sábado, 2 de maio de 2020

Marcelo Trindade* - Liberalismo na pandemia

- O Globo

O fiasco sanitário não tem partido

Junto com o novo coronavírus, multiplicam-se declarações de morte ao liberalismo. O colapso do sistema de saúde revelaria que os investimentos estatais foram insuficientes no passado. A necessidade de ação dos governos provaria que os mercados não sobrevivem sem o Estado. E como Bolsonaro, enquanto ataca a saúde pública e a democracia, se diz liberal na economia, reforça as críticas ao liberalismo.

Culpar o liberalismo pelas falhas do sistema de saúde no Brasil é absurdo. O Estado brasileiro é perdulário e nunca se concentrou no que os liberais consideram suas funções primordiais — exatamente saúde, segurança e educação. Trata-se de acusar de fracasso uma proposta nunca implementada.

É como se os culpados, apanhados em flagrante, apontassem para os inocentes. Ou alguém tem dúvida de que, entre as razões para o Brasil não estar preparado para a pandemia, está a opção, feita por governos nada liberais, em torrar bilhões de reais em Copa do Mundo, Olimpíadas e obras faraônicas, aqui e até fora do Brasil, ao invés de investir em hospitais e saneamento?

Muitos dos agora revigorados críticos do liberalismo financiaram-se pela corrupção e distribuíram incentivos fiscais, inclusive para as aplicações financeiras dos mais ricos, enquanto negligenciavam os instrumentos de superação da desigualdade, como a educação básica.

Também é falsa a contradição entre liberalismo e programas de renda emergencial e de crédito para as empresas. São medidas que há muito fazem parte dos manuais de combate às crises econômicas. Quem as recusa não é liberal, é lunático.

O fiasco sanitário não tem partido. Atingiu governos de esquerda e de direita mundo afora. O país precisa planejar o futuro com base nas lições do presente, para reduzir os danos quando vier a próxima catástrofe. Isso demanda pesquisa e gestão pública eficiente, prever cenários de crise e preparar as ações a serem tomadas no caso de eles ocorrerem. Este é odever do Estado, qualquer que seja a ideologia no poder.

*Marcelo Trindade é advogado e professor da PUC-Rio

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