- O Estado de S.Paulo
O Congresso tem agora o seu próprio Big Bang para administrar até o final do ano
Em 2017, o Congresso fervia com o debate nacional em torno da reforma da Previdência. A PEC 287 tinha sido enviada pelo presidente Michel Temer no dia 5 de dezembro de 2016 no embalo da aprovação rápida da emenda do teto de gastos.
Enquanto todos os holofotes estavam voltados para as mudanças nas regras previdenciárias, apontada na época como a solução para a crise fiscal do País, a reforma trabalhista foi sendo construída e aprovada sem muitos obstáculos e debates nas duas Casas e na sociedade civil.
O relator da reforma, o ex-deputado tucano pelo Rio Grande do Norte e hoje ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, propôs mudanças em 100 pontos da septuagenária CLT.
De repente, quando se viu, a reforma já estava pronta e rapidamente a votação do projeto foi concluída em julho de 2017 pelo Senado. Já a PEC da reforma da Previdência só saiu do Congresso aprovada após três anos da primeira tentativa do governo Temer.
Mais tarde, a estratégia de negociação da reforma trabalhista – à sombra da “gritaria” que acontecia na discussão da Previdência – foi saudada pela base governista como extremamente hábil e bem-sucedida para iniciar o que as lideranças chamaram de novo ciclo de reformas estruturantes. Marinho perdeu a eleição em 2018, mas ganhou a parada ao ser alçado ao cargo de secretário do ministro Paulo Guedes e articulador principal do governo Bolsonaro para a reforma da Previdência. Hoje, é um dos ministros mais influentes do governo.
No meio desse caminho, até hoje, diversas pautas-bomba e inúmeros “jabutis” foram sendo aprovados, armados e desarmados a um custo elevado para as próprias contas públicas.
Em nome de reformas para garantir a sustentabilidade das contas públicas, uma penca de medidas com aumento de gastos foi aprovada. Maior contradição impossível.
O caso mais recente foi a votação do congelamento dos salários dos servidores públicos até dezembro 2021 e das restrições ao aumento de gastos com pessoal. Foi uma batalha longa até a manutenção do veto presidencial pela Câmara.
Na semana seguinte, a fatura já estava sendo cobrada: a Câmara aprovou a proposta que cria o Tribunal Regional Federal da 6.ª Região, com sede em Minas Gerais. Sem falar nas categorias que correram para garantir reajustes antes do congelamento com as bênçãos do presidente Bolsonaro.
Agora, se fala em parecer do próprio governo que flexibiliza as restrições impostas pela lei recém-aprovada.
A lembrança de 2017 se justifica agora porque várias propostas importantes e polêmicas estão tramitando ao mesmo tempo. A mais ruidosa delas, e que gera debates intensos nas redes sociais, a reforma administrativa que mexe com o funcionalismo público, chegou esta semana desidratada e com blindagem para a elite do funcionalismo e os altos salários.
A reforma administrativa entrou no Congresso como resposta à pressão externa, que incluiu uma mobilização bem articulada de uma frente de parlamentares e de setores da sociedade civil, mas também pela interdição branca que o setor produtivo tem feito na reforma tributária. Todo mundo diz que quer aprovar a tributária para acelerar o crescimento, porém, lá no fundo não é bem assim. Isso vale também para o governo que retirou o pedido de urgência para a votação da primeira fase da sua proposta de reforma enviada no mês passado.
Os maiores riscos desse cenário de múltiplas reformas e escolhas são: aprovar propostas como remendos sem eficácia alguma e abrir a porteira para a passagem de jabutis que minam ainda mais as contas do governo e também as instituições públicas, com o aparelhamento da máquina pública.
Depois da pressão para o envio das reformas, o Congresso tem agora o seu próprio Big Bang para administrar até o fim do ano. A reforma administrativa é só mais um item polêmico a compor a extensa agenda de propostas que estão no Senado e na Câmara sem uma definição de qual delas é de fato a prioridade número um de votação nos quatro meses que faltam para terminar 2020.
Para quem não acompanhou de perto o frenesi do noticiário econômico das últimas semanas, Big Bang foi o apelido dado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao anúncio de um pacote de medidas para a retomada da economia na fase pós-pandemia.
Reforma tributária? Reforma do “RH”? PEC do pacto federativo para corte de gastos? Renda Básica? Novos gatilhos para investimentos? Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Orçamento de 2021? Plano Mansueto para salvar os Estados com as finanças em frangalhos em 2021?
Tudo isso junto e misturado com a disputa pelas presidências do Senado e Câmara, a briga pelo protagonismo e as sessões ainda afetadas pela pandemia. Prato feito para a aprovação de jabutis e propostas malfeitas para “inglês ver”. Mas como inglês não é bobo nem nada, uma hora a ficha cai.
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