Ímpeto por reformas deu lugar à corrida por dinheiro para comprar apoio e popularidade
Em setembro de 2019 Paulo Guedes, ministro
da Economia do Brasil, disse ao Congresso que poderia “fazer história” mantendo
o Orçamento sob controle, acrescentando que “a classe política não deveria
correr atrás dos ministros, implorando por dinheiro”. Agora, Guedes está
apoiando uma dissimulada tentativa do governo de contornar o limite
constitucional para os gastos públicos estabelecido em 2016, que foi um passo
crucial para endireitar as finanças do país. Ele e Jair Bolsonaro, o
presidente, conduzem o país não apenas a um retorno à incontinência fiscal,
como também a outras mazelas econômicos que têm castigado o Brasil: aumento da
inflação, altas taxas de juros e baixo crescimento. E as travessuras
orçamentárias, por sua vez, criaram incerteza sobre o futuro do principal
programa social do país.
Nas eleições de 2018, a aliança de Bolsonaro com Guedes, economista do livre mercado, contribuiu muito para persuadir empresários a apoiarem um ex-oficial do exército de extrema direita que nunca antes havia mostrado interesse pela economia liberal. Guedes prometeu uma reforma radical do inchado e ineficiente Estado brasileiro. Mas essa promessa resultou apenas em alguma economia no setor previdenciário, autonomia legal para o Banco Central e pequenas simplificações regulatórias. Agora o ímpeto por reformas deu lugar à corrida de Bolsonaro por dinheiro para comprar apoio político e popularidade.
Para evitar o impeachment por causa de sua
má gestão da pandemia e dos crimes de sua família (o que eles negam), Bolsonaro
se aliou ao Centrão, uma grande coalizão de conservadores congressistas. Quando
a covid-19 atacou, o governo declarou “estado de calamidade”, permitindo-lhe
oferecer grandes auxílios temporários, apesar do limite de gastos. Em 2020, a
pobreza diminuiu no Brasil, contrariando a tendência regional, e a popularidade
de Bolsonaro aumentou. Em março, o governo ganhou uma emenda constitucional de
emergência, abrindo um buraco no teto de gastos, para permitir que pelo menos
alguns pagamentos continuassem. Agora, a queda no índice de aprovação do
presidente está reduzindo sua chance de um segundo mandato nas eleições do
próximo ano.
Uma nova emenda constitucional abriria mais
dois buracos. Permitiria ao governo atrasar pagamentos de precatórios judiciais
(tais como as restituições de tributos cobrados em excesso). Além disso,
exploraria a recente subida nos preços, indexando o orçamento à inflação anual
de dezembro (provavelmente superior a 10%) em vez da de junho (8,4%). Essas
mudanças dariam ao governo uma soma extra de R$ 100 bilhões (US $ 18,2 bilhões)
para usar no próximo ano, avalia Marcos Mendes, ex-assessor econômico do
Senado.
Parte desse dinheiro iria para o Auxílio
Brasil, o reformulado programa de combate à pobreza que sucederá o Bolsa
Família, o bem-sucedido esquema de combate à pobreza lançado em 2003 pelo então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas trará mais complexidade e incerteza,
observa Marcelo Neri, especialista em pobreza da Fundação Getúlio Vargas. O
governo elevou a média do benefício permanente em 18%, para R$ 217 por mês. No
entanto, Neri aponta que a inflação havia corroído 32% de seu valor real desde
2014. Bolsonaro também prometeu um bônus temporário, de modo que todas as 17
milhões de famílias no programa receberão pelo menos R$ 400 por mês, mas apenas
até dezembro de 2022. Não por acaso, isso acontece logo após as eleições.
Outra grande parte do dinheiro extra iria
para causas menos dignas, incluindo cerca de R$ 18 bilhões para financiar
obscuras emendas orçamentárias que permitem a execução de contratos públicos
superfaturados a congressistas em troca de seu apoio a Bolsonaro. Essas foram
algumas inovações idealizadas pelo Centrão. Esta semana, a maioria do Supremo
Tribunal Federal considerou essas cláusulas secretas como ilegais. Isso não
impediu que a Câmara dos Deputados aprovasse a emenda constitucional. Não está
claro se isso será aprovado no Senado.
De qualquer maneira, haverá custos. A
derrota colocaria em dúvida o financiamento do Auxílio Brasil no futuro. Mas
seria uma vitória de Pirro. Quatro dos mais antigos assessores de Guedes
renunciaram no mês passado porque se opuseram à emenda (a versão oficial foi
por “motivos pessoais”). A preocupação com a política fiscal é o “principal
combustível da inflação”, diz Zeina Latif, economista de São Paulo. O objetivo
do teto de gastos era travar o implacável aumento dos gastos públicos que
satisfaz os privilegiados, já que não são redistributivos nem eficientes para
superar os gargalos que freiam o crescimento. Esse enfraquecimento mostra que
Bolsonaro não é ruim apenas para o meio ambiente, para os direitos humanos e
para a democracia, mas também para a economia do Brasil. Tradução de Anna Maria
Dalle Luche
Nenhum comentário:
Postar um comentário