- Valor Econômico
Sobrevida do presidente depende mais dos acordos que tem pela frente do que da cloroquina
Fabrício Queiroz pode deixar a prisão antes de Jair Bolsonaro sair da convalescença. Não poderia haver dobradinha mais simbólica dos arranjos que se montam em Brasília. Depois de adquirir imunidade frente ao vírus, tem outras a buscar. Não é a cloroquina que vai lhe garantir sobrevida, mas um rol de créditos, nomeações e acordos.
O pedido de, pelo menos, R$ 30 bilhões em créditos extraordinários a ser enviado ao Congresso para os gastos dos Ministérios do Desenvolvimento Regional (Rogério Marinho) e da Infraestrutura (Tarcísio Freitas), vai irrigar as bancadas governistas e estender o prazo de sua imunidade no Congresso.
Nos tribunais, o termômetro está no STJ. O presidente da Corte, João Otávio de Noronha, não surpreenderá se, além de soltar Queiroz, também suspender a ordem de prisão de sua mulher, Márcia Aguiar, garantindo uma pausa ao pesadelo da delação.
Seria mais um serviço prestado pelo ministro ao presidente para tomar a dianteira na corrida por uma das vagas ao Supremo Tribunal Federal. É uma disputa encarniçada no seu próprio tribunal, sem falar daqueles que correm por fora no Ministério Público (Augusto Aras) e no Executivo (Jorge Oliveira).
Noronha terá mais meios para se mostrar útil até o fim de agosto, quando acaba seu mandato de presidente, mas seguirá como ministro influente na Corte e em condições de disputar espaço com dois de seus colegas, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell, que terão uma trincheira adicional, a do Tribunal Superior Eleitoral.
Ambos gozam de bom trânsito no Supremo e na cúpula do Congresso. Salomão tem a seu favor a condição de herdeiro da relatoria dos processos que lá tramitam contra a chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão, e Campbell, a proximidade com os ministros militares.
O páreo mais duro para qualquer um dos três ministros do STJ é o procurador-geral da República. A condição de coveiro da Lava-Jato lhe dá costas quentes tanto no Congresso, onde se amontoam alvos da operação, quanto no Executivo. Não apenas pelos desafetos que o ex-ministro Sergio Moro lá deixou mas pelo risco de a força-tarefa carioca dar luz a outros desdobramentos prejudiciais ao bolsonarismo, como o inquérito das rachadinhas, hoje estadual.
Augusto Aras atravanca como pode os inquéritos em curso no Supremo que possam vir a afetar o futuro do presidente, à exceção daquele que cerca as “fake news”, uma quase unanimidade na Corte e no Congresso. O PGR ainda tem o poder de desanuviar o excesso de candidatos à presidência da Câmara. No mês passado, denunciou o deputado Arthur Lira (PP-AL), hoje o mais articulado dos candidatos à sucessão do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A imunidade de Bolsonaro não terá como se desviar da disputa pelas mesas do Congresso. Com a contagem de mortos ainda acelerada e uma disputa municipal pela frente, o debate sobre uma eleição que só acontecerá em fevereiro parece precipitado. Só que não. Todo semestre que antecede a disputa é tomado por suas conjecturas. Não seria diferente desta vez.
Como completará, na próxima semana, quatro anos no cargo, Maia se movimenta mais discretamente. Tem mais apoio fora do que dentro da Câmara para a extensão do seu mandato. Publicamente, se limita a dizer que a Constituição não permite sua recondução ao posto, mas acompanha de perto as articulações mais afoitas do presidente do Senado. E já busca reaproximação com os partidos de centro-esquerda, como o PDT e o PSB, dos quais se apartou na última eleição da mesa em 2019, ao receber o apoio bolsonarista.
Duas semanas atrás foi bater em Pernambuco, de onde vem a maior fatia do PSB, para conhecer o manejo anti-covid do governador Paulo Câmara (PSB) e da vice, Luciana Santos, do PCdoB, partido que sempre se manteve sob sua órbita. Ambos os partidos veem com simpatia a recondução de Maia, mas não têm votos para garanti-la.
Mais próximo do Palácio do Planalto do que Maia, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) se vende como confiável. Afinal de contas, a representação contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) bate à porta do Conselho de Ética desde o início da legislatura sem sinal verde para ser instalada.
A perspectiva de que Alcolumbre puxaria o bloco da recondução e levaria Maia a tiracolo naufragou, porém, com a tese posta na rua pelo presidente do Senado. Trata-se de cativar seus pares, por meio de uma proposta de emenda constitucional, e convencer o Supremo de que os dois anos limitados pela Constituição para o cargo de presidentes das Casas, numa mesma legislatura, equivalem a metade de um mandato na Câmara, mas apenas a um quarto dos oito anos de mandato de um senador.
A tese é uma aberração, mas outras tantas têm tramitado no Congresso e no Supremo sem que seus padrinhos se sintam impedidos de se olhar no espelho. São outros os obstáculos.
A troco de que os pré-candidatos à cadeira (Eduardo Braga, Kátia Abreu, Eduardo Gomes, Antonio Anastasia ou Simone Tebet) aceitariam a prorrogação de seu mandato? O argumento de que a Casa não poderia vir a cair em mãos inseguras num momento de tensão institucional, como se diz na Câmara sobre uma eventual eleição de Lira, não cola. As alternativas hoje no Senado têm mais quilometragem que o próprio Alcolumbre.
O outro obstáculo é que esta saída só serve a Alcolumbre. Para Maia, a saída teria que passar pela busca de isonomia com a PEC que acabou com a proibição de recondução de presidentes, governadores e prefeitos. Se pode para o Executivo, por que não para o Legislativo?
Uma ação contra as reeleições ilimitadas nas Assembleias do Ceará e do Rio seria a porta de entrada da questão no Supremo que, então, permitiria uma única recondução. Dito assim, parece fácil, mas é um triplo carpado duplo. Maia tem muito trânsito no Supremo mas talvez não o suficiente para tamanha pirueta. São tantos pré-candidatos que o plenário barraria o engenho antes que chegue à Corte.
A roupagem das articulações é a de que a Câmara e o Senado têm sido um contraponto de estabilidade a ser preservado. Se o preço para isso, porém, for a extensão do mandato dos seus presidentes, o risco é o de se transformar o Congresso numa grande Assembleia Legislativa. E, ao invés de reduzir as incertezas do futuro, ampliá-las.
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