Em vez de abrandar uma proposta dura, o Congresso terá de endurecer uma proposta branda
Quando apresentou sua proposta para reformar a Previdência, o governo adotou uma meta agressiva. O ministro Paulo Guedes insistia em economizar no mínimo “um trilhão” em dez anos. No final, com a desidratação no Legislativo, a economia ficou aquém disso, mas além da prometida na proposta anterior. Pode-se dizer que deu certo. Agora, na reforma administrativa, a estratégia foi outra: uma meta politicamente confortável. O governo apresentou apenas a primeira das três fases de mudanças, sem atingir servidores da ativa nem categorias sensíveis. O objetivo é duplo. Primeiro, poupar um desgaste maior no Congresso. Segundo, depois da aprovação, evitar disputas judiciais.
Nenhum dos dois objetivos está garantido. Para começar, o texto propõe a extinção de organismos do Estado apenas por iniciativa do Executivo — um jabuti do tamanho daqueles quelônios pré-históricos das ilhas Galápagos. A ideia é inaceitável. Nada tem a ver com a racionalização das carreiras no serviço público, mas muito com as inclinações autoritárias de um presidente que não demonstra apreço por caminhos institucionais e almeja centralizar mais poder em suas mãos. É evidente que o Executivo deve tomar a iniciativa de acabar com tudo o que for redundante ou sem sentido no Estado, mas toda medida dessa natureza precisa ser chancelada pelo Congresso.
A proposta deixa ainda a desejar na extensão das mudanças. É verdade que mudar a carreira dos “membros de Poder” (caso de juízes, procuradores ou parlamentares ) dependeria de iniciativas desses próprios poderes. Mesmo assim, não há motivo para poupar as carreiras militares. Muito menos para manter a garantia de estabilidade após apenas três anos às carreiras identificadas como "de Estado" (como diplomatas ou auditores), em vez de dez como sugerido inicialmente. A proposta, na forma como está, não mexe nas categorias mais privilegiadas do serviço público e preserva as desigualdades mais chocantes.
Para as demais categorias, há mudanças significativas. O texto acaba com distorções como promoções automáticas, generosidade em férias e bonificações. Mesmo assim, as novas regras valem apenas para novos contratados, sob o pretexto de evitar risco jurídico. É um argumento discutível. Se a proposta evita processos em nome de “direitos adquiridos”, nada faz contra quem, depois de concursado, pleitear na Justiça “igualdade de condições de trabalho”. O mais grave é a dilatação do fôlego fiscal prometido pela reforma. Sem incluir servidores da ativa, não haverá alívio nas contas públicas antes de dez ou vinte anos. Há, enfim, uma incógnita a respeito dos projetos de lei que regularão as novas carreiras e prometem meritocracia.
É preciso reconhecer a coragem do Executivo em tentar enfrentar o desafio da reforma administrativa e, sobretudo, em trazer à mesa tabus como a estabilidade. Cabe agora ao Congresso, contudo, o mais difícil: em vez de abrandar uma proposta dura, endurecer uma proposta branda. Considerando a deficiência crônica deste governo na articulação política, é uma perspectiva desafiadora.
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