- Valor Econômico
Há um risco concreto neste ano de piora do déficit primário do governo central e, ao mesmo tempo, de melhora do déficit nominal
Existe um risco concreto de uma piora do déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano e, ao mesmo tempo, de uma melhora do déficit nominal, que considera a despesa com o pagamento dos juros da dívida pública.
Esta situação inusitada poderá acontecer, em parte, porque o resultado primário em 2019 ficou em torno de R$ 70 bilhões, muito abaixo da meta, segundo estimativa do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. Os dados fiscais do ano passado serão divulgados no fim deste mês.
No ano passado, a meta de déficit primário do governo central era de R$ 139 bilhões, mas o ingresso nos cofres públicos de um volume recorde de receitas atípicas, não recorrentes, principalmente de leilões do petróleo, reduziu substancialmente o “buraco” nas contas.
Outro fator que contribuiu para a substancial melhora foi o chamado “empoçamento” de recursos, quando o Tesouro libera o dinheiros e o órgão público não consegue gastar. O “empoçamento” foi turbinado pelo fato de que o governo só acabou com o contingenciamento das dotações orçamentárias nos últimos meses de 2019, deixando pouco tempo para o dinheiro ser gasto.
Para este ano, a meta de déficit primário do governo central é de R$ 124,1 bilhões, mas o resultado efetivo, certamente, será menor do que este valor. Atualmente, as metas fiscais estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não têm correspondência com a realidade. Elas são estabelecidas para que o governo não corra risco de não cumpri-las. Esta prática foi estabelecida depois da criação do teto de gastos da União.
O tamanho do déficit primário deste ano dependerá da arrecadação tributária e das receitas atípicas que serão obtidas. A tributária está relacionada ao crescimento da economia, à inflação, ao crescimento da massa salarial e ao volume das importações, entre outros parâmetros econômicos.
Na semana passada, o governo alterou todos esses parâmetros e, consequentemente, a previsão de receita. O governo elevou sua projeção para o crescimento da economia de 2,32 para 2,4%. A estimativa da inflação subiu de 3,53% para 3,62%. O crescimento da massa salarial, que impacta diretamente a receita previdenciária, passou de 6,26% para 7,16%.
Com isso, a nova previsão de receita tributária a ser anunciada pelo governo nos próximos dias será maior do que aquela que está no Orçamento deste ano. Como as despesas da União estão submetidas ao teto de gastos, qualquer aumento da arrecadação resultará em melhor resultado primário.
O governo incluiu no Orçamento uma previsão de R$ 16 bilhões com os novos contratos de concessão das usinas hidrelétricas da Eletrobras. O problema é que há uma forte reação no Senado contrária à privatização da Eletrobras. Se essas resistências não forem vencidas, o governo terá que excluir esta receita do Orçamento, o que afetaria diretamente o resultado primário.
Diferentemente do que ocorreu em 2019, o governo poderá não contar com receitas atípicas expressivas neste ano. Dois campos de petróleo da chamada cessão onerosa (Atapu e Sépia), que não receberam ofertas no leilão realizado no ano passado, poderão ser oferecidos novamente neste ano. A receita com bônus de assinatura prevista para os dois campos era de R$ 36,6 bilhões, sendo que R$ 12,1 bilhões seriam distribuídos aos Estados e municípios. O leilão, no entanto, poderá ficar para o próximo ano, pois o governo sinalizou que pretende alterar alguns termos do edital para atrair os investidores estrangeiros.
Outras receitas atípicas poderão ocorrer, como a arrecadação de Imposto de Renda derivada de IPO (emissão primária de ações) da Caixa Seguridade, prometida para o primeiro semestre deste ano, e outras empresas públicas. A receita do Imposto de Renda com essas operações não está prevista no Orçamento.
O déficit nominal do setor público, por sua vez, vai diminuir. O resultado no ano passado já foi uma enorme surpresa, pois o mercado e o próprio governo esperavam que ele ficasse em torno de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Ele terminou em torno de 5% do PIB. E vai cair mais ainda, principalmente, por causa da redução dos juros. O Tesouro está conseguindo colocar títulos no mercado com juro real de 1% ao ano, enquanto o juro real em janeiro de 2016 estava em torno de 7% ao ano. O maior impacto da queda no custo da dívida pública ocorrerá neste ano.
Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, mais de 50% da dívida mobiliária federal gira em 12 meses, incluindo no cálculo as operações compromissadas feitas pelo Banco Central. Por esta razão, o efeito da queda dos juros sobre o custo da dívida é rápido.
Mansueto estimou uma redução de R$ 120 bilhões no custo do endividamento público neste ano, o que corresponde a 1,5% do PIB. Como o atual ciclo de redução da Selic pelo Banco Central começou em julho do ano passado, o efeito da queda dos juros sobre o custo da dívida federal será pleno em 2020. Em 2019, a redução do custo da dívida foi estimada pelo secretário em R$ 60 bilhões.
O custo da dívida vai cair também pelo pagamento antecipado pelo BNDES de empréstimos tomados junto ao Tesouro, pela venda de reservas internacionais pelo Banco Central e pela privatização de estatais federais. Essas variáveis, no entanto, ainda não são conhecidas.
O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, disse ao Valor, no fim do ano passado, que o BNDES deve pagar antecipadamente “no mínimo” R$ 100 bilhões. Mattar também informou que a meta do governo é obter R$ 150 bilhões com a venda de suas participações em empresas estatais. É difícil saber, no entanto, quanto desses recursos ingressará efetivamente nos cofres do Tesouro e poderá ser utilizado para abater a dívida pública.
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