de uma epidemia viral se mostra complexo em países de menor porte, o esforço assume caráter divinatório em um local como o Brasil.
Isso dito, há uma expectativa entre autoridades de saúde de que este mês de maio registrará o pico das infecções —com as óbvias divergências regionais. Natural, pois, que se questione a eficácia de medidas de isolamento social aplicadas por todo o país.
A experiência internacional tem favorecido graus diversos de fechamento e de reabertura da sociedade para o controle da curva de infecção pelo Sars-CoV-2.
Não há solução universal, como a necessidade de adoção da rigidez em Singapura provou. Mas uma coisa é certa: é o principal instrumento à mão enquanto vacinas e remédios eficazes não chegam.
No Brasil, o debate foi sequestrado a partir da insistência de Jair Bolsonaro em minimizar a Covid-19. Com 6.329 corpos até sexta-feira (1º), o presidente logra rebaixar seu patamar de humanidade e discernimento a cada semana.
Na terça passada, atingiu um novo nível do abismo ao ser questionado sobre o fato de o país ter ultrapassado a China, berço da crise, em número de óbitos.
“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, foi a pérola turva emitida pelo chefe de Estado. Nem Donald Trump chegou a tanto.
Na quinta, Bolsonaro afirmou que as restrições impostas por chefes municipais e estaduais haviam sido inúteis, apesar de haver casualidade entre elas e o ritmo da epidemia. No 1º de Maio, desejou que todos voltassem ao trabalho.
A desinformação propagada como cálculo, dado que a inevitável tragédia econômica à espreita deverá dificultar sua sobrevivência política, além de tudo é fútil.
Não se imagina imagem pior a ser associada a um político, e no presidencialismo brasileiro o titular do Planalto é destinatário de quase tudo, de pilhas de caixões a sacos com corpos pelo país.
Mas Bolsonaro —que, além de tudo, falta com a transparência ao se recusar a exibir seu próprio exame para a doença, supostamente negativo— teima, e a redução no apoio às quarentenas que se verifica pode ser ao menos parcialmente colocada em sua conta.
Estudo de brasileiros apresentado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mostra a partir do cruzamento de dados de georreferenciamento e votação de Bolsonaro em 2018 que, quando o presidente profere suas tolices, o isolamento cai mais em seus redutos.
É um pequeno exemplo, ao qual podem ser somadas inúmeras manifestações de apoio aos ditames do aspirante a curandeiro.
Enquanto isso, autoridades mais sérias se preparam como podem para o pior, como a manutenção e eventual endurecimento das regras de isolamento da cidade de São Paulo demonstram.
• Transparência na crise – Editorial | Folha de S. Paulo
STF fez bem em derrubar MP que restringia acesso a dado público durante pandemia
Em mais um necessário movimento de contenção institucional ao governo Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal derrubou, por unanimidade, os efeitos da medida provisória 928, que restringia a Lei de Acesso à Informação (LAI) durante a emergência sanitária provocada pelo novo coronavírus.
Editada no final de março, a MP sustava provisoriamente os prazos de atendimento a pedidos de dados e documentos em órgãos cujos servidores estivessem submetidos a quarentena, teletrabalho ou regimes equivalentes.
Ficavam comprometidas as demandas que dependessem de acesso presencial do funcionário que fosse analisá-las ou de agentes que estivessem diretamente envolvidos no combate à Covid-19.
Determinava-se ainda que não seriam “conhecidos”, ou seja, nem passariam por análise de mérito, recursos contra respostas negativas.
Embora o diploma já estivesse suspenso por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, a corte máxima agiu bem ao submeter o assunto ao plenário, que lhe permitiu atuar como o tribunal colegiado que de fato é —ou deveria ser com mais frequência.
Como deliberaram os ministros, a MP agredia os princípios da transparência e da publicidade, consagrados na Constituição, sob o pretexto de que as dificuldades impostas pela epidemia restringiriam a capacidade dos órgãos públicos.
Esses preceitos fundamentais da administração, devem, pelo contrário, ser reforçados no momento atual, quando os gestores públicos se encontram, em muitos casos, autorizados a dispensar licitações para a aquisição de insumos, equipamentos e serviços.
Sendo a Lei de Acesso à Informação norma que se aplica a União, estados e municípios, as restrições determinadas na MP traziam o risco de produzir um apagão geral no provimento de dados e informações de monta.
A medida, ademais, afigura-se desnecessária, já que tanto a LAI como o decreto que a regularizou têm dispositivos que podem se acionados em cenários excepcionais. Exemplo disso é o uso da justificativa de trabalho adicional, que obrigaria o órgão a paralisar atividades para responder à demanda.
Como se observou no julgamento, a MP pretendeu transformar a exceção —o sigilo— em regra.
• Dinheiro precisa chegar à rede do SUS nos estados – Editorial | O Globo
Se aprovada hoje no Senado, ajuda a estados e municípios ainda irá à Câmara, e a epidemia avança
O Senado prevê para hoje uma decisão sobre o socorro financeiro a estados e municípios. Se aprovado, seguirá para nova votação na Câmara. Poderá ser o desfecho de uma batalha entre os governos federal e estaduais sobre a forma de compensação da abrupta queda da arrecadação tributária.
O pacote de ajuda está estimado em torno de R$ 120 bilhões, com metade em repasses diretos nos próximos quatro meses e o restante na forma de suspensão de pagamento e renegociação de dívidas. Governo e Senado combinaram que haverá congelamento de salários em todo o setor público até 31 de dezembro de 2021. No dia seguinte começa o ano de eleições gerais.
Na prática, esse é um recuo do governo e do Senado em privilégio dos servidores públicos. Para manter equilíbrio com o setor privado, em que salários estão sendo reduzidos entre 25% e 70%, a Câmara havia proposto corte de 30% nas remunerações dos três Poderes. As corporações e o próprio presidente da República rejeitaram.
A maioria dos estados já se encontrava em situação de insolvência, mas a situação foi agravada pela confluência das crises provocadas pela pandemia do novo coronavírus e pelo colapso dos preços do petróleo no mercado mundial.
Houve significativa queda na receita própria de estados e municípios, num período crítico no qual é essencial não apenas manter como ampliar serviços básicos de saúde, assistência social e segurança pública. Na média, a arrecadação caiu 20% em abril. A inadimplência em algumas categorias de tributos já supera 50%, como é o caso do IPVA. Em outros, como o ISS, o declínio é proporcional ao fechamento do comércio e às taxas de confinamento nos maiores centros urbanos —vital à contenção da disseminação do vírus no curto prazo.
Sem socorro, a asfixia tributária submeteria Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, entre outros, à ampliação da atual ciranda de atrasos nos pagamentos dos salários de servidores, incluindo médicos e enfermeiros, em plena pandemia.
Nas circunstâncias, não há alternativa fora do socorro federal, como prevê o regime federativo. Porém, cabem ressalvas e vigilância na aplicação dos recursos.
É obrigação dos gestores federais, estaduais ou municipais investir prioritariamente no Sistema Único de Saúde. E é essencial, também, que os três Poderes, em todos os níveis administrativos, sejam impedidos de aumentar gastos com pessoal, principalmente com uso de artifícios, os chamados penduricalhos salariais que habitualmente inflam as folhas de pagamento de servidores situados em altos cargos da burocracia.
Exceção óbvia é o gasto com pessoal que, realmente, trabalha na linha de frente do controle da pandemia, como acertadamente prevê o projeto em debate no Senado.
• China é saída para Embraer, se ala radical do governo não atrapalhar – Editorial | O Globo
Perspectivas pós-ruptura com a Boeing são condicionadas pela inépcia na condução da política externa
O fracasso do negócio com a Boeing deixa a Embraer no dilema de tentar prosseguir no mercado sozinha ou buscar associação com outras empresas. Líder no segmento de fabricação de aviões de médio porte, com até 110 unidades de 70 a 150 assentos por ano, essa indústria de São José dos Campos (SP) tem 15 mil trabalhadores qualificados, nível de competitividade mundial e construiu reputação no desenvolvimento de tecnologias para outras indústrias nacionais.
Ela passou os últimos dois anos focada na adaptação às prioridades da compradora americana. Estava prevista a aquisição de 80% do controle da sua aviação comercial pelo preço de US$ 4,5 bilhões (R$ 24,7 bilhões). A Boeing, porém, entrou em parafuso com o desastre tecnológico do modelo 737 MAX, que resultou em 343 mortes e em uma crise de confiança na empresa. Para a Embraer, a ruptura pode ser uma oportunidade, mas ocorre numa etapa crítica, com redução de 80% no fluxo global de transporte aéreo. Legitimamente, ela agora reivindica compensações da Boeing.
Seria apenas um caso notável e exclusivamente empresarial, não fossem as circunstâncias políticas. A Embraer agora vê suas perspectivas de negociações de alianças pós-ruptura com a Boeing condicionadas pela inépcia do governo Jair Bolsonaro na condução da política externa.
O mercado chinês é uma alternativa, percebeu o vice-presidente Hamilton Mourão, cujo pragmatismo o caracteriza como voz dissonante no governo. “É um país onde a aviação regional começa a se expandir e onde a Embraer poderá ter uma parcela significativa”, disse, após reunião com a diretoria da empresa.
A Embraer tem experiência na China, com algumas frustrações num projeto local. Hoje, porém, seu principal obstáculo está no grupo de assessores, ministros e familiares de Jair Bolsonaro que, com aval tácito do presidente, militam em campanhas de hostilização do governo de Pequim. Caso emblemático é o do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sob investigação de crime de racismo contra chineses.
Essa fração radical do governo se ilude com a quimera de benefícios de um alinhamento político, unilateral, com os Estados Unidos. O chanceler Ernesto Araújo, por exemplo, se desdobra na tentativa de intervenção para impedir tanto uma aproximação da Embraer com empresas chinesas, quanto o avanço da China no mercado brasileiro de internet com a tecnologia de 5ª Geração (5G). Como ensina a História, a inépcia multiplica exponencialmente os custos das crises.
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