terça-feira, 19 de maio de 2020

Míriam Leitão - A politização da economia

- O Globo

Guedes tem politizado o seu ministério ao se lançar contra adversários do presidente. Deveria ser o ponto de equilíbrio

O pior que pode acontecer no meio de uma crise é a politização do Ministério da Economia. E é o que está acontecendo na gestão de Paulo Guedes. Quando o ministro dispara sua retórica cheia de ofensas aos supostos adversários do presidente, ele está sendo parte do problema e não da solução. A demora na sanção do projeto de socorro aos estados decorre do fato de que o programa passou a ser parte do arsenal na briga contra o isolamento social. Não faz sentido usar isso na queda de braço com os governadores.

As suas frases de imagens fortes e sempre com sujeito indeterminado são feitas sob medida para fortalecer o presidente Jair Bolsonaro na guerra perigosa que ele trava com os estados. “Vamos nos aproveitar de um momento de gravidade, uma crise na saúde, e vamos subir em cadáveres para fazer palanque? Vamos subir em cadáveres para arrancar recursos do governo? ”, disparou ele na sexta-feira, no balanço dos 500 dias de governo.

Ele ajudaria se dissesse de quem está falando. Quem está transformando tudo em palanque, desde o início? Se ele olhasse para o presidente Jair Bolsonaro, acertaria a resposta. O dinheiro não é do governo federal, é dos contribuintes. A dívida, se for contraída, será em nome dos brasileiros. Este é o momento em que necessariamente teria que haver uma solidariedade entre a União e os entes federados que estão na frente de combate contra a pandemia. O Ministério da Economia nestes momentos de crise precisa ser um ponto de equilíbrio comprometido principalmente com seus princípios e pontos inegociáveis.

Há bons quadros técnicos no Ministério que seguem fazendo seu trabalho, mas o ministro tem dado sempre um tom político e exaltado nas suas intervenções públicas, replicando o estilo do chefe. E vamos convir que ninguém precisa pôr mais lenha nesta fogueira que é acesa diariamente por Jair Bolsonaro.

Na questão do congelamento do salário do funcionalismo, ele atirou para todos os lados — Congresso, estados, servidores — e esqueceu, pelo visto, que o grande problema veio do próprio governo. Guedes não conseguiu convencer Bolsonaro de que deveria propor a redução salarial dos servidores federais. Também não conseguiu fazer um projeto próprio de congelamento. Por isso, negociou para que fosse incluída a proibição dos reajustes dentro do projeto do senador Davi Alcolumbre. Mas, para seu desgosto, o próprio líder do governo, falando em nome do presidente, votou a favor de livrar uma lista grande de categorias. Em vez de se voltar contra essa contradição interna do governo, ele ataca. “É inaceitável que tentem saquear o gigante caído, que usem a desculpa da saúde para saquear o Brasil.” Ora, se tivesse unificado a linguagem do governo ele poderia pôr sempre a culpa em terceiros.

Quando foi aprovado o projeto na Câmara, em abril, o presidente Bolsonaro atacou diretamente o deputado Rodrigo Maia. O ministro fez coro. Bolsonaro disse que Maia estava “conduzindo o Brasil para o caos” e que o deputado queria tirá-lo do governo. O ministro poderia ter sido água nessa fervura. Se tivesse negociado antes a proposta da Câmara poderia, quem sabe, evitar a conta em aberto que dizia ser a proposta de compensação das perdas do ICMS e ISS. Guedes preferiu dizer que o modelo era “irresponsável”, um “cheque em branco”, e uma “farra fiscal” e passou a trabalhar para ignorar o projeto no Senado. Rodrigo Maia havia sido o grande aliado para a aprovação da reforma da Previdência. Mas a briga agradava bastante Bolsonaro, que naquele momento disparava contra o presidente da Câmara, até com o velho método de ter sempre um adversário na algibeira.

Há muito o que o Ministério da Economia possa fazer para ajudar a apaziguar o país no meio desta crise, se ele entender que não pode ser parte da artilharia lançada contra os supostos adversários políticos. Ele, como presidente do Confaz, conselho que reúne os secretários de fazenda dos estados, poderia, por exemplo, ajudar nessa interlocução federativa.

Quando, na teleconferência com empresários, pede a eles que usem o fato de serem “financiadores de campanha”, para pressionar o Congresso a apoiar o governo, ou quando participa da caravana do lobby industrial sobre o STF, o ministro vira parte da confusão. O Ministério da Economia precisa ser técnico e saber exatamente quais são seus objetivos na economia.

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