• Novas evidências do interesse de Bolsonaro na PF – Editorial | O Globo
Fica mais inverossímil a versão de que o presidente se preocupava com sua segurança pessoal
A reunião ministerial de 22 de abril, uma quarta-feira, em que Bolsonaro ameaçou demissões em série caso não conseguisse trocar a “segurança” no Rio seria o início de uma sucessão de dissabores para o presidente. Para provar que não havia dúvidas sobre a quem ele se referia, saiu no Diário Oficial, a altas horas, a destituição do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e, no dia seguinte, o superior hierárquico de Valeixo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, leu um pronunciamento para explicar sua saída do governo, acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF por interesses pessoais. Um atentado à necessária separação republicana entre governo e Estado.
Aberto um inquérito pelo ministro do Supremo Celso de Mello, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, passaram a surgir evidências que confirmam a intenção de Bolsonaro de intervir na PF, para a defesa “da família e amigos”. Enquanto se espera a decisão do ministro sobre se divulgará a íntegra do vídeo da reunião ou apenas partes dele, constatações tornaram mais insustentáveis a versão construída de que o presidente se referia à sua segurança pessoal e da família.
O relato já nascera fragilizado porque para ele ser veraz o ministro a ser defenestrado seria Augusto Heleno, do GSI, responsável pela segurança presidencial, mas o demitido foi Moro, sob quem estava a PF. Qualquer dúvida seria eliminada pela reportagem do “Jornal Nacional”, da TV Globo, revelando que o presidente tanto não estava desgostoso de sua segurança que, em 26 de março, promoveu o diretor deste serviço no GSI, André Laranja de Sá Corrêa, a general de brigada, transferindo-o para o comando da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada do Exército, em Pelotas (RS).
Outro ângulo de abordagem dos interesses de Bolsanaro na Polícia Federal leva a inquéritos instaurados também no STF, conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes, sobre a usina de produção de fake news contra o Supremo e magistrados da Corte, e acerca da organização e financiamento de manifestações antidemocráticas. Essas investigações teriam encontrado digitais de filhos do presidente e de pessoas do chamado “gabinete do ódio”, que operaria no próprio Planalto na produção de ações no mundo digital. É a PF que trabalha nos casos.
Mais um provável motivo de cuidados do presidente com a PF foi revelado pelo empresário Paulo Marinho, em entrevista à “Folha de S.Paulo”. Marinho atuou na linha de frente da campanha. Disse que ouviu do senador Flávio Bolsonaro que, logo depois do primeiro turno, um delegado da PF revelou a um assessor dele que a Operação Furna da Onça iria às ruas, para investigar esquemas de “rachadinha” na Alerj (subtração de parte do salário de assessores dos deputados).
Por ordem de Jair Bolsonaro, foram logo demitidos Fabrício Queiroz do gabinete do deputado estadual Flávio, e Nathalia Melo de Queiroz, filha de Fabrício, da assessoria do futuro presidente na Câmara dos Deputados. Pode ser que isso tenha reforçado o interesse do presidente em controlar a PF.
• Ampliar protocolo para uso da cloroquina é irresponsabilidade – Editorial | O Globo
Ex-ministro diz que prescrever medicamento em casos leves poderá aumentar mortes em casa
Desde que o novo coronavírus começou a fazer vítimas na China, no fim ano ano passado, disseminando-se rapidamente por todo o planeta, procura-se uma bala de prata para aniquilar esse inimigo que já matou mais de 300 mil pessoas no mundo. Diante da urgência para estancar a escalada de mortes, a todo momento surgem medicamentos anunciados como eficazes contra a Covid-19, embora careçam de comprovação científica. O caso mais conhecido é o da cloroquina, que se tornou uma obsessão do presidente Jair Bolsonaro.
Embora o ex-ministro da Saúde Nelson Teich não tenha revelado a razão de sua saída antes de completar um mês no cargo, sabe-se que entre os motivos estava a pressão do presidente para que o ministério liberasse o uso da cloroquina desde o início do tratamento. O que ele já havia tentado impor sem sucesso ao antecessor, Luiz Henrique Mandetta. Agora, abre-se uma possibilidade real, com a interinidade do general Eduardo Pazuello na pasta. O presidente já teria ordenado que ele assine um novo protocolo que amplia o uso do medicamento em pacientes com Covid-19 — atualmente, o ministério só o recomenda para doentes em estado grave —, o que é uma irresponsabilidade, para se dizer o mínimo.
Bolsonaro não tem qualificação técnica que lhe permita impor qualquer tipo de protocolo a um órgão como o Ministério da Saúde, que coordena as ações de combate à Covid-19 no Brasil. O argumento de que a decisão se baseia num parecer do Conselho Federal de Medicina é falso. Em abril, o CFM autorizou médicos a prescreverem a cloroquina em qualquer estágio da doença, desde que os pacientes sejam informados sobre os graves efeitos colaterais — como as arritmias cardíacas — do medicamento usado originalmente para tratamento de malária, lúpus etc. Ou seja, o órgão permitiu, não recomendou. O ex-ministro Mandetta disse, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, que o uso da cloroquina em pacientes com sintomas leves de Covid-19 pode provocar mortes em casa por arritmia.
A questão não é apenas a ineficácia, mas a letalidade. Um estudo da Universidade de Virgínia, nos EUA, apontou maior número de mortes em pacientes tratados com a hidroxicloroquina, isoladamente ou em coquetéis. A Fiocruz já havia chegado à mesma conclusão.
Politizar uma epidemia ou um medicamento, como faz o presidente, é atuar para levar mais pessoas às emergências e aumentar o número de mortes, que já passa de 16 mil no país. No campo da ciência, ainda não há uma bala de prata contra a Covid-19. Sem vacinas ou drogas apropriadas, o remédio para conter a disseminação da doença, segundo especialistas, é o isolamento social. Solução que não faz parte do infundado receituário de Bolsonaro.
• O risco Bolsonaro e o mercado – Editorial | O Estado de S. Paulo
Atuação do presidente tem provocado péssimo efeito na economia, assustando investidores e convertendo o Brasil em zona de perigo
O maior risco para o País é a saída do governo do ministro da Economia, Paulo Guedes, segundo gestores do mercado financeiro ouvidos em recente pesquisa do Bradesco BBI. O perigo de uma segunda onda do novo coronavírus aparece em seguida na escala das preocupações. Mas por que o ministro deixaria o posto? A resposta a essa pergunta remete ao principal fator de insegurança, o presidente Jair Bolsonaro. Além de prejudicar o combate à pandemia, sua atuação tem provocado péssimos efeitos na economia, elevando a incerteza, assustando investidores e convertendo o Brasil em zona de perigo. Pressionado com frequência pelo presidente, por seus aliados e também por outras figuras do Executivo, o chefe da equipe econômica foi visto no mercado, durante semanas, como a bola da vez no jogo das demissões. Ele sobrevive, mas o temor permanece.
O próximo ministro da Saúde, é difícil duvidar, será submisso aos interesses do presidente da República e a seus pontos de vista contrários à ciência e à prática médica. O desastre será mais amplo se também o Ministério da Economia ficar subordinado, integralmente, às conveniências pessoais e familiares do chefe do Executivo. Basta pensar nas negociações com o Centrão para entender os temores de muitos agentes do mercado.
Além da esperada negociação, já iniciada, de postos no governo e nas empresas federais, os objetivos eleitorais poderão afetar os fundamentos da economia. Isso ocorrerá se for afrouxado o programa de ajustes fiscais e de reformas. Esse programa, segundo os compromissos conhecidos até hoje, deverá ser integralmente retomado no próximo ano, depois de esgotada a fase de calamidade fixada em lei. A partir daí, e com as contas públicas já severamente afetadas pelas medidas emergenciais, será preciso iniciar um duro e indispensável trabalho de arrumação.
A confiança na execução desse trabalho é fundamental para a avaliação de risco do Brasil. As expectativas, no entanto, são inevitavelmente afetadas quando o presidente mantém a política em estado de crise, latente ou explícita, com pressões contra seus ministros e agressões a representantes do Judiciário e do Legislativo ou diretamente a esses Poderes.
Efeitos dessa crise permanente são facilmente visíveis na fuga de capitais e na depreciação do real. A valorização do dólar, de cerca de 45% neste ano, até a metade de maio, acrescentou mais de R$ 900 bilhões à dívida externa de empresas e instituições bancárias brasileiras. Com isso, o endividamento, medido em moeda nacional, saltou de R$ 1,939 trilhão em janeiro para R$ 2,846 trilhões neste mês, segundo dados do Banco Central (BC). A variação decorreu quase exclusivamente do câmbio, porque poucos empréstimos foram tomados nesse período. A situação, também de acordo com o BC, é particularmente complicada para as empresas – cerca de 20% – desprovidas de mecanismos de defesa contra a variação cambial.
Esse é um bom exemplo dos danos causados ao setor empresarial pelas ações do presidente, orientadas por seus objetivos eleitorais e por suas preocupações com familiares e companheiros.
Em menos de um ano e meio nove ministros foram demitidos ou se demitiram. Em menos de um mês saíram dois ministros da Saúde, por discordarem das orientações anticientíficas e perigosas do presidente, e um ministro da Justiça, por discordar de interferência política na Polícia Federal, órgão de Estado em princípio imune a interesses de governantes.
Afastado o ministro da Justiça, o ministro Paulo Guedes foi apontado no setor financeiro como o próximo alvo de seu chefe. O ministro sobrevive e tem sido ocasionalmente prestigiado em momentos mais críticos para o presidente. Mas a insegurança no mercado permanece. Não está em jogo apenas a manutenção da responsabilidade fiscal. Se a economia for reaberta de forma precipitada e atabalhoada, sem atenção ao risco sanitário, o episódio seguinte, como se viu em outros países, poderá ser um novo tombo. Haverá mais atraso na recuperação, como sabe o mercado. Também isso o presidente ignora.
• Quem é o irresponsável – Editorial | O Estado de S. Paulo
O presidente Bolsonaro mostra-se conivente com a pior face do corporativismo público
No dia 6 de maio, o Congresso aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 39/2020, congelando salário de servidores pelos próximos 18 meses, tendo em vista a dificílima situação das contas públicas causada pela pandemia do novo coronavírus. O congelamento foi a contrapartida para o repasse de R$ 60 bilhões da União a Estados e municípios. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro posterga a sanção do projeto de lei, dando margem para que sejam concedidos aumentos ao funcionalismo. Além de evidente descaso com o esforço do Legislativo para não agravar ainda mais a situação das finanças públicas, o presidente Jair Bolsonaro mostra-se conivente com a pior face do corporativismo público, que, sem maiores pudores, se aproveita da atual situação do País para expandir seus proventos.
Quem primeiro aproveitou o atraso do presidente Bolsonaro na sanção do PLP 39/2020 foram as Polícias do Distrito Federal (DF), que no dia 13 de maio conseguiram um aumento de 8% a 25%. Com um custo de R$ 505 milhões por ano, a proposta prevê também pagamentos retroativos a janeiro de 2020. Diante da atual situação do País, o reajuste é simplesmente imoral.
O presidente Jair Bolsonaro teve participação direta no aumento das polícias do DF. No fim do ano passado, chegou-se a anunciar a publicação de uma medida provisória para tal fim. Após o Estado/Broadcast revelar pareceres da área econômica alertando para os riscos de ilegalidade, já que as despesas não estavam previstas no Orçamento, Jair Bolsonaro recuou e a medida não foi editada. No entanto, como agora ficou evidente, o presidente não deixou de ser conivente com a pressão corporativista.
E, como se sabe, irresponsabilidades fiscais nunca vêm sozinhas. Na aprovação do aumento das Polícias do DF, foi incluído reajuste para policiais militares de Roraima, Rondônia e Amapá, ativos e inativos. Segundo o relator da proposta, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), todos esses aumentos constituíam uma matéria “única”. Sim, todos padeciam da mesma imoralidade.
Na esfera estadual, o funcionalismo também tem sido hábil em aproveitar a janela de oportunidade dada por Jair Bolsonaro. A Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso aprovou projeto concedendo aumento de salário para os postos mais altos do governo do Estado. A medida afeta 1,7 mil funcionários com cargos de confiança do governo. Com a aprovação, a remuneração de um dos cargos comissionados dobrou, de R$ 6.287,82 para R$ 12.775,63. Contrário à aprovação do aumento, o deputado Ulysses Moraes (PSL-MT) reconheceu ao Estado que a demora do presidente Jair Bolsonaro em sancionar o PLP 39/2020 foi decisiva para a aprovação do projeto. “A pressa foi tanta com o projeto que chegaram a convocar uma votação no sábado”, disse Novaes.
Também houve aumento de salário do funcionalismo na Paraíba. Por unanimidade e em caráter de urgência, a Assembleia Legislativa aprovou reajuste salarial de 5% para servidores públicos estaduais, ocupantes de cargos ou empregos públicos de provimento efetivo, ativos, inativos e pensionistas. No Amapá, com a possibilidade de congelamento dos gastos com pessoal, o Legislativo estadual deu andamento a projeto de lei alterando a estrutura administrativa do Tribunal de Contas do Estado, com a criação de novos cargos.
Ao ser aprovado o aumento para servidores estaduais na Paraíba, o líder do governo na Assembleia, deputado Ricardo Barbosa (PSB), disse que a medida “comprova a preocupação da Casa em garantir o bem-estar dos servidores nesse momento de incertezas”. É evidente a diligente preocupação com o funcionalismo. O que não se tem visto, especialmente por parte do presidente da República, é a preocupação com o restante dos brasileiros.
O País vive uma situação drástica por força da covid-19, com desastrosos efeitos sociais e econômicos. No entanto, o presidente Bolsonaro postergou a sanção de projeto de lei, garantindo que corporações de funcionários públicos ampliem seus vencimentos em plena pandemia. Alheio ao interesse público, o presidente opta por mimar seus grupelhos eleitorais. O resto da Nação que se dane.
• Um país doente – Editorial | O Estado de S. Paulo
Pelo comportamento de seu líder, Brasil pode ser preterido na distribuição da cura
No fim de abril a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma iniciativa global – Access to Covid-19 Tools (ACT) Accelerator – para promover o desenvolvimento, produção e acesso equitativo a novos diagnósticos, terapias e vacinas contra a covid-19. O Brasil não só não se prontificou a colaborar, como poucos dias depois o presidente da República acusou a OMS de estimular a masturbação e a homossexualidade na primeira infância. Na posição em que está, o País não só perde a oportunidade de colaborar no combate global à pandemia, como corre o risco de ser preterido no processo de distribuição de eventuais vacinas e tratamentos.
Cientistas do mundo inteiro estão acelerando num ritmo sem precedentes a busca pela cura da covid-19. Desde janeiro o número de publicações tem dobrado a cada 14 dias. Após os testes laboratoriais pré-clínicos, vacinas e tratamentos são submetidos a quatro fases de testes com humanos antes de serem liberados. No momento, há seis vacinas na Fase 1 e dois medicamentos na Fase 3 – um deles, o antiviral remdesivir, já autorizado para uso emergencial nos EUA.
Mas não é suficiente encontrar e testar as fórmulas. Uma distribuição rápida e eficaz impõe desafios políticos e econômicos. A indústria farmacêutica precisa despender bilhões de dólares construindo fábricas para produzir vacinas. Como admitiu Bill Gates, cuja fundação coordena esforços pela busca da vacina, muitos desses bilhões serão perdidos. Considerando a projeção de perda de milhões de vidas e trilhões de dólares para a economia global, é um custo que vale a pena. Mas para mitigá-lo e potencializar uma distribuição rápida e equitativa a coordenação internacional é indispensável.
O Acelerador ACT da OMS foi projetado com este propósito. A iniciativa reúne governos, agências internacionais e fundações privadas. Líderes de 40 países já apoiaram a iniciativa. Só a União Europeia se comprometeu a fazer um aporte de 7,4 bilhões de euros.
Cientistas brasileiros estão fazendo a sua parte. Em meados de abril, o Estado apurou que existem mais de 70 estudos sobre o coronavírus em andamento. O País tem uma grande indústria de vacinas. Com efeito, o desenvolvimento científico no Brasil nasceu no início do século passado motivado pelo combate a epidemias e endemias encabeçado por pioneiros como Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, Carlos Chagas e Adolfo Lutz. A OMS, por sinal, foi criada a partir de uma proposta de diplomatas brasileiros, em 1946, e foi liderada por 20 anos (1953-1973) pelo médico brasileiro Marcolino Candau. Agora, setores das ciências no Brasil se mobilizam para tentar convencer o governo a integrar o seu Acelerador ACT.
Mas o presidente e seus correligionários atuam na contramão desses esforços. Recentemente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, tentou desqualificar o diretor da OMS, Tedros Adhanom, com o argumento espúrio de que ele não foi eleito pelo povo brasileiro. Em menos de um mês, seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, provocou a demissão de dois ministros da Saúde por se recusarem a seguir orientações contrárias à OMS e à comunidade médica.
Bolsonaro tem sido apontado por algumas das principais publicações mundiais (entre elas a revista médica The Lancet) como o “líder do negacionismo global” e “a maior ameaça ao combate ao vírus no Brasil”. Muito além do anedotário, há o risco real de o País ser isolado pela comunidade internacional como um foco da covid-19 e uma ameaça para o mundo. Estudo recente do Imperial College de Londres mostrou que o Brasil tem a maior taxa de contágio, e é possível que em pouco tempo se torne o epicentro da crise global.
A sociedade civil e as instituições republicanas precisam se mobilizar urgentemente para neutralizar o obscurantismo do Planalto e integrar o País à cooperação internacional na busca pela cura. Se o imperativo moral de solidariedade global não bastasse, o mero pragmatismo o exige: a exclusão do País desta cooperação pode excluir milhões de brasileiros da cura.
• Novas pistas – Editorial | Folha de S. Paulo
Depoimento de ex-aliado aumenta suspeitas sobre Bolsonaro e impõe investigação
As afirmações feitas pelo empresário Paulo Marinho no fim de semana representam uma contribuição essencial para o aprofundamento das investigações sobre as tentativas de interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal.
Em entrevista à Folha, o empresário relatou episódio que diz ter ocorrido na campanha eleitoral de 2018 —e que pode ajudar a entender por que o presidente buscou com tanta insistência substituir o superintendente da PF no Rio após chegar ao poder.
Segundo Marinho, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) lhe contou que, a poucos dias do segundo turno da eleição, foi avisado por um delegado de que seu assessor Fabrício Queiroz seria atingido por uma operação policial prestes a ser deflagrada.
A ação tinha como objetivo investigar movimentações financeiras extravagantes encontradas nas contas de Queiroz e outros funcionários da Assembleia Legislativa do Rio, onde o filho mais velho de Bolsonaro exercia mandato.
Conforme a narrativa de Marinho, o delegado informou também que a operação só seria deflagrada após o fechamento das urnas, evitando-se assim o desgaste que poderia criar para Flávio e seu pai na reta final da campanha.
Aliado de primeira hora que fez parte do círculo íntimo dos Bolsonaros e depois rompeu com a família, Marinho será chamado a depor e promete apresentar provas do que diz às autoridades.
O adiamento da operação foi decidido em acordo com o Ministério Público Federal em 2018, e é certo que beneficiou outros políticos, como observou o juiz responsável pelo caso, Abel Gomes.
Mas nada pode justificar o suposto vazamento de informações sigilosas da investigação para a família Bolsonaro, que parece ter ganho assim tempo precioso para mobilizar advogados, discutir estratégias e avisar Queiroz antes que a polícia batesse à sua porta.
Se o presidente nunca escondeu o desejo de fazer mudanças na estrutura da PF no Rio, seus motivos permanecem obscuros, e esclarecê-los é tarefa do inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal para escrutinar as acusações do ex-ministro Sergio Moro.
Desde o estrepitoso rompimento do ex-juiz da Operação Lava Jato com o governo, tudo que Bolsonaro tem feito é buscar subterfúgios para contornar perguntas incômodas como as suscitadas pelo vídeo que registra sua reunião com o ministério em 22 de abril.
Ao dizer que nunca se importou com as investigações em curso na PF, o presidente soa pouco convincente. O substancioso relato de Marinho aumenta a desconfiança, e caberá aos investigadores examinar com rigor as novas pistas.
• Pesquisar a Covid-19 – Editorial | Folha de S. Paulo
São absurdos obstáculos enfrentados por equipes que estudam coronavírus no país
Conhecer a prevalência do novo coronavírus na população brasileira —algo impossível por meio das estatísticas oficiais, turvadas por grave subnotificação— constitui passo fundamental para o enfrentamento adequado da Covid-19.
Apenas com dados mais precisos torna-se possível realizar projeções acuradas sobre o avanço da epidemia, descobrir quais as regiões mais atingidas, planejar medidas de contenção e, em última instância, decidir quando os brasileiros poderão retomar suas atividades cotidianas com segurança.
Para suprir essa carência, teve início na semana passada imenso estudo populacional, capitaneado pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e financiado pelo Ministério da Saúde. Dividida em três fases, a pesquisa testará 99.750 pessoas de 133 municípios de todas as regiões, para descobrir quem já teve contato com o patógeno.
Dessa forma será possível, entre outras coisas, estimar a parcela da população com anticorpos para o Sars-CoV-2, medir a velocidade de expansão do vírus em diferentes áreas do país, descobrir o percentual de infecções assintomáticas e determinar a taxa de letalidade
Nesta primeira fase do projeto, contudo, equipes em diversas cidades têm sido surpreendidas por situações entre lamentáveis e absurdas, que dificultam e até impedem a correta execução da tarefa.
Segundo relatos, pesquisadores foram detidos pela polícia para prestar esclarecimentos, proibidos de cumprir suas funções pelas prefeituras e agredidos nas ruas; testes foram apreendidos e destruídos e, em casos extremos, algumas equipes foram obrigadas a abandonar municípios.
Aparentemente, a principal razão de tais despautérios foi a deficiência de comunicação. Cabe ao Ministério da Saúde informar as cidades escolhidas para a realização dos testes, mas, em muitos casos, tudo indica que isso não ocorreu —uma falha inadmissível.
Os atos de violência, incluindo detenções e destruição de testes, contudo, extrapolam possíveis mal-entendidos. Suas causas devem ser apuradas, e os culpados, punidos.
A pesquisa já foi realizada, de forma piloto, no Rio Grande do Sul. Por ela, soube-se, por exemplo, que a taxa de infectados entre os gaúchos é de 9 a 12 vezes o número oficial. Para que seja possível descortinar o quadro nacional, cumpre que sejam dadas aos pesquisadores, ao menos, condições para prosseguir seu trabalho.
• Indicadores de bem-estar já eram ruins e vão piorar – Editorial | Valor Econômico
A covid-19 lega aos sobreviventes problemas que se arrastam por anos e vão seguir pressionando os serviços de saúde
Desde que o novo coronavírus aterrissou no país, mostrou que deixará muito piores os já precários indicadores de bem-estar da população. Seus efeitos devastadores na economia e no mercado de trabalho não deixam muitas dúvidas sobre isso.
Um exemplo significativo é o do acesso à internet. Em tempos de isolamento social, a disponibilidade de conexão rápida e de equipamentos adequados acaba determinando se a pessoa conseguirá trabalhar à distância, descobrir oportunidades de trabalho remoto ou conseguir utilizar canais de venda on-line para oferecer seus produtos, se for um autônomo.
O mesmo fator viabiliza ou não o ensino à distância. Desde que as escolas, inclusive as públicas, aderiram às aulas à distância, não cessam as reclamações dos estudantes a respeito da dificuldade ou até mesmo impossibilidade de obter o conteúdo das aulas, de baixar apostilas, enfim, de prosseguir com os estudos. O problema é muito mais severo entre os mais pobres.
O mais recente suplemento de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), da Pnad Contínua confirma que a renda influencia o acesso à internet. O levantamento mostrou que 20,9% dos domicílios brasileiros não tinham ligação com ela em 2018, o que significava quase 15 milhões de lares, ou 60 milhões de pessoas, pelo menos metade crianças em idade escolar. A grande maioria (99,2%) só dispunha do celular para acessar a rede. Microcomputador só era usado em 48,1% dos domicílios. Esses problemas não comoveram o ministro da Educação, Abraham Weintraub que, pelo menos até agora, manteve o calendário de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Falta de interesse (34,7%), custo elevado (30,1%) e desconhecimento foram os principais motivos informados para a ausência de ligação com a internet, além da não disponibilidade do serviço (7,5%). O rendimento real médio per capita dos domicílios com utilização da internet (R$ 1.769) foi quase o dobro do dos que não a utilizavam (R$ 940).
A limitação de acesso à internet, ao lado da inexistência de relações com os bancos, é também um dos motivos das longas filas na Caixa Econômica Federal de trabalhadores em busca do auxílio emergencial de R$ 600. Sem condições de realizar a inscrição por meio do aplicativo, muitos tiveram que se deslocar até um ponto de atendimento pessoal.
Lavar as mãos com frequência, uma das recomendações básicas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenir o contágio pelo novo coronavírus, é uma dificuldade para pelo menos 24 milhões de pessoas, que moram nos 6 milhões de domicílios ligados à rede geral de distribuição que não recebem água todos os dias - 11,5% do total de habitações com acesso à rede.
Em pior situação podem estar os 20,2 milhões de domicílios que nem água ligada possuem. No caso do esgoto, igualmente importante para o saneamento básico, nada menos do que 31,7% dos domicílios não dispunham de acesso à rede geral, de acordo com o IBGE.
Em relação à desigualdade social propriamente dita, a previsão é que a pandemia vai abortar a expectativa de melhora sinalizada no ano passado. Em 2019, o IBGE calculou que o índice de Gini da renda domiciliar per capita ficou em 0,543, abaixo dos 0,545 em 2018 - o indicador vai de zero a um, sendo zero a igualdade perfeita. Mesmo que pequena, a redução do índice de Gini fora a primeira desde 2015, quando estava em 0,524, o menor da história recente.
Outro dado que explicita a desigualdade no país é a concentração da massa do rendimento médio mensal real domiciliar per capita. Em 2019, ela cresceu para R$ 294,4 bilhões, sendo que a fatia dos 10% mais pobre possuía 0,8% do total, enquanto os 10% com os maiores rendimentos concentravam 42,9%. Os rendimentos médios mensais dessa faixa de 10% mais ricos superou a proporção detida por 80% da população (41,5%).
Como se tudo isso não bastasse, os indicadores de saúde devem certamente ser afetados pela pandemia, apesar dos investimentos que estão sendo feitos a toque de caixa. O coronavírus se aproveita de sequelas já existentes, as “comorbidades”, como obesidade, também um efeito da pobreza (não só dela), que colocam as vitimas nos grupos de risco, como deverá deixar uma série de outras em seu rastro. A covid-19 lega aos sobreviventes problemas que se arrastam por anos e vão seguir pressionando os serviços de saúde.
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