O Globo
A decisão de vários governadores e
prefeitos pelo país de não acatar a decisão do governo federal de exigir
prescrição médica para vacinar contra a COVID-19 crianças de 5 a 11 anos pode
ser considerada uma variante da desobediência civil, desenvolvida pelo ativista
norte-americano do século XIX Henry David Thoreau, que se insurgiu contra com
os impostos cobrados para financiar a Guerra dos Estados Unidos contra o
México, e comandou uma reação pública.
Não se trata de uma ação individual com objetivos políticos, mas reação à lei
percebida como injusta por um grupo de cidadãos. As pesquisas de opinião
mostram que cerca de 80% da população brasileira é favorável à vacinação, o que
permite fazer a ilação de que a maioria também pretende vacinar seus filhos e netos,
mesmo o governo se recusando a acatar as determinações da Anvisa que, a exemplo
de vários países da Europa e os Estados Unidos, autorizou a vacinação infantil.
O presidente Jair Bolsonaro, que desde a campanha de 2018 critica o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), acaba de ser derrotado pelo seu artigo 14,
parágrafo 1º, que diz: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos
recomendados pelas autoridades sanitárias”. Mais uma demonstração de que as
instituições funcionam como contrapeso à tendência autoritária do governo
Bolsonaro, que, não pela primeira vez, será obrigado a recuar diante das
determinações de leis e instituições próprias da democracia representativa.
“O ECA tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e
à malandragem infantil”, disse ele durante a campanha presidencial em que foi
eleito. Embora encontre resistências institucionais a medidas descabidas,
Bolsonaro não para de tentar burlar as leis, molda-las à sua maneira de ver o
mundo. Mais uma vez, o governo adota uma atitude criminosa ao retardar a
vacinação de crianças de 5 a 11 anos, prática já usual em países da Europa e
nos Estados Unidos.
Primeiro, retardou a compra de vacinas, como ficou demonstrado durante a CPI da
Covid, atraso injustificável. Basta saber que o ministério da Saúde, já na
administração do General Eduardo Pazuello, deixou de responder a inúmeras
abordagens de laboratórios reconhecidos mundialmente, como Pfizer e
AstraZeneca, para tentar negociar a compra de vacinas através de intermediários
de quinta categoria, que ofereciam o que não podiam entregar e pediam propina
antes mesmo de as vacinas chegarem ao país.
Começamos atrasados nossa vacinação nacional com um Plano Nacional de
Imunização já plenamente estruturado, e nossa organização histórica nesse campo
é tão eficiente que já estamos à frente dos Estados Unidos e outros países que
começaram antes de nós.
Esse atraso de meses provocou mortes que poderiam ter sido evitadas se
houvesse vacinação desde o início de 2020, quando a disputa política com o
governador João Doria impediu a compra da Coronavac.
O ministério também retardou a vacinação de adolescentes, recuando meses depois
da recusa, e agora faz a mesma coisa com as crianças. O ministro da Saúde
Marcelo Queiroga, a partir do momento em que resolveu ser candidato ao Senado
na próxima eleição, está tomando atitudes absurdas para agradar a Bolsonaro. O
médico que usava o bom-senso no início de sua gestão à frente do ministério da
Saúde, marcando uma diferença necessária para o antecessor, General Eduardo
Pazzuelo, foi substituído pelo aspirante a político, capaz de dizer
barbaridades sem corar.
Afirmar que não há pressa para vacinar crianças é um absurdo, porque elas estão
morrendo devido à COVID-19, mas o ministro acha que o número ainda é baixo. É
uma conta que médico e ministério da Saúde não podem fazer. Mais uma vez,
prejudicam a população brasileira. Cada vez que adiam uma ação dessas sem
razão, e convocam uma audiência pública após todos os órgãos, inclusive a ANVISA,
terem liberado a vacinação infantil, demonstram uma insensibilidade que
poucas vezes temos visto. Uma atitude que pode ser considerada criminosa.
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