No sempre ponderado papel de bom conselheiro, o dito popular cansa de avisar ao apressado sobre o risco de comer cru e quente. A julgar pelos preparativos para as eleições de novembro próximo, partidos e políticos não estão preocupados em dar ouvido à chamada sabedoria de caminhão, tal a afoiteza com que têm entrado nas disputas municipais de olhos pregados em 2022.
Não que devessem descuidar da semeadura do terreno. A eleição de prefeitos e vereadores tem importância na formação das bases dos que concorrerão a deputados, senadores, governadores e presidente dois anos depois. É importante, mas não determinante. Assim atesta a série histórica desde a retomada ampla e irrestrita do voto direto.
Não vamos longe, bastam os exemplos das capitais de maior repercussão política/eleitoral: Rio de Janeiro e São Paulo. No ano que antecedeu a primeira direta para presidente, o PSDB elegeu o prefeito do Rio, o PT levou Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo e nada disso teve a ver com a vitória de Fernando Collor em 1989. Mario Covas, tucano como o também eleito em Belo Horizonte, Pimenta da Veiga, ficou em quarto lugar.
Da mesma forma, em 1994 Fernando Henrique ganhou para presidente sem que nisso tenham reverberado as eleições de Paulo Maluf (SP) e Cesar Maia (RJ) dois anos antes. Ah, foi o Plano Real, não vale? O.k., pulemos para as eleições de Lula. Na primeira, o PT estava na prefeitura paulistana (Marta Suplicy), mas no Rio sentara-se de novo o conservador/liberal Cesar Maia. Na segunda de Lula, em 2006, no Rio outra vez Cesar e em São Paulo, o tucano José Serra.
Assim viemos com alternância de aliados e adversários de presidentes e/ou candidatos ao Planalto em prefeituras de capitais. Era, e é, habitual que ao fim de uma disputa municipal se façam contas “colando” os resultados nas próximas presidenciais. Quando elas acontecem, no entanto, as análises sobre a influência de um pleito no outro revelavam-se irrelevantes e até inúteis.
A despeito das evidências, a prática não apenas se repete como toma conta com muito mais força de governistas e oposicionistas neste esquisitíssimo ano de 2020. Bolsonaro manda seus aliados espalhar a versão de que não pretende se envolver em disputas pelo poder municipal, enquanto se mostra envolvido como nunca se viu um presidente se envolver. Diz que não vai apoiar ninguém, mas age para amealhar apoios a sua reeleição e desde já engajar seus adeptos na cruzada contra adversários. Sejam eles assumidos ou meramente presumidos.
A oposição segue a mesma toada, atuando em ritmo de ensaio-geral para daqui a dois anos. Nada demais se a questão principal, o funcionamento das cidades, não estivesse quase totalmente negligenciada. Há gente, como o prefeito Bruno Covas (SP), que se recusa a nacionalizar politicamente o discurso, embora no caso dele seja fácil porque a presença de João Doria no cenário de alianças montadas de olho no futuro é autoexplicativa.
O excessivo e precipitado peso dado ao reflexo desta na próxima eleição já vimos por exemplos anteriores que será insignificante, mas pode vir a se revelar contraproducente. Partidos e políticos se movimentam tendo como referência a eleição de 2018. Além de ignorarem as especificidades do diálogo com o eleitor quando o jogo é local, não levam em conta que o ambiente mudou inteiramente em relação a dois anos atrás, e tenderá a estar ainda mais diferente quando 22 chegar.
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