quarta-feira, 24 de junho de 2020

Prisão de Queiroz coloca em xeque estratégias de Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico

Recurso ao populismo econômico pode ser o complemento à aliança com o centrão

Tudo o que o presidente Jair Bolsonaro conseguiu com suas agressões às instituições e pregações golpistas foi limitar drasticamente sua própria margem de ação. A prisão do velho amigo Fabrício Queiroz, ligado a milícias e ao escândalo das rachadinhas que envolve o senador Flavio Bolsonaro, na casa do advogado do presidente, Frederick Wassef, tende a tornar Bolsonaro refém das investigações, imobilizar seu governo e, no limite, afastá-lo da Presidência. O passado voltou mais uma vez para assombrá-lo.

Arrogância e prepotência, mais manias de perseguição e espírito de clã, levaram sempre o presidente a proteger seus filhos de encrencas que podem expulsá-lo do Palácio do Planalto. Em tese, o presidente não tem nada a ver com as ilegalidades cometidas por eles, a menos que aja para atrapalhar a Justiça e os absolva a priori, como Bolsonaro tem feito o tempo todo.

A primeira reação de Flavio Bolsonaro, na mira da lei como provável chefe de organização criminosa, foi a de imediatamente atribuir a detenção de Queiroz à perseguição política contra o presidente, colocando o Planalto como parte de um enredo em que se misturam roubo de dinheiro público, lavagem de dinheiro com loja de chocolates, enriquecimento ilícito e milícias assassinas do Rio de Janeiro. Já o advogado de Bolsonaro e de Flavio, Frederick Wassef, optou pelo teatro do absurdo. Disse que não falava com seu hóspede, Queiroz, e que tudo tinha sido uma armação, depois de passar meses a fio negando seu paradeiro.

Em seu quinto dia de governo a quebra do sigilo de Queiroz revelara depósito de R$ 24 mil de seu amigo de três décadas na conta da primeira dama, Michelle Bolsonaro. Flavio empregava funcionários em seu gabinete de deputado estadual para que eles lhe dessem parte do salário, a “rachadinha”, segundo o Ministério Público. Jair Bolsonaro empregava em seu gabinete de deputado federal pessoas que lhe prestavam serviços fora do Congresso, com o contribuinte pagando os salários - como a “Val do Açaí” e Nathália Queiroz, filha de Queiroz, que de 2016 a 2018 recebeu seus proventos em Brasília enquanto exercia no Rio sua vocação de “personal trainer”.

O trio da fuzarca familiar e o presidente estão em maus lençóis. Flavio deve ser indiciado em breve. O inquérito do Supremo Tribunal Federal caminha em direção a Eduardo e Carlos, à medida que avançam as investigações sobre fake news, “gabinete do ódio” e financiamento de manifestações contra a democracia. O STF decidiu que a lei não dá privilégio de foro para o vereador Carlos. O presidente da República não se dissociou dos filhos, e é conivente com eles, enquanto coloca o Supremo como inimigo. E em suas declarações públicas chega perto da defesa de Queiroz.

A apreensão de documentos e celulares de Queiroz e de pessoas ligadas a Flavio trará muita coisa à tona. O MP apurou que Queiroz, que atuava em Rio das Pedras com transporte de vans, tinha relações estreitas com o miliciano Adriano da Nóbrega, morto na Bahia e que dinheiro vinha de pizzarias de familiares de Nóbrega para o bolso de Queiroz. Já em destino ignorado, Queiroz recebeu pedidos para intervir junto às milícias da região. A união de Queiroz com Flavio, que condecorou Nóbrega, defendido pelo deputado Jair Bolsonaro, traz o submundo das milícias para perto do presidente.

A bomba Queiroz pode também explodir apoios reais ou potenciais do presidente. Os militares podem até comungar dos valores conservadores de Bolsonaro e colocar reparos à atuação do STF, mas dificilmente aceitariam o desgaste de fazê-lo para defender contravenções, roubo do dinheiro público e bandidos à margem da lei.

A guinada do presidente em direção aos partidos do centrão para evitar um eventual impeachment não é garantia de nada, embora custe caro. Bolsonaro aliena parte de seus adeptos que acreditaram na lorota de sua pregação contra a corrupção, por um lado. Por outro, o centrão apoiou, integrou o governo de Dilma Rousseff e depois ajudou a derrubá-la. A popularidade de Bolsonaro tende a definhar mais com o avanço da pandemia, a destruição da pasta da Saúde e com a ruína da Educação pelo fanatismo ideológico e ignorância.

Nesta altura, o recurso ao populismo econômico pode ser o complemento à aliança com o centrão. Programas sociais conquistam apoio, e dar carta branca a aliados para elevar gastos públicos não tiraria o sono do presidente, embora confronte os programas de Paulo Guedes. É plausível também que Bolsonaro dobre a aposta para criar uma situação de conflito e testar suas forças políticas. Não será surpresa se ficar sozinho.

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