Folha de S. Paulo
Garrincha não chamava ninguém de João e
Dolores não escreveu com batom num lenço de papel
Diz a lenda que, ao passar por Tom Jobim ao
piano, Dolores Duran perguntou-lhe
que beleza era aquela que ele estava tocando. "É uma canção em que estou
trabalhando", disse Tom. Daí Dolores teria tirado da bolsa seu batom e
escrito, de primeira, num lenço de papel: "Ah, você está vendo só/ Do
jeito que eu fiquei/ E que tudo ficou...". Ok, agora tente você escrever
não uma obra-prima do samba-canção, como "Por causa de você", mas
qualquer coisa com batom num lenço de papel. Na vida real, Dolores escreveu a
letra em casa, no maior sossego, talvez com uma Parker.
Outra história é a de que Tom e Vinicius
de Moraes,
bebendo num botequim em Ipanema, viram uma moça passar e ali mesmo fizeram
"Garota de Ipanema". Seria assim tão fácil? Além disso, era proibido
tocar violão no Veloso, como o botequim então se chamava. A moça passou mesmo
por lá, mas Tom fez a música ao piano em seu apartamento e Vinicius, a letra,
na casa de Lucinha Proença, sua mulher na época, em Petrópolis. Levaram um mês
para terminá-la.
Também não é verdade que o violonista Baden Powell, ao receber um convite para tocar na Casa Branca, em Washington, em 1963, tivesse dito: "Não posso. Nesse dia tenho show no Zum-Zum". Imagine alguém recusar a Casa Branca pelo Zum-Zum, uma humilde boate em Copacabana —nem o desligado Baden faria isso. Para completar, os fatos não batem: os convites da Casa Branca eram feitos com meses de antecedência, e os shows do Zum-Zum, decididos de véspera.
E, embora ainda a contem, esqueça a
história de que Garrincha chamava
de "João" o adversário que iria marcá-lo no jogo do dia seguinte. Fora
inventada por seu amigo, o jornalista Sandro Moreyra,
e Garrincha a detestava porque fazia com que o jogador, para não se tornar um
"João", entrasse nele para rachar. São boas histórias, mas falsas,
sem base nos fatos. Hoje as histórias falsas se passam em Brasília e não têm a
menor graça.
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