A ausência do presidente e de seu “superministro” da Economia no ato de entrega de uma reforma crucial é indicativo de que a proposta talvez não seja para valer
No dia em que a proposta do governo para a reforma administrativa foi finalmente encaminhada ao Congresso, o presidente Jair Bolsonaro estava no interior de São Paulo fazendo comício e prometendo construir pontes. Em seus discursos, falou de tudo um pouco, menos desta ou de qualquer outra reforma. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tampouco compareceu à cerimônia de entrega no Salão Negro da Câmara.
Em política, gestos muitas vezes dizem mais que palavras. A ausência do presidente da República e de seu “superministro” da Economia no ato de encaminhamento de uma reforma crucial para o País é indicativo de que a proposta talvez não seja para valer.
Não é segredo para ninguém que o presidente Bolsonaro não desejava uma reforma que afinal acabasse com os inúmeros privilégios do serviço público, muitos dos quais beneficiam diretamente sua tradicional base eleitoral. Tanto é assim que Bolsonaro havia dito, reiteradas vezes, que não encaminharia a reforma administrativa neste ano, e quando o fizesse seria numa versão branda.
Mas o engessamento de um Orçamento que é consumido em grande parte pela folha de pagamentos do funcionalismo ameaça inviabilizar não somente os planos de Bolsonaro de instituir um programa de transferência de renda mais generoso que o Bolsa Família - sua grande aposta eleitoral -, mas também o próprio funcionamento da máquina do Estado. Por essa razão, e sob pressão do ministro Paulo Guedes e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente enfim aceitou que se enviasse uma proposta de reforma administrativa.
No entanto, o projeto encaminhado é claramente incompleto e insuficiente. Parece ter sido desidratado já em sua origem, sob o argumento de que só assim seria, nas palavras do ministro Paulo Guedes, “politicamente viável”. Ora, só é possível saber da viabilidade política de um projeto quando o governo o submete ao Congresso, não antes. É no debate parlamentar que o governo tem a oportunidade de defender a reforma que julga adequada, negociando eventuais mudanças e concessões.
A questão, a esta altura clara, é que o governo não quer a reforma, ao menos não uma que faça realmente a diferença não apenas no que diz respeito ao equilíbrio das contas públicas, mas também ao próprio desenho de funções e do alcance da burocracia estatal. Uma reforma administrativa digna desse nome não pode se esgotar na redução de privilégios de alguns servidores daqui a décadas, pois esse problema, embora grave, nem de longe é o único num Estado que não consegue servir o público na proporção do que arrecada em impostos.
A reforma que o governo está propondo limita-se ao chamado “RH do Estado”, e não valerá para os atuais funcionários. Ou seja, só produzirá algum efeito no equilíbrio fiscal em uma ou duas décadas, isso se não for questionada judicialmente no meio do caminho, e manterá inalterada a essência da estrutura estatal atual, evidentemente disfuncional.
Ademais, a proposta encaminhada pelo governo é apenas a primeira de esperadas três fases, e não há notícia de que a segunda e a terceira - que definirão quais carreiras manterão estabilidade e como funcionará o sistema de gratificações, entre outras pendências - estejam sequer esboçadas. Levando-se em conta o histórico de um governo que promete muito e entrega quase nada, pode-se presumir que o restante da reforma administrativa tem chance razoável de ficar para as calendas - como, aliás, querem Bolsonaro e seus novos amigos do Centrão, conhecidos advogados de servidores públicos.
“Reforma para futuros funcionários a gente poderia ter feito há 20 anos, quando esse modelo começou a dar sinais de que estava se exaurindo”, argumentou, com razão, o ex-governador Paulo Hartung. “Agora exauriu. Não tem mais como fazer uma coisa hoje para colher resultados em dez anos.”
Registre-se que uma parte dos líderes do Congresso tem demonstrado vivo interesse numa ampla reforma administrativa. Essa oportunidade de ouro poderia ser aproveitada pelo governo. Mas aparentemente, se depender de Bolsonaro, ainda não será desta vez.
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