Folha de S. Paulo
O 'punitivismo' de que precisamos agora,
depois dos crimes da pandemia, é outro
Se Sergio Moro tivesse
se candidatado a presidente em 2018, teria sido eleito com a maior votação da
história. Parece um grande feito até você lembrar quem foi o sujeito que
ganhou. O ano de 2018 não foi um pico glorioso na história da inteligência
brasileira.
Agora Moro tenta o que Luciano Huck desistiu
de fazer: concorrer
em 2022 como se fosse 2018. Não é fácil.
O candidato Moro é um time que tem chances
de vencer o campeonato, mas não depende dos próprios resultados. Com alguma
sorte e habilidade, talvez
cruze a linha dos 10% de intenção de voto com o que sobrou de
eleitorado lava-jatista e uma parte do ex-bolsonarismo.
Daí em diante, torceria para que ninguém mais decolasse, Bolsonaro despencasse e o voto útil começasse a chegar. Chegando no segundo turno, ainda precisaria que Lula estivesse tão isolado quanto o PT estava em 2018. Nada disso é impossível, mas, para dar certo, os adversários de Moro precisam tropeçar.
Não estou entre os que acham que, como
pessoa, Moro seja tão ruim quanto Bolsonaro. Ninguém é. Bolsonaro é um adorador
de Ustra que mente
que vacinas causam Aids. Ninguém é tão ruim.
Entendo que haja um segmento do eleitorado
que gostaria de tentar de novo a renovação que Bolsonaro matou na origem. Essas
pessoas talvez votem em Moro. Mas acho que seria uma má ideia, por dois
motivos.
Em primeiro lugar, porque não está claro
que Moro tenha se afastado dos riscos autoritários que Bolsonaro trouxe.
Setores das Forças Armadas pensam em apoiar Moro.
Eu não quero que as Forças Armadas apoiem ninguém.
Eu as quero patrulhando fronteira e pesquisando tecnologia. Eu quero que os
caras armados saiam da sala para que possamos punir os assassinos da pandemia
sem medo de golpe.
Se a candidatura Moro der sobrevida à
intromissão dos militares na política brasileira que começou no governo Temer,
será muito ruim.
Em segundo lugar, mesmo admitindo, como eu
admito, que a Lava
Jato também tenha legados positivos, não acho que nada disso será bem
resgatado por uma candidatura presidencial messiânica.
Temo que a candidatura Moro nos condene a
mais uma campanha eleitoral baseada na premissa falsa de que o que falta ao
Brasil é um líder incorruptível.
Na verdade, a Presidência não é um bom
lugar de onde se combater corrupção: não é o presidente que elege os outros
políticos com quem vai ter que lidar ou os empresários que concorrem nas licitações.
O presidente precisa escolher se fiscaliza
obras nos seus mínimos detalhes ou se as termina. Por esses e por outros
motivos, sua margem de ação nessa área é muito menor do que se pensa.
Por isso, há outras instituições cuja
função é fiscalizar isso tudo. Teria sido bom se Moro não tivesse ajudado a
eleger o presidente que as está desmontando.
Vale a pena discutirmos Sergio Moro
presidente, a esta altura do campeonato? Eu acho que não. O risco autoritário
tem que ser cortado pela raiz. Não podemos ter outra campanha em que o
eleitorado acredite que o dinheiro acabou porque os políticos roubaram.
E o "punitivismo" de que
precisamos agora, depois dos crimes da pandemia, é outro. Duvido que ele seja
bem representado na campanha
presidencial de 2022, duvido ainda mais que o seja pelo ex-ministro da
Justiça do culpado.
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