Folha de S. Paulo
O orçamento secreto restaura
discricionariedade do executivo no processo orçamentário
Já escrevi sobre o Orçamento
rabilongo da República Velha. O apelido deveu-se à longa cauda de emendas
estranhas à matéria que a lei orçamentária continha. Mas o que é mais relevante
não é apenas a exclusividade ou pureza do orçamento que não deve conter matéria
estranha às finanças públicas. O que escapou a muitos analistas é que o
orçamento expressava uma certa impotência do executivo face ao legislativo. O
atual protagonismo do legislativo sugere que estaríamos de volta ao Orçamento
rabilongo, mas se trata do contrário.
Antes da reforma constitucional de 1926, o presidente detinha apenas a prerrogativa do veto total: ou vetava a lei orçamentária in totum, ou a aceitava, o que o enfraquecia. O imbróglio das emendas de relator aponta para algo bem distinto: o rabo curto do orçamento, sua intransparência. Com elas, deparamo-nos com uma espécie de restauração do status quo criado pós 1926, e que vigiu até a introdução do orçamento impositivo (EC 86/2015) e EC 100/2019).
Há semelhanças importantes com o jogo
orçamentário – ultracentralizado e opaco – que levou ao escândalo dos Anões do
Orçamento, e que deflagrou ampla reforma das instituições orçamentárias em
1995, objeto da tese
do cientista político Sérgio Praça.
A racionalização do processo
legislativo do Orçamento gerou um padrão de relação executivo
legislativo sob a preponderância presidencial que gerava ganhos de troca. O
jogo não ocorre no varejo – a despeito das emendas individuais – mas no atacado
sob o comando dos líderes partidários.
O executivo tinha ascendência porque
controlava o
contingenciamento e a liberação de verbas. É o "há verbas mas não há
dinheiro", atribuído ao ex-ministro da Fazenda San Tiago Dantas (1911-64).
O jogo também é intertemporal, tem várias rodadas; raramente envolve episódios
singulares de votação. A liberação de emendas ocorre tipicamente no último
trimestre do ano quando o executivo pode observar o comportamento parlamentar.
O orçamento impositivo torna a execução
mandatória: o corte de despesas previstas nas chamadas emendas impositivas só
pode ocorrer se houver corte na mesma proporção nas discricionárias. Mas as
emendas de relator não estão sujeitas a mesma restrição. O caráter obrigatório
das emendas impositivas não esgota seu caráter inovador. Há regras que garantem
certa proporcionalidade alocativa: e que, portanto, impedem a premiação/punição
segundo a lealdade de parlamentares em relação à coalizão de governo.
Embora pareça que o protagonismo seja
inteiramente legislativo, o orçamento secreto é crucial para o executivo porque
restaura seu poder discricionário sobre a execução orçamentária.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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